As previsões são de continuo
crescimento religioso; mas, como a de que evangélicos seriam metade da população
brasileira em 2020, acredito que não acertarão.
"Mundo com 8
bilhões será mais religioso, e muçulmanos colarão nos cristãos
Deus não só continua em alta como estará mais pop do que nunca quando
planeta se aproximar dos 10 bilhões
8.nov.2022 às 15h00
Anna Virginia Balloussier
Já somos 8 bilhões no planeta, diz a
ONU. E Deus não só continua em alta como estará mais pop
do que nunca quando nos aproximarmos dos 10 bilhões de humanos, algo previsto
para pouco mais de 30 anos.
A questão é: que Deus será esse? Contrariando prognósticos passados, que falavam
numa secularização em massa, o mundo tende a ficar ainda
mais religioso, segundo projeções do Pew Research Center,
organização americana que aborda questões de fé em suas pesquisas.
Ficará, também, mais muçulmano.
A crença com mais afiliados ainda será a cristã, mas o islamismo crescerá mais
rapidamente do que qualquer outra das grandes religiões. Até
2050, o bloco muçulmano será apenas
residualmente menor do que o cristão —se arredondada a estatística, ambos
reunirão 3 em cada 10 pessoas vivendo na Terra.
Outra consequência desse movimento será o encolhimento do
grupo que, até pouco tempo, simbolizava o enfraquecimento desse arcabouço de fé,
aquele dos que não declaram nenhuma crença em particular.
Palavra-chave para entender essa dinâmica: demografia. Diretor-associado do Pew,
Conrad Hackett estima que os seguidores do Corão
passarão de 1,8 bilhão em 2015 para quase 3 bilhões até 2060,
expandindo-se duas vezes mais rapidamente do que a média da população geral.
"A principal razão para essa tendência é a dinâmica demográfica: os muçulmanos
têm populações mais jovens e mais filhos por mulher do que qualquer outro grande
grupo religioso", explica.
É o oposto do que acontece em muitos dos países mais ricos.
"Uma parcela crescente de pessoas que foram criadas em uma religião está se
afastando voluntariamente dela", afirma Hackett. "No entanto, menos crianças
nascem dessas mulheres, limitando o crescimento global da população sem
religião."
A alta
fecundidade das religiosas vai garantir a alta circulação da fé em nações mais
pobres. A dilatação do estrato que não se identifica com uma crença
específica será retardada pela expansão populacional lenta, ou mesmo retração em
alguns casos.
Esse nicho é bem plural —nele cabem ateus, agnósticos (quem não
acha que há elementos suficientes para demonstrar nem que Deus existe nem que
não existe) e tipos que não necessariamente descartam a prevalência de uma força
superior, mas não a sistematizam numa religião.
Projeções apontam que os não religiosos minguarão na
porcentagem global, mas vão aumentar em lugares
como Estados Unidos e França, onde a taxa de fecundidade só não desacelera mais
devido ao fluxo migratório. Em três décadas, 10% da Europa deverá ser
muçulmana, por exemplo.
Nos EUA, os cristãos, que hoje
representam três quartos da população, devem baixar para dois terços em 2050. O
judaísmo deixará de ser a maior religião não cristã da nação mais rica do mundo
—se os EUA vão manter esse posto até lá, são outros quinhentos. A previsão é a
de que muçulmanos peguem esse posto.
Como o Pew não analisa subgrupos religiosos nesse levantamento, não faz
distinção entre diferentes matrizes cristãs. Mas a desidratação católica para o
evangelicalismo é um fenômeno forte, sobretudo na América Latina, com ecos
também na África.
O apetite conversionista faz com que os pentecostais, galho mais ramoso do
segmento evangélico, liderem as taxas de crescimento religioso na região. É o
que acontece no Brasil, onde o catolicismo reinou quase
soberano até os anos 1980, quando nove em cada dez brasileiros se reconheciam
nele, mas passou a perder espaço para herdeiros da Reforma Protestante e
também para pessoas sem filiação religiosa. Hoje são metade da população,
numa sangria que deve perdurar mais alguns anos até ser estancada.
Não há uma estatística certeira aqui, até porque há muitos movimentos
censitários desatualizados, caso do próprio Brasil. Mas crentes são ao menos 20%
da região, segundo o sociólogo peruano José Luís Pérez Guadalupe, que pesquisa a
ascensão evangélica nas Américas do Sul e Central. Em países como Guatemala e
Honduras, o dobro disso. Por aqui, devem chegar perto dos 40% na próxima década.
Esse espichamento populacional não precisa nem sequer desbancar católicos para
produzir efeitos em cadeia, diz Guadalupe. "Não é somente a porcentagem, mas a
militância. A questão é quanto dessa parcela religiosa é comprometida, engajada.
A grande maioria dos evangélicos na América Latina é comprometida com sua fé, e
os católicos, não. Isso é o que marca a diferença." Quantos evangélicos não
praticantes existem por aí? Pois é, muito menos do que o contingente adepto do
catolicismo.
Mais do que a ascensão numérica dos cristãos, "o que vivemos é visibilidade
pública", afirma a guatemalteca Brenda Carranza, coordenadora do Laboratório de
Antropologia da Religião da Unicamp. Pastores se
articularam nos últimos 30 anos para pôr os seus no Legislativo, no Judiciário e
no Executivo.
Aqui é preciso lembrar da Teologia do Domínio, diz Carranza. "Ela permitiu que a
direita cristã, nos anos 1970, ganhasse espaço no Partido Republicano [nos EUA].
É extremamente conservadora, com traços fundamentalistas,
e planta a ideia de que existe uma guerra espiritual em que o diabo contamina
radicalmente a política, e ela tem que ser resgatada em nome de Deus."
<https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/11/mundo-com-8-bilhoes-sera-mais-religioso-e-muculmanos-colarao-nos-cristaos.shtml>
É perceptível que o mundo de 8 bilhões ainda continua tornando-se mais religioso
nos países atrasados. Mas não acredito nas previsões de que as
religiões continuarão crescendo por tanto tempo. Previsões
evangélicas no início da década passada eram de que em 2020 metade da população
brasileira seria evangélica, e isso ficou muito longe de se tornar
realidade. Os três poderes políticos se contaminaram muito de religiosos,
mais acentuadamente o legislativo; mas isso tende a ser revertido.
Os políticos de hoje ainda favorecem muito as religiões, dado que isso gera
votos; mas, em alguns anos, não será mais assim, e eles deixarão de buscar dessa
forma apoio religioso. Diferentemente dos lugares onde o poder político é
muçulmano, o resto do mundo tende a receber cada vez mais informação, e as
religiões tendem a perder o poder que ainda têm. Quem viver até 2040 ou
2050 poderá testemunhar isso.