Sob crítica, ateus buscam se unir
1º Encontro Nacional de Ateus, que ocorre
hoje em 22 Estados, é atacado por outros
descrentes
12 de fevereiro de 2012 | 3h 06
PAULO SALDAÑA - O Estado de S.Paulo
Mesmo sem ser uma questão assim tão nova, o
debate sobre a inexistência de Deus
reaparece hoje em 22 Estados do País,
provocando a costumeira polêmica. Com
debates, palestras, bate-papos e até shows
de humor, o 1.º Encontro Nacional de Ateus
ocorre após ter levantado na internet uma
oposição até improvável: a crítica mais
ferrenha e numerosa veio de ateus
descontentes com a ideia de que um encontro
se confunde com a criação de uma religião...
de ateus.
As primeiras ideias desses encontros, "para
conhecer pessoas que pensam igual", foram da
estudante gaúcha Stíphanie da Silva, de 22
anos, aluna do primeiro ano de Física na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Stíphanie faz parte da Sociedade
Racionalista, organização que se compromete
a defender ceticismo, laicismo, ciência e
ateísmo.
"Queremos o fim do preconceito contra nós,
que não acreditamos em religiões, e fazer
com que os ateus percebam que não estão
sozinhos", diz. Stíphanie afirma que o
preconceito existe e é forte. "Quando estava
na 8.ª série, estudava em uma escola
católica e questionaram o que Deus significa
para nós. Respondi que era desnecessário e
acharam um absurdo, fui mandada para a
psicóloga e tudo mais."
Na internet, a estudante participa de um
debate acalorado sobre a existência do Todo
Poderoso, a importância das religiões e
outros temas com gente de todo o País. A
argumentação evoluiu até o ponto em que ela
e outros racionalistas quiseram levar para a
vida real toda a troca de ideias que ferviam
nas redes sociais. "Nas conversas nas
comunidades do Facebook, sempre insistimos
para nos conhecermos. E o sucesso desse
encontro está no fato de ser simultâneo, não
é isolado em uma cidade."
Pelo Facebook, convocou no mês passado
colaboradores pelo Brasil. Os representantes
nos Estados trataram de arrumar um espaço
para o evento e cuidar da agenda do dia -
que é livre, pode ou não ser definida
previamente e não tem horários fixos para
começar e terminar. A única regra é que seja
aberto a todos.
Usando a internet como aliada, promoveram um
"tuitaço" no fim de semana passado que
colocou o 1.º Encontro Nacional dos Ateus
entre os três assuntos mais comentados no
Twitter. Na esteira da divulgação,
apareceram as críticas no microblog. "Olha
uma nova religião aí, gente", postou @brunoibaldo.
"O problema dos ateus é que parecem que
vivem em função disso. Hello, vcs estão
fazendo a mesma coisa que os religiosos...",
escreveu @oimilla.
Sair do armário. Segundo Stíphanie, os
encontros têm a ver com liberdade e respeito
a ideias que vão da legalização do aborto à
defesa de um Estado laico de fato, além do
preconceito que sofrem outras religiões,
como a umbanda, e grupos, como homossexuais.
Mas é do posicionamento pessoal em relação
às religiões e Deus que os encontros mais se
ocuparão.
"Queremos que o ateu saia do armário", diz
Stíphanie, referindo-se à frase do cientista
britânico Richard Dawkins, autor de Deus, um
Delírio e crítico voraz e reconhecido das
religiões.
O empresário paulista Thiago Sprovieri, de
27 anos, diz que sua saga para "sair do
armário" durou dez anos. "Eu fiquei
escondido por muito tempo. Sou ateu e para
me assumir foram dez anos", diz ele. "Desde
que finalmente assumi, sofro preconceito até
hoje. Não posso nem falar perto da minha
família sobre isso."
O empresário é o organizador do encontro na
cidade de São Paulo, ao lado de Fabrício
Alves. Ambos também são da Sociedade
Racionalista. Na capital paulista, o evento
começa às 12 horas, no Planetário do Parque
do Ibirapuera.
Entre os debates haverá, no meio da tarde,
um show de comédia stand-up sobre o ateísmo.
Às 18 horas se falará sobre o tema em torno
do qual se criou tanta polêmica: "Os ateus
devem se unir?" Sprovieri defende. "Acho que
as críticas ao fato de nos unirmos vêm de
gente muito radical. O encontro é para
conhecer gente nova, ganhar amigos."
Orgulho ateu. O comerciante Ulisses Fonseca,
de 45 anos, de Campinas, postou um vídeo no
You Tube em que critica a postura do grupo.
"Também não acredito em Deus, mas essa ideia
é absurda. Eles têm a necessidade de que a
ciência seja uma segurança como a que Deus
dá para os fiéis", diz ele. "Quem é ateu não
precisa ficar se confrontando, provocando."
A escolha do data não foi gratuita. Hoje, 12
de fevereiro, comemora-se o (não oficial)
Dia do Orgulho Ateu. A inspiração vem do dia
de nascimento do naturalista britânico
Charles Darwin (1809-1882), autor de A
Origem das Espécies. À obra se atribui a
invalidação de parte do discurso religioso -
Darwin, entretanto, não se dizia ateu, mas
agnóstico (aquele que não acredita em Deus,
mas não descarta totalmente sua existência).
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,sob-critica-ateus-buscam-se-unir,834717,0.htm