OS ÔNIBUS ATEUS DE LONDRES
03/01/2010
Os ônibus ateus de Londres
Britânica arrecada o equivalente a 375 mil reais em doações para uma campanha que questiona a existência de Deus. Com o dinheiro, o transporte público na capital inglesa ganhará propagandas ateístas
Andres Vera
"Quando o filho Dele vier, ele encontrará fé na Terra?". Essa foi a mensagem religiosa que despertou a ira da jornalista inglesa Ariane Sherine, de 28 anos. Ela caminhava pelas ruas de Londres quando reparou em dois ônibus que circulavam com o slogan. A publicidade ainda trazia um endereço na internet. Sherine não acredita em Deus e não tinha por que buscar respostas divinas para seus problemas com o transporte londrino. Mas sua desconfiança virou curiosidade. Ela visitou o site religioso e leu a seguinte ameaça: “Você será condenada a separar-se de Deus e passará a eternidade em tormento no inferno”. Sherine não achou aquilo nada engraçado, e pensou numa provocação a altura para estampar os mesmos ônibus vermelhos de sua cidade. "Provavelmente, Deus não existe. Agora, pare de se preocupar e curta a vida". A guerra santa estava comprada.
CAMPANHA ATEÍSTA
Com o dinheiro arrecadado, Sherine quer colocar propagandas questionando a existência de Deus em ônibus ingleses. Acima, uma simulação de como seria o anúncio.
Sherine
então ligou para a agência que regulamenta a publicidade
no Reino Unido, a Advertising Standards Authority, para
se queixar do anúncio que a mandara ao inferno. A
funcionária disse que aquela propaganda havia recebido
outras duas reclamações, mas que a agência nada podia
fazer. A frase que condenava os ateus estava escrita num
site, e não num ônibus. Sherine ficou irritada.
Lembrou-se de uma propaganda da cerveja Carlsberg:
"Provavelmente a melhor cerveja do mundo", dizia o
slogan de um publicitário inspirado pela falsa modéstia.
Quantas pessoas haviam reclamado daquilo? A funcionária
da agência consultou seus arquivos. "Nós não recebemos
nenhuma reclamação contra eles", disse. A fabricante de
cervejas havia incluído a palavra "provavelmente" para
não ter problemas na Justiça. A solução da Carlsberg
inspirou Sherine. A partir daquele momento, Deus
provavelmente deixou existir. Ela contou a história em
um artigo escrito no mês de junho no jornal britânico
The Guardian. "Se 4680 ateus lerem isso, e
todos nós contribuirmos com 5 libras cada, é possível
financiar um ônibus ateu em Londres", escreveu a
jornalista.
Sherine e seus colaboradores pretendiam inicialmente
colocar pôsteres em 60 ônibus durante um período de
quatro semanas. Precisavam de 5500 libras (o equivalente
a cerca de R$ 18 mil). Mas a idéia cresceu. A campanha
ganhou o apoio da British Humanist Association, um grupo
que promove causas ateístas no Reino Unido, e do
acadêmico britânico Richard Dawkins, autor do livro
Deus, um delírio. Apenas Dawkins, ferrenho crítico
do papel de todas as religiões, doou 5500 libras. A
repercussão foi imediata. Em uma semana de arrecadações,
a campanha recebeu mais de 110 mil libras (R$ 375 mil),
cerca de 20 vezes o valor esperado. Com os bolsos
cheios, a campanha poderá ganhar ainda mais espaço na
paisagem londrina.
SHOPPING ATEÍSTA
Como a campanha da jornalista foi um
sucesso, Londres deve ganhar faixas questionando
a existência divina também em prédios comerciais.
Colaboradores de Sherine já manipularam imagens
digitalmente para ver a mensagem ateísta na fachada de
shoppings e outros prédios comerciais. Os ônibus,
principais personagens da guerra santa de Sherine,
deverão circular com o slogan a partir de janeiro de
2009.
Alguns setores da Igreja receberam a idéia com
diplomacia. “Essa campanha será boa se fizer as pessoas
pensarem nas questões mais profundas da vida”, disse um
reverendo da Igreja Metodista. O grupo de discussão
religiosa Theos, fundado pelo arcebispo de Canterbury,
doou 50 libras. Os críticos da campanha dizem, no
entanto, que o dinheiro arrecadado poderia ter outro
destino. Polêmica à parte, a idéia de Sherine é –
provavelmente – o melhor slogan ateu da história da
propaganda."
(Revista Época, 28/10/2008).
"DEUS É UM PERSONAGEM COMO BUZZ LIGHTYEAR"
O filósofo argentino Alejandro Rozitchner defende uma educação ateísta a seus três filhos e diz já saber o que falar quando um deles lhe perguntar sobre Deus. "Vou dizer que é um personagem como o Buzz Lightyear ou o Woody do Toy Story." Ele e a mulher, a psicoterapeuta Ximena Ianantuoni, escreveram o livro Filhos sem Deus, recém-lançado no Brasil.
Juliano Machado
O casal, com os filhos Andrés, Félix e Bruno (esq. para a dir.).
O pai, Alejandro, se refere a eles como "os três ateuzinhos".
Andrés é uma criança de apenas cinco anos, mas seu
pai, o argentino Alejandro Rozitchner, de 47, já sabe o
que dizer ao filho quando ele lhe perguntar pela
primeira vez sobre a existência de Deus. “Vou explicar
que Deus é só uma idéia criada pelos homens como uma
necessidade de explicar o mundo. E que, por isso, não
deixa de ser um personagem, tal como o Buzz Lightyear ou
o Woody do Toy Story (desenho animado dos
estúdios Disney-Pixar).”
Rozitchner e sua mulher, Ximena Ianantuoni, de 37, não
querem traumatizar o filho mais velho (eles têm outros
dois: Bruno, de 2 anos, e Félix, de 5 meses). Até porque
ele é filósofo e ela, psicoterapeuta especializada em
crianças. Os dois são ateus e defendem a liberdade de
criar seus filhos sem a influência de qualquer religião,
apesar de ele vir de uma família judia e ela, de uma
católica. Por isso, desde o começo o casal quer mostrar
a eles uma visão atéia do mundo. "As pessoas sempre
educam os filhos de acordo com suas crenças. Nós vamos
educá-los por nossas convicções. E achamos que a fé não
é algo saudável para eles", afirma Rozitchner, que se
refere aos filhos como "os três ateuzinhos".
O casal, que vive em Buenos Aires, não teve medo de
expor suas idéias e publicou no ano passado o livro
Filhos sem Deus – Ensinando à Criança um Estilo Ateu de
Viver. A obra chega agora às livrarias brasileiras
em uma edição da Martins Fontes – o lançamento foi na
Bienal do Livro, encerrada no dia 24. Além disso, os
dois mantêm blogs na internet, onde divulgam suas idéias
–
100Volando, de Alejandro, e
Vamosviendo, de Ximena.
Em entrevista a ÉPOCA, os dois dizem por que são
favoráveis a uma educação ateísta, mesmo respeitando os
que optam pelo ensino religioso, e supõem que haja mais
ateus na sociedade do que se imagina.
ÉPOCA – Vocês já pensaram o que vão dizer a
seus filhos quando eles perguntarem pela primeira
vez sobre Deus?
Rozitchner - Vou explicar que Deus
é só uma idéia criada pelos homens como uma
necessidade de explicar o mundo. E que, por isso,
não deixa de ser um personagem, tal como o Buzz
Lightyear ou o Woody do Toy Story. Por mais que eu
respeite quem dá aos filhos uma educação religiosa,
nada me faz demover da idéia de que a fé é algo
daninho, pouco saudável. Enfim, vou falar a minha
verdade. Que Deus é uma idéia
um tanto primitiva, uma figura cuja existência
faz com que as pessoas
nunca sejam totalmente donas de si e responsáveis
por seus atos.
ÉPOCA – Essa posição não impede que seus
filhos tenham liberdade para se interessar por
alguma religião?
Rozitchner – É claro que vamos
conduzir nossos filhos para uma forma ateísta de ver
a vida, mas as pessoas sempre educam os filhos de
acordo com suas crenças. Nós vamos fazer o mesmo:
educá-los por nossas convicções. Não me parece que
na escola isso vai ser algo problemático para eles.
O tema tem de ser conduzido com naturalidade. Só
assim eles podem se acostumar com os pais que têm.
ÉPOCA – Em que tipo de escola estuda seu
filho mais velho? Foi escolhida a dedo?
Ximena – Sim. É um jardim de infância
privado e laico, que aceita alunos cujos pais seguem
qualquer credo – e os que não seguem nenhum. Nessa
escola a religião simplesmente não é um tema
discutido dentro da sala de aula. Mas essas
instituições ainda são poucas em Buenos Aires, e
caras. É um fenômeno recente. Muitos colégios,
principalmente os públicos, oferecem o catecismo
como um currículo extra. Vivemos numa sociedade
muito necessitada de algo que ordene a educação, e a
religião cumpre esse papel.
Rozitchner - Eu não matricularia
meus filhos em uma escola religiosa. Em Buenos Aires
a educação pública vê a religião como um componente
importante.
ÉPOCA – Para quem é destinado o livro?
Rozitchner – Muitas pessoas me
agradeceram porque enxergaram no livro uma chance de
encontrar argumentos para esclarecer sua posição e
dar uma formação a suas crianças sem o vínculo da
religião. Eles identificaram algo que já tinham em
mente, mas não conseguiam expressar. Acredito que
exista muita gente que é atéia e não tem consciência
disso. Diz que acredita em Deus por costume, mas, se
você confronta essas pessoas sobre a questão, elas
acabam admitindo que Deus não é algo que lhes
importe no dia-a-dia.
ÉPOCA – Houve críticas ao livro por parte de
grupos religiosos na Argentina? O que vocês esperam
da reação aqui no Brasil?
Rozitchner - O livro não causou
nenhum escândalo na Argentina, mesmo para a Igreja.
Ninguém se indignou. Acredito que isso é decorrência
de uma sociedade mais ampla. Há extremistas, mas
eles não são a maioria. O mais comum é uma fé
tolerante. Não conheço a fundo o Brasil, mas imagino
que a reação não vá ser muito diferente. No livro,
não pretendemos converter ninguém ao ateísmo.
Respeitamos muito quem tem uma religião. Só queremos
ter o direito a dar uma educação ateísta.
ÉPOCA – No Brasil, uma lei estabelece a
obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas
públicas. Qual a sua opinião sobre esse tipo de
norma?
Ximena – Acredito que seja algo negativo,
porque não dá a possibilidade às crianças de
perguntarem coisas como a origem do Universo e o que
ocorre depois da morte. São questões para as quais,
num ensino guiado pela religião, as respostas são
inflexíveis. Isso intimida o aluno.
ÉPOCA – A senhora se “converteu” ao ateísmo.
Como foi isso?
Ximena – Quando eu tinha 16 anos,
por aí, comecei a ganhar responsabilidades na vida,
passar por algumas experiências que me fizeram
duvidar de Deus. E fui me dando conta de que não
havia uma figura divina. O sentido da vida mudou
totalmente para mim. Percebi que a chave do
cotidiano era viver o presente sem fugir de suas
obrigações, sem delegar a um ser superior. Conheci o
Alejandro só com 25 anos e logo me identifiquei com
a sua perspectiva de vida. Ele não me "converteu",
mas nosso relacionamento deixou mais claro para mim
o que era uma visão ateísta do mundo. (Época,
27/08/2008)