“Dinheiro do reajuste salarial de servidores públicos
se converteu em lucros dos banqueiros e fundos de pensão”, denuncia
economista .
Por Najla Passos
ANDES-SN
O professor
de Economia da Universidade Federal do Maranhão – UFMA e 3º
tesoureiro do ANDES-SN, José Menezes Gomes, mostra, nesta
entrevista ao Informandes Online, como
os servidores públicos
federais são forçados a pagar a conta da política de juros altos
e dos efeitos da crise econômica dos Estados Unidos. Menezes
denuncia, ainda, que o governo Lula tem dois pesos e duas
medidas no trato com o capital financeiro e com os servidores
públicos. A proposta salarial para os docentes é um exemplo
dessa lógica que privilegia o capital financeiro em detrimento
dos trabalhadores. Confira:
Informandes Online - Qual é a base da pauta de
reivindicações dos docentes e o que o governo Lula contrapõe a
essas reivindicações?
José Menezes Gomes - A campanha salarial dos docentes
em 2007 tinha como objetivo retomar o poder de compra que nós
docentes tínhamos em 1995. Nossa intenção era que voltássemos a
ganhar o que estávamos ganhando naquela época, incluindo o que
foi retirado do nosso plano de carreira e o que foi retirado
pela não-compensação da inflação. Em 1995, é bom lembrar, a
despesa do governo com pessoal correspondia a 56,2% da receita
corrente líquida da União. Em 2005, essa mesma despesa
corresponde a 27,35%, conforme dados do próprio Ministério da
Fazenda. Isso mostra que, de 95 pra cá, o salário de todos os
servidores passou a ter um peso cada vez menor em relação à
Receita Corrente Liquida da União. Esse é um fato fundamental,
ou seja, o não atendimento da pauta dos professores, e da maior
parte dos servidores públicos se deve exatamente a uma outra
prioridade que foi dada.
- É aí que entra a relação entre o arrocho salarial
imposto pelo governo Lula aos servidores e a opção pelo
pagamento da dívida pública?
- Exato. O governo alega que não tem dinheiro para
compensar as perdas provocadas nos salários dos servidores
públicos. Mas, ao mesmo tempo, se pegarmos o que foi gasto com
os juros da dívida nos últimos cinco anos do governo Lula,
chegamos a R$ 851 bilhões. Isso corresponde a 22 vezes o valor
arrecadado com a CPMF. O que aconteceu é que o governo Lula
honrou todos os compromissos assumidos na era FHC com o capital
financeiro. E não só honrou, também aumentou o percentual de
superávit primário e o volume de pagamento de juros da dívida.
Entretanto, não honrou os compromissos com os servidores
públicos. E, assim, nós deixamos de ter a compensação integral
da inflação. O dinheiro que não veio para o reajuste foi para o
lucro dos banqueiros e dos fundos de pensão. A extinção da CMPF
ser usada pelo governo como justificativa para não pagar os
reajustes é uma falácia, uma vez que esse imposto não foi criado
com tal finalidade. Nós tivemos CPMF durante muito tempo e não
tivemos reajuste. Na verdade, parte dos recursos destinados a
reajustes de salário vai para o pagamento da dívida pública,
principalmente nos últimos anos. O governo brasileiro passou a
comprar cada vez mais dólares e, para isso, ele passou a
aumentar a dívida pública, ou seja, os efeitos da crise vinda
dos EUA, especialmente neste ano, já estão sendo repassados para
os servidores públicos.
- Mas o governo Lula não tem alardeado que pagou a
dívida externa e que o Brasil agora não é mais devedor? Afinal,
o Brasil pagou ou não pagou a dívida?
– Para responder a essa questão, temos que saber o que
determinou a expansão dessas reservas cambiais até US$ 190
bilhões. Essas reservas não resultaram de um superávit das
transações correntes, mas, sim, da crescente compra de dólares
pelo Banco Central com intuito de evitar uma desvalorização
ainda maior da moeda estrangeira, o que prejudicaria o setor
exportador. Isso se converteu em dívida pública. Acontece que
quando o governo aumenta a dívida pública, ele está
comprometendo, cada vez mais, o dinheiro público com o pagamento
da dívida pública, em detrimento do reajuste dos servidores e
dos investimentos sociais.
- Então, considerando esta política econômica do governo
Lula e a crise na economia dos EUA, quais são as possíveis
conseqüências para os trabalhadores brasileiros?
- Toda crise capitalista começa penalizando os
capitalistas, mas no final quem paga a conta é o trabalhador.
Foi assim na crise de 1929. Logo após o colapso da Bolsa de Nova
York, os cafeicultores brasileiros entraram em crise porque não
tinham para quem vender o produto. Então, o Estado brasileiro
comprou o estoque de café. Mas o café não podia ser distribuído
porque baixaria o preço do produto. A opção foi queimá-lo. Mas o
governo também não podia parar a atividade cafeeira, então,
chegou ao absurdo de comprar café, queimar café e ainda liberar
crédito para plantarem mais café. Outro exemplo é o que
aconteceu agora com a Inglaterra, que acabou de estatizar o
banco mais atingido pela crise imobiliária dos Estados Unidos, o Northern Rock. O que estamos vivendo agora é o auge da crise do
neoliberalismo, que traz, de um lado, crise bancária e, de
outro, estatização de bancos. Isso resulta em
aumento da dívida
da Inglaterra, aumento da dívida dos Estados Unidos e uma nova
justificativa para não se gastar com o serviço público. O
neoliberalismo se instalou nas últimas décadas, e tudo que foi
feito para conter a crise do capitalismo foi insuficiente.
Tudo
o que já foi feito, todas as reformas, toda a retirada de
direitos dos trabalhadores, todo o pagamento da dívida pública,
em todos os países, tudo isso não foi suficiente para conter a
crise capitalista. Hoje ela apresenta ainda mais acentuada e,
mais uma vez, quem é chamada para pagar a conta é a classe
trabalhadora. É para isso que nós queremos alertar: é necessário
construir um movimento, por meio da Conlutas, principalmente,
que canalize todas as reivindicações dos trabalhadores para que
a dívida pública não seja paga e a dívida social seja
contemplada. Temos que denunciar que tudo o que já foi pago,
mais de R$ 1,3 trilhão pagos da dívida pública nos últimos 12
anos, não impediu que a dívida pública continuasse atingindo o
montante de R$ 1,3 trilhão. E, mesmo assim, o que temos é uma
crise que cada vez se acelera mais e, quanto mais acelera, mais
dinheiro público vai sendo usado para contorná-la.
- Analisando, agora, especificamente a proposta do
governo para os docentes, tanto do ensino superior quanto do
primeiro grau. O que essa proposta representa? Quais os
prejuízos embutidos nela?
- Em primeiro lugar, ela não compensa as perdas salariais da era
FHC e não assegura a reposição dos valores perdidos na era Lula.
A maior parte do reajuste proposto é para 2010, quando o governo
Lula não estiver mais no poder. Está-se responsabilizando o
próximo governo pelo reajuste dos servidores. E o mais grave é
que o governo propõe um reajuste sem saber qual será a inflação
deste ano, a do ano que vem e, muito menos, a de 2010. E isso
justamente quando o petróleo sobe assustadoramente, já
ultrapassando os US$ 100 por barril, e todos os alimentos estão
se elevando bastante, ou seja, ocorre o ressurgimento da
inflação em vários setores. Nesse quadro, se não houver um
mecanismo que reponha o gatilho da inflação do período, é muito
arriscado assinar um termo de acordo. Não há nenhum indexador
para a maior parte do reajuste proposto e,
o pior, não há nenhum
instrumento jurídico que nos assegure seu efetivo cumprimento. E
nós sabemos que este governo é caracterizado pelo
não-cumprimento de vários acordos firmados com os trabalhadores.
Muitos dos acordos retomados agora são do ano passado que já não
foram cumpridos. Além disso, a proposta do governo valoriza o
professor em regime de 20 horas dentro do princípio do REUNI, ao
invés de valorizar a Dedicação Exclusiva. Essa proposta prevê um
reajuste maior em todos os níveis para os professores com regime
de 20 horas. Uma outra coisa preocupante: a GED é mantida, sem
que ocorra sua incorporação ao salário. Os professores
substitutos, que são cerca de 20% da categoria, não terão
reajuste e nem nenhuma perspectiva de reposição da inflação. A
incorporação da GAE e da GED possibilitaria que esses
professores também tivessem reajuste. É uma situação bastante
preocupante: não é justo que um professor substituto com
graduação ganhe aproximadamente R$ 800. Até mesmo nos governos
estaduais, um professor do ensino médio ganha mais do que isso.
A não-incorporação da GED acarreta outro problema: abre espaço
para que a gratificação seja regulamentada de forma a forçar o
aumento da jornada de trabalho. É esse o fato mais grave: com a
provável regulamentação da GED, o professor poderá ter que
aumentar muito sua jornada de trabalho para conseguir garantir
um ganho salarial um pouco melhor. Ou seja, isso, de certa
forma, é um modo de cumprir a meta do REUNI, que é aumentar o
número de alunos na sala de aula, aumentar o número de cursos,
sem aumentar, proporcionalmente, o número de professores. Esta é
a maior armadilha embutida na proposta do governo. Na essência,
o que temos é a desconstrução de todo o plano de carreira que a
categoria conquistou em 1987 – o PUCRCE. A separação entre
ensino superior e ensino de 1º e 2º grau, e a criação de uma
nova carreira para esses últimos, mostra exatamente isso.
- Como os docentes podem enfrentar essa política do
governo Lula?
- O fundamental é a retomada da campanha salarial, com
o esclarecimento junto a todos os professores, nas assembléias
departamentais, nas assembléias dos sindicatos, em todos os
espaços possíveis, do que significa a proposta imposta pelo
governo. Essa proposta não resolve nossos problemas. Ao
contrário, mantém uma tendência de perdas salariais com o
objetivo de economizar recursos para pagar a dívida pública. E,
também, cria meios para forçar os professores a trabalhare muito
mais. De acordo com a proposta do ANDES-SN, o professor com
doutorado deveria ganhar, já em 2007, R$ 11.733. Hoje, ele ganha
em torno de R$ 5,5 mil. Precisamos denunciar que a prioridade do
governo Lula é o pagamento da dívida pública, paga com o
dinheiro que deveria ser investido na recomposição das perdas
salariais de todos os servidores públicos e nos serviços
essenciais para a população. O dinheiro que sai do nosso
reajuste para o pagamento da dívida é imediatamente apropriado
pelo setor financeiro, ou seja, sai dos nossos bolsos e cai nos
daqueles que vivem de renda, daqueles que mais ganham com a
especulação. Se crise dos EUA se prolongar, o governo Lula
certamente vai tentar tirar mais dinheiro dos trabalhadores para
amenizar a crise provocada pelo capital. Para combater isso,
temos que construir uma política que unifique a classe
trabalhadora em torno de suas necessidades imediatas, tendo a Conlutas como referência.