Deputados do PCdoB e do PT protocolaram Projeto de Decreto Legislativo (PDL),
instrumento que tem o poder de suspender imediatamente os efeitos de um decreto
presidencial. Parlamentares do PSOL farão o mesmo hoje.
A atenção primária é a porta de entrada do SUS e conta com cerca de 39 mil
unidades que são fundamentais em ações como o primeiro atendimento em casos de
coronavírus, por exemplo, e em programas de vacinação.
"Esse é um decreto absurdo", diz a deputada Jandira Feghali (PcdoB-RJ). "O
Sistema Único de Saúde deve garantir o acesso irrestrito, a Constituição define
que esse atendimento é um direito de todos e dever do Estado.
O texto que delega a gestão das unidades básicas de saúde
na verdade aponta para a privatização".
Jandira é uma das signatárias do PDL com que o PCdoB tenta sustar os efeitos do
texto presidencial.
Outro PDL foi assinado pela deputada Maria do Rosário (PT-RS) e pelo
deputado e ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha (PT-SP). O petista
avalia que o decreto é mais uma demonstração da
voracidade de venda de Bolsonaro e Guedes em relação ao patrimônio de políticas
públicas.
"Além de tudo é um desrespeito absurdo, já que estuda parcerias público-privadas
nas unidades de saúde sem envolver os municípios, que são os responsáveis pelas
unidades básicas e pelos profissionais que estão lá", afirma Padilha. "Tem um
misto de intervencionismo com ignorância em relação a como funciona o SUS".
O deputado Junior Bozzella (PSL-SP) criticou fortemente também a
circunstância em que o governo encaminhou a iniciativa. "Publicar na surdina, em
meio à pandemia, um decreto que faça qualquer tipo de
aceno à privatização do Sistema Único de Saúde é apunhalar mais de 150 milhões
de brasileiros pelas costas na hora em que mais precisam", acredita. "É atentar
contra a Constituição que garante o acesso universal à saúde a toda população".
Ex-ministros da Saúde criticam
O decreto 10.530 delega à equipe econômica a "preparação de estudos de
alternativas de parcerias com a iniciativa privada para a construção, uma
modernização e a operação de Unidades Básicas de Saúde dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios".
Além de Alexandre Padilha, outros ex-ministros da Saúde desaprovaram a
medida.
Luiz Henrique Mandetta, que comandou a pasta no governo Bolsonaro até
abril, reclama da falta de transparência. "Sem explicar do que se trata é um
tiro no escuro", diz ele.
Ministro da Saúde no governo Lula, José Gomes Temporão classificou como
"disparate total" o decreto. "Entregar a rede básica de saúde para a gestão
privada é uma iniciativa equivocada de qualquer ponto de vista".
"Bolsonaro e Guedes 'venderam' Pazuello"
Além do conteúdo, a publicação do decreto levanta discussão pela ausência da
assinatura do ministro Eduardo Pazuello, responsável pela pasta que administra o
SUS.
"O ministro da Saúde participou dessa articulação? Concorda com isso? Tem alguma
opinião? Por quais motivos não assinou?", questiona Jandira Feghali. "Depois de
chamado de traidor ele não é consultado?".
A parlamentar diz que o PCdoB estuda tomar medidas
jurídicas contra o decreto.
Também Alexandre Padilha chama a atenção para esse aspecto. "Se semana passada
Pazuello foi rifado no debate da vacina, agora Bolsonaro e
Guedes o venderam, porque tomaram essa iniciativa sem envolver o ministro da
Saúde e sem envolver os municípios", afirma.
O presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto,
classificou de "arbitrariedade" o decreto presidencial. A entidade está
avaliando o texto em sua Câmara Técnica da Atenção Básica (CTAB) para tomar as
devidas providências legais.
"Precisamos fortalecer o SUS contra qualquer tipo de privatização e retirada de
direitos", firmou Pigatto, em vídeo divulgado nas redes sociais.