"Bem, a cultura não
serve de nada a não ser que você aprenda a tirar partido a cada
passo dela no dia a dia. Por exemplo, eu, no “segundo
expediente”, quando volto pro meu estúdio, em meio às árvores,
passo sempre pelo edifício Pablo Picasso, grudado ao edifício
Marcel Proust, logo o edifício Sigaud, em frente do edifício
Jacques Cousteau.
Acontece que eu sei quem
(mal, mas sei) foi Sigaud, eu sei, como vocês todos sabem, quem
foi Cousteau, o mergulhador de Deus, sobre quem eu li enorme
artigo na Paris Review, mostrando o ditador que era quando fazia
suas pesquisa no fundo do mar.
Também conheço Proust,
aliás de trás pra frente - em português, francês e inglês. Sem
falar que quem nunca leu o livro de George Painter sobre Proust
nunca leu uma biografia de verdade.
E também conheço muito
bem Pablo Picasso, a prova de que não se pode julgar um artista
pelo caráter. E que, natimorto, foi salvo por um tio, espanhol
meio maluco que, vendo o nascituro desenganado pelos médicos,
puxou fundo a fumaça do charuto que fumava e meteu toda a fumaça
boca do feto adentro. Salvou-o. Vá você ser contra o fumo!
Essa história está na
biografia escrita por Norman Mailler – que eu também sei quem é.
Perguntem ao Lula. Se
ele não souber, perguntem ao Fernando Henrique."
(Millôr Fernandes)