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OPERAÇÃO LAVA JATO
ANALISADA
Novos ventos e um olhar crítico sobre
a "lava jato", seis anos depois
.
Decorridos seis anos,
após o anúncio estrepitoso da denominada operação "lava jato", muitas histórias
permanecem desconhecidas do grande público: empresas, postos de trabalho,
casamentos e mesmo vidas se esfacelaram no triunfar da lógica então reinante, de
que os fins justificavam os meios. Memórias que se perdem, exceto para quem com
elas convive.
O sexênio, contudo, também opera surpresas. No último domingo, o Procurador
Geral da República afirmou que a força-tarefa da "lava jato" "não é um órgão
autônomo e distinto do Ministério Público Federal, mas sim uma frente de
investigação que deve obedecer a todos os princípios e normas internos da
instituição", sob o risco de se tornar um "perigoso instrumento de
aparelhamento".
Outrora, advogados e
acadêmicos tentaram expor, a ouvidos moucos, os abusos e as arbitrariedades
perpetradas pela força-tarefa — cujo nome já traz um propósito bélico, in
casu, o de combate à corrupção — e pelo então juiz Sergio Moro, em
maxiprocessos que, não à toa, configuravam uma intrincada teia de difícil
compreensão, até mesmo para profissionais do Direito. Para entendê-la, era
preciso se debruçar sobre uma manifesta confusão processual, caracterizada por
investigações sobrepostas, por uma multiplicidade de ações que, não raro,
versavam sobre fatos idênticos. Era comum que um mesmo indivíduo figurasse como
acusado em diversas denúncias, em tudo semelhantes e que, invariavelmente,
traziam a imputação de organização criminosa.
Não se desconhece o
fato de que a operação "lava jato" desnudou um empreendimento criminoso
multifacetado, com a participação de inúmeras pessoas, durante muitos anos.
Todavia, mesmo diante de delitos complexos e de difícil apuração, não se pode
forçar uma conexão entre fatos que não possuem relação alguma. Além disso, nem
sempre as provas apresentadas contra um dos réus podem ser as mesmas para todos
os demais, como se eles seguissem acorrentados numa acusação comum.
Agrupar tudo em
grandes blocos — em manifesta violação ao princípio do juiz natural e
desconsiderando regras processuais de fixação da competência — foi,
reconheça-se, uma jogada de mestre dos mentores da operação "lava jato". Tal
medida tornou a tramitação processual mais atraente à grande mídia, ofuscando as
vozes defensivas que tentavam, quase sempre em vão, denunciar as ilegalidades.
Para além da reunião
de acusados que, muitas vezes, sequer se conheciam, também as investigações
policiais eram acompanhadas pela mesma equipe policial, as denúncias redigidas
pela mesma força-tarefa do MPF, e as decisões nas ações penais foram, durante
muito tempo (até que ocorressem os primeiros desmembramentos para o Rio de
Janeiro e Brasília), proferidas por um único juiz, que também atuou na fase de
inquérito.
Em pouco tempo,
instalou-se no país um clamor punitivo, que pressionava o julgador,
mas, em alguma medida, também era por ele estimulado. Ao longo dos anos em que
ficou à frente da "lava jato", Sergio Moro (agora, ex-Ministro da Justiça e
Segurança Pública) não demonstrou qualquer preocupação com a superexposição do
caso. Ao contrário. Suas manifestações públicas à época — artigos, falas,
entrevistas, participações em programas de televisão
— indicam que ele não só a incentivou, como contribuiu para sua exacerbação.
Um magistrado não pode se deixar
seduzir pelo alarido das palmas.
Se não puder conter esse tipo de manifestação da mídia ou da população, deve
procurar meios de minimizar suas consequências negativas. Não foi o caso do
famoso juiz de Curitiba, que se apresentava sempre como um dos principais
interlocutores da operação com a imprensa, a qual, por diversas vezes, obtinha
informes sobre o andamento do processo que não apareciam no sistema do Poder
Judiciário.
Não raro, os jornalistas realizavam a
cobertura das prisões preventivas em tempo real, às seis da manhã e, ao longo da
operação, houve vazamentos de informações sigilosas,
inclusive as referentes aos acordos de colaboração premiada. Embora se
desconheça quem divulgava informações para a imprensa, também
não se tem conhecimento de nenhuma atitude de Sergio Moro,
quanto a tais excessos midiáticos e quanto ao desrespeito
aos direitos dos acusados, especialmente, no que tange ao devido processo
legal, que pressupõe um julgamento com paridade de armas entre a acusação e a
defesa.
Aos olhos defensivos, a relação entre
o Ministério Público e o juiz da causa parecia umbilical, mas isso era algo
invisível aos leigos. À medida que a operação "lava jato" avançava, sua
força-tarefa também se fortalecia, dentro e fora da instituição.
Nos casos em que há
acusados de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e toda a sorte de
crimes chamados de colarinho branco, é comum que os procuradores da
República "culpem" os advogados pela demora processual. Por meio da mídia,
incute-se na população a ideia de que as regras processuais brasileiras são
muito benéficas aos réus, as quais precisam ser alteradas ou relativizadas, pelo
bem da sociedade e para que a condenação do acusado e o cumprimento
efetivo da pena – fim maior do processo nessa visão utilitarista – possa ser
alcançado.
Nessa linha, o
Procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa
da operação "lava jato", publicou uma série de artigos nos quais apresentou o
processo penal como um "problema", um "entrave" que atrapalha ou impede o
sucesso da luta anticorrupção. Em um deles, chamou a prescrição de "bruxa
má",
como um mal a ser combatido, quando, na realidade, trata-se de uma garantia
importantíssima para que o Estado não mantenha, sobre o acusado, uma verdadeira
espada de Dâmocles.
Nesse atropelo
processual, em 2016, o TRF4 decidiu, por maioria, que
a "lava jato" constituía "caso inédito (único, excepcional) no direito
brasileiro" e, por isso, poderia admitir "situações inéditas", fora do
"regramento genérico, destinado aos casos comuns", ou seja, que desrespeitassem
toda a ordem jurídica e constitucional do país.
Uma invocação perigosa da teoria do estado de exceção, que coloca em
xeque o próprio Estado Democrático de Direito, feita sem uma análise profunda de
seus conceitos e de suas consequências, amplamente discutidos pela doutrina
especializada.
Luigi Ferrajoli
explica, ao tratar da emergência penal, que não importa o que se pense
sobre os fenômenos criminais de gravidade excepcional,
a lógica de um Estado de direito pressupõe o respeito às
suas regras, as quais não podem ser deixadas de lado quando for cômodo.
Elas devem ser cumpridas, levadas a sério, seja nos momentos fáceis ou
nos difíceis, sem exceção. Esta, só poderá ser admitida como fato extra ou
antijurídico, ou seja, em caso de guerra real e declarada, e não por mera
liberalidade. Segundo o autor, "o abandono das regras e dos princípios jurídicos
não é permitido em tempos de paz contra os cidadãos"
e, em matéria de justiça, não pode prevalecer a máxima de que "os fins
justificam os meios", pois os meios são, justamente, as regras e as garantias,
como as de "verdade e liberdade"
.
Depois de tantas
relativizações e passado tanto tempo, a operação "lava jato" continua, sem a
mesma força e repercussão midiática de antes, mas com igual capacidade de causar
condenações injustas, seja em Curitiba, no
Rio de Janeiro ou em Brasília, como qualquer ação penal, notadamente as que vêm
com um "selo" de grande repercussão.
Oxalá os novos ventos,
as transformações dos últimos anos, a pandemia da Covid-19, os recentes
ataques às instituições democráticas em nosso país possam trazer autocríticas,
como as recentemente realizadas por veículos de imprensa,
para que o tempo possa resgatar aquelas reputações que a operação "lava
jato", injustamente, tenha se empenhado em destruir.
Confira-se em:
https://www.conjur.com.br/2020-jun-28/saida-grupo-lava-jato-pgr-investigacoes-nao-serao-prejudicadas.
Acesso em 29 junho 2020.
Essa é uma característica dos maxiprocessos, abordada por POPOVSKI, Lewis
and RUDNICK, Jody A. "Joint Trials: Judicial Inefficiency?," Journal of
Civil Rights and Economic Development: Vol. 5: 1990, Iss. 2, Article 5, p.
331. Disponível em: <http://scholarship.law.stjohns.edu/jcred/vol5/iss2/5>.
Acesso em 29 junho 2020.
Confiram-se em vídeo, dentre outras, as seguintes entrevistas do então
juiz Sergio Moro: Programa Roda Viva
https://www.youtube.com/watch?v=DqtPZVBhfNw; TV Globo <http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/videos/t/todos-os-videos/v/em-entrevista-exclusiva-sergio-moro-fala-sobre-a-lava-jato/6225258/>;
Palestra no 1º Congresso do Pacto Pelo Brasil (01/08/2017) <https://www.youtube.com/watch?v=PbYDwv7nXtg>;
Palestra II Fórum Transparência e Competitividade <https://www.youtube.com/watch?v=TfwVHFm_i3o>.
Acesso em 29 jun. 2020.
A expressão é de TORERO, José Roberto. Galantes memórias e admiráveis
aventuras do virtuoso Conselheiro Gomes, O Chalaça. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2010, p. 100.
DALLAGNOL, Deltan. Brasil é o paraíso da impunidade para réus de colarinho
branco. Publicado em 01 Out. 2015. UOL NOTÍCIAS. Disponível em <https://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2015/10/01/brasil-e-o-paraiso-da-impunidade-para-reus-do-colarinho-branco.htm>.
Acesso em 29 jun. 2020.
Confira-se em: <https://www.conjur.com.br/dl/lava-jato-nao-seguir-regras-casos.pdf>.
Acesso em 29 jun. 2020.
FERRAJOLI, Luigi. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do
Garantismo Penal. (Trad. de Diritto e ragione: teoria del garantismo penale).
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 667.
FERRAJOLI, Luigi. Ibidem., p. 666.
FERRAJOLI, Luigi. Ibidem., p. 667.
Maíra Fernandes é
advogada criminal; mestre em Direito pela UFRJ e especialista em Direitos
Humanos pela mesma instituição; coordenadora do IBCCRIM no RJ; vice-presidente
da ABRACRIM-RJ; e conselheira da OAB-RJ. Foi presidente do Conselho
Penitenciário do Rio de Janeiro e coordenadora do Fórum Nacional de Conselhos
Penitenciários.
(Revista
Consultor Jurídico, 1 de julho de 2020, 8h00)
<https://www.conjur.com.br/2020-jul-01/escritos-mulher-novos-ventos-olhar-critico-lava-jato-seis-anos-depois>
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