|
|
|
|
O PAÍS DOS INSENSATOS
O país insensato
Assistimos a um espetáculo deplorável e ninguém é poupado
por Mino Carta — publicado 14/03/2015 09:34
Marcos Alves/Ag. O Globo
A noite do dia 8 de março, domingo, ofereceu um impecável retrato do Brasil. A
presidenta vai dirigir-se à nação estacionada diante do vídeo, a Globo nos
proporciona a bem de um gordo ibope o Domingão do Faustão, festival de
inomináveis bobagens e vulgaridade irrefreável. Irritados com a interrupção do
programa, os telespectadores, sobretudo aqueles dos bairros que se declaram
nobres, erguem-se do sofá da sala e, de panela em punho, vão à janela,
debruçam-se a meio busto e batem no instrumento improvisado com talheres
adequados à tarefa e com o vigor dos tocadores de tambor de gasolina na
Martinica. Acompanha o batuque clangoroso o coro “Fora Dilma”, com o contorno
dos melhores exemplos do primitivo turpilóquio nacional.
Indiscutível prova dos alcances da imaginação nativa. A mídia exulta. A nobreza
dos bairros eleitos a cenário do espetáculo, e de seus moradores, inúmeros
apinhados nos terraços gourmet, não passa de demonstração de provincianismo
tropical. A mídia prazerosamente embrenha-se neste cipoal de parvoíce e
grosseria, é partícipe ativa e empenhada, donde incapaz de perceber o que, de
fato, acontece e acontecerá.
Nem por isso, vozes das redações apressam-se a esclarecer que não é só de ricos
que se nutre o panelaço. Não foram somente estes os cidadãos que votaram contra
Dilma, está claro, não fosse assim Aécio não conseguiria 48% dos sufrágios.
Resta ver por que pobre grita “Fora Dilma”, rico a gente
já sabe. Muitos aderem por imitação, por modismo,
por servilismo. Por espírito festeiro, por parte de
quem não se dá conta do possível desfecho disso tudo.
Observem nas fotos publicadas pelos jornalões na quarta 11 quantos riam entre os
visitantes do 2º Salão da Construção de São Paulo ao vaiarem a presidenta
recém-chegada para a inauguração. E quantos, em geral, em
todas as praças, acreditam efetivamente que Dilma, Lula e o PT são os únicos
responsáveis pela crise? E quantos enxergam no impeachment a solução que
a situação recomenda?
Os meus botões puxam-me pelo paletó. Vem cá, e então qual seria a culpa da
presidenta, ou ela simplesmente não tem culpa alguma? Confabulamos, na zona
miasmática situada entre o fígado e a alma. Conclusão acordada:
faltou a ela talento político para o diálogo com o
Congresso e com o empresariado, aquele gênero de conversa que faz de Lula um
mestre na matéria. Faltou avaliação atenta e
precisa na escolha dos principais colaboradores.
Mas há quem ela ouça? Os botões insistem, pergunta irrespondível por falta de
informação. Na segunda 9, após o panelaço, Dilma quis revidar ao dizer que nada
previsto na Constituição justificaria o impeachment. Talvez lhe faltasse ânimo
para ser mais clara e falar em golpe. E não seria então da mais relevante
conveniência que a presidenta evitasse pronunciar a palavra impedimento? Teria
ela consultado previamente os conselheiros mais próximos, ou um apenas, antes de
falar? Ou teria agido por conta própria? Em um caso, ou noutro, precipitou-se,
por decisão-solo, ou compartilhada.
A propósito, e esse tal de Joaquim Levy? E lá vou
eu: talhado para fazer o exato contrário daquilo
que seria preciso para tirar o Brasil do atoleiro. Nem deve saber de
Keynes, comentam os botões. Conseguem ser bastante azedos. Este é um ponto
crucial: Dilma não haveria de esquecer que a vitória
eleitoral se deveu ao voto dos prejudicados, ou melhor, dos humilhados e
ofendidos, por qualquer programa de austeridade, o nosso já em marcha.
Há um complicador, é óbvio. A Operação Lava Jato, além do mais declamada pela
mídia como se a corrupção fosse obra exclusiva do PT, de
Dilma, de Lula. Ora, ora, Lava Jato, mensalões,
compra de votos no Congresso, privatizações para
enriquecer apaniguados, inside information etc. etc. Trambiques,
falcatruas, o patrimonialismo inesgotável no País que às vezes se arvorou a ser
do futuro, terra de 500 anos de predação e onde a
escravidão, oficialmente encerrada depois de três séculos e meio, ainda não
terminou na prática do cotidiano.
Na semana passada, ao dar razão a Lula quando afirma que a Operação Mãos Limpas
na Itália resultou em Berlusconi, observei que na terra
arrasada costumam triunfar os piores oportunistas. Esqueci de registrar
que no Brasil os piores oportunistas estão a postos desde sempre.
<http://www.cartacapital.com.br/revista/841/o-pais-insensato-5570.html>
Ver também sobre sobre os
POLÍTICA BRASILEIRA
|
..
|
. |
|
|