COMO A SUA
MENTE LIDA COM O DINHEIRO
Conheça as mais recentes descobertas da neuroeconomia, a ciência que
ajuda você a comprar, investir ou vender melhor
Cilene Pereira e Mônica Tarantino
DESEJO E MEDO Enquanto os olhos
cobiçam o produto, estruturas cerebrais associadas ao prazer e ao temor de
perder dinheiro são acionadas
Um dia você entra numa joalheria e
pega um par de brincos que gostaria de ganhar no Dia dos Namorados. Ou então
prova aquele tênis recém-lançado, apesar de o seu ter sido comprado no mês
passado. Quem sabe você é daqueles que adoram desfilar pela livraria com um
best-seller de 500 páginas, mesmo ciente de que sua agenda está lotada e não
existe nenhum feriadão pela frente. Se já viveu alguma das situações acima,
saiba que foi vítima da mais banal das armadilhas que a mente prega para
esvaziar o bolso. É o chamado truque do "pegou, comprou". Depois de alguns
segundos com o produto na mão, cria-se um vínculo tão grande com o artigo que
seu cérebro manda às favas a razão e cede à tentação. E lá vai você feliz da
vida com a joia que o namorado ia comprar, o tênis de que não precisava ou o
livro que não vai ler.
"Ok", você pensa em seguida, "não é um problema tão grande. Quase todo mundo age
assim". Como qualquer consumidor honesto submetido às forças naturais do
mercado, você está totalmente convencido de que apenas repetiu um
comportamento-padrão. Pois então saiba que se pensou assim é porque acabou de
cair em mais uma das truques mentais que vão implodindo suavemente um orçamento:
a de seguir com a manada. Do ponto de vista da racionalidade econômica, comprar
porque pegou o produto e se justificar com base no comportamento coletivo são
dois erros que podem custar caro. Mas para o cérebro são também formas de lhe
dar algum conforto psicológico, popularmente chamado de "shoppingterapia".
Como a maior crise econômica mundial está provando, as decisões econômicas não
são definitivamente racionais. O problema é que, com trilhões de dólares, euros,
ienes e reais girando cada vez mais rápido pelo mundo, é preciso entender com
urgência os mecanismos que nos fazem decidir - e tentar, de alguma maneira,
evitar que mais e mais escolhas erradas sejam feitas. Por isso, enquanto os
governos buscam resolver a situação e regular mercados, os cientistas estão
empenhados em saber o que nos leva a gastar, vender ou investir. Para chegar
mais perto dessa resposta, áreas distintas da ciência estão somando recursos
para estruturar um campo de estudo destinado a cumprir essa tarefa - a
neuroeconomia. Ela é resultado da união de ferramentas de investigação e
conhecimentos da psicologia, da economia e da neurologia, com a ajuda de seus
sofisticados aparelhos de diagnóstico por imagem.
O potencial dessa área é enorme. Em cerca de seis anos de atividade, os
pesquisadores descreveram vários mecanismos e desvios característicos da tomada
de decisões (leia quadros). "Estamos obtendo explicações para as atitudes do
consumidor e descobrindo suas implicações", diz a psicanalista Vera Rita
Ferreira, professora de psicologia econômica da PUC de São Paulo e autora de
dois livros sobre o tema. Entre as revelações estão as armadilhas do "pegou,
comprou" e do chamado efeito manada. A primeira foi descrita há apenas três
meses pela Universidade de Ohio, nos Estados Unidos. Os cientistas avaliaram o
comportamento de 144 estudantes durante um leilão. O grupo que segurou por 30
segundos uma xícara de café deu lances maiores para arrematar a peça. Embora ela
custasse US$ 4,49, houve lances de US$ 10. "É impressionante. As pessoas ficaram
emocionalmente ligadas à xícara, um objeto comum", disse James Wolf, autor do
estudo.
A tendência de apresentar o mesmo comportamento é uma conclusão embasada na
antropologia, é verdade, mas que está sendo agora provada por estudos que
revelam como o cérebro prefere se poupar a ter de enfrentar situações
desafiadoras. Em março, por exemplo, a revista científica Public Library Science
publicou um trabalho mostrando que, quando recebemos o conselho de um consultor
em finanças, o cérebro desativa áreas associadas à decisão racional. "Ele
abandona a responsabilidade quando confia em uma autoridade", explicou Gregory
Berns, professor de neuroeconomia e psiquiatria da Universidade de Emory, nos
Estados Unidos. O detalhe é que, no estudo, a orientação do especialista não
levaria a ganhos maiores. Em São Paulo, o administrador Carlos Ayres alerta suas
turmas da pós-graduação em finanças da Fundação Armando Álvares Penteado para
equívocos desse gênero. "Optar por vender ou comprar ações de acordo com a
mídia, por exemplo, é um erro", diz Ayres, que também dirige a consultoria L&A.
"É mais importante olhar os gráficos do movimento do mercado para saber se não
existem operações financeiras significativas sendo realizadas que contrariam as
tendências mostradas pelas notícias."
A constatação de que quase todas as
decisões econômicas são tomadas a partir de um permanente embate entre a razão e
as emoções não é necessariamente nova. A pressão exercida pelos sentimentos nos
instantes que antecedem a opção de comprar o carro novo ou investir, vender o
apartamento ou ir viajar vem sendo usada em técnicas de venda e na publicidade
desde o século passado. O que agora está vindo à luz são detalhes de como esses
mecanismos se processam.
ARMADILHAS DA MENTE
Conheça os equívocos de raciocínio mais comuns nas decisões que envolvem
dinheiro e aprenda a evitá-los
PROTEÇÃO A psicanalista Vera Rita
escreveu livros para ensinar consumidores a tomar decisões conscientes
Entende-se
melhor, por exemplo, o papel do medo na hora da decisão. Recentemente, um estudo
divulgado na publicação científica Neuron identificou as estruturas cerebrais
acionadas diante da possibilidade de comprar algo. Um grupo de 26 indivíduos
recebeu US$ 20 para comprar o que quisesse. Os produtos e os preços eram
exibidos em uma tela de computador, enquanto o cérebro dos participantes era
monitorado por meio de exames de imagem. Quando apareciam os produtos, os
cientistas assistiam à ativação de uma área associada à antecipação do prazer, o
núcleo acumbens, e de uma outra região que cumpre a missão de fazer um balanço
das perdas e ganhos. Ao mesmo tempo, o cérebro entendeu que a compra podia
resultar em prazer e passou a calcular o custo-benefício do ato.
Mas, ao surgirem os preços elevados, o que se viu foi que alguns indivíduos
colocaram em funcionamento uma região cerebral (chamada de insula) vinculada ao
medo e à dor. Aqueles que acionaram a insula e desativaram a região que calcula
os benefícios e perdas decidiram não comprar. "Algumas pessoas experimentam
cronicamente uma sensação de dor de pagar - e consequente atividade na insula -
mais forte do que outras", explicou à ISTOÉ Rick Scott, um dos autores do
trabalho. A pesquisa americana ajuda a entender o que se passa na mente de quem
se afunda no cartão de crédito. "Para muita gente, usar o cartão disfarça a dor
que seria sentida com o dinheiro. Isso facilita a compra."
A consumidora
A relações-públicas Ana Paula Mestieri, 34 anos, de São Paulo, é daquelas
consumidoras vorazes. Tem coleção de óculos de sol, roupas, bolsas, sapatos.
"Comprar me dá um enorme prazer", diz. "A sensação de recompensa é imediata."
Ela sabe que podia poupar mais, mas não se arrepende. "Uso tudo o que compro."
Não
é apenas pela atividade da insula que se faz um sovina, mas esse medo nos
protege de gastar mais do que temos. Em excesso, ele também nos paralisa quando
deveríamos agir. "Algumas pessoas têm aversão a perdas", disse à ISTOÉ o
psiquiatra Martin Paulus, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, um
especialista da neuroeconomia. "Esse pavor pode retardar a decisão de abrir mão
de ações ou de outros bens quando isso deveria ser feito." Ou seja, aquela mesma
sensação de posse que nos faz comprar um produto supérfluo apenas porque o temos
em mãos também nos faz reter bens que deveriam ser passados adiante. É por isso
que em momentos de queda da bolsa de valores, como na atual crise, muitas
pessoas deixam passar o melhor momento de venda das ações.
E o que dizer das vezes em que ficamos indecisos diante de dois produtos? Pois
saiba que se provou agora a força da terceira opção. Quando o vendedor oferece
uma alternativa mais simples e barata que as duas anteriores, tendemos a comprar
um dos produtos que nos deixaram em dúvida. E quase sempre, descobriram os
pesquisadores da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, ficamos
justamente com a opção mais atraente e cara. Ao observar o que ocorria no
cérebro de compradores diante de duas alternativas, os cientistas descobriram
que eles estavam, na verdade, irritados por causa da dificuldade de decidir.
"Houve uma atividade maior na amígdala, área do cérebro associada a reações
negativas", explicou à ISTOÉ Akshay Rao, coordenador do trabalho. Quando surgiu
a terceira opção, pior do que as anteriores, as outras pareceram ótimas. "O
processo de decidir ficou agradável e o cérebro usou seus caminhos naturais para
escolher", disse Rao. "Conhecer esse mecanismo pode ser um recurso ao alcance do
consumidor que sente dificuldade de decidir. Ele mesmo pode pedir para ver um
terceiro item", orienta o pesquisador. Para escapar da solução de levar o
produto mais caro basta ter a consciência desta armadilha cerebral - e procurar
ser racional.
Com
base em revelações como essas existe hoje uma batalha silenciosa pela mente dos
consumidores. De um lado, desenvolveu-se o chamado neuromarketing, que usa as
ideias sobre a tomada de decisões para atiçar as vendas. "Ajudamos a descobrir
meios de melhorar a comunicação e as reações do consumidor", disse à ISTOÉ o
especialista David Lewis, criador de uma empresa do gênero, que já teve como
clientes a Ford e a 20th Century Fox. Do outro lado, proliferam cursos para
investidores, como o ministrado há dois meses em Porto Alegre, no Rio Grande do
Sul, pelo neurocientista Nelson Sprintzer. "Eu os ensino a evitar as armadilhas
do pensamento e a tomar decisões no tempo certo", esclarece.
Entender esses processos é de fato importante para se proteger de desvios que
podem conduzir a desastres financeiros. "Identificar as armadilhas da nossa
mente é o primeiro passo para controlar variáveis que levam a decisões nem
sempre vantajosas", explica o neurologista Armando Rocha, do Núcleo de Apoio
Interdisciplinar de Pesquisa em Política e Estratégia da Universidade de São
Paulo. Contudo, tão importante quanto resolver se é hora de gastar ou poupar,
vender ou comprar, é estar ciente de que a sua decisão deve lhe render conforto
emocional verdadeiro. Dessa maneira, tanto faz como você vai pagar seu pacote de
férias. Do ponto de vista meramente financeiro, o correto é guardar o dinheiro,
aplicá-lo e adiar ao máximo as despesas da viagem. Mas se você perde o sono com
a sensação de que ainda há muito a pagar pelas férias que já estão acabando,
então não há mal em contrariar os especialistas e pagar o passeio antes de
entrar no avião e usar o hotel. Se o que está em jogo é a sua paz de espírito,
lembre-se de que o dinheiro também compra algum conforto emocional. Apenas fique
alerta para conduzir o processo, em vez de ser arrastado por ele.
(Fonte: Istoé, 15/04/2009, pág. 70-72)
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