O PODER DAS LOIRAS
/2010
De Afrodite a Britney Spears, a força dos cabelos dourados ao longo dos tempos é retratada em livro e exposição
Ivan Padilla
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LEGÍTIMAS |
A loira mais
famosa de todos os tempos nasceu morena. Norma Jean Baker, uma operária de
uma fábrica de hélices, clareou os cabelos a conselho da diretora de uma
agência de modelos de Los Angeles. Com o visual renovado recebeu convites
para posar em revistas e fez testes para o cinema. Com o nome de Marilyn
Monroe virou uma estrela. A atriz costumava interpretar a personagem
estereotipada da loira ingênua, cuja maior ambição é se casar com um
milionário - um papel desmerecido e desmentido pelas evidências históricas,
segundo a crítica de arte britânica Joanna Pitman, autora do livro On
Blondes (Sobre as Loiras). Com lançamento marcado para março, a obra
retrata o poder das loiras ao longo da história.
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TOPO |
'Loiras não são necessariamente mais atraentes, mas certamente chamam mais a atenção', disse Joanna a ÉPOCA. 'E essa atenção se transforma em poder.' Junto com o lançamento do livro, será inaugurada uma exposição na National Portrait Gallery, em Londres, com retratos das mais influentes loiras britânicas. A princesa Diana e a ex-primeira-ministra Margaret Thatcher são os destaques. Lady Di descoloriu os cabelos - que eram loiros, mas de tom escuro - depois de se divorciar do príncipe Charles. Segundo Joanna, ela vivia uma fase de afirmação, na qual precisava superar a rejeição da família real. De personalidade marcante, logo conquistou a simpatia do povo e se transformou em mito. Da mesma forma, a conservadora Margaret Thatcher aumentou a aplicação de tinturas claras à medida que conduzia a Guerra das Malvinas, enfrentava o descontentamento dos sindicatos e se fortalecia no cargo, justificando o apelido de 'dama de ferro'.
Na busca por atenção, prestígio e poder, garotas morenas ou de cabelos castanhos não pensam duas vezes em recorrer aos descolorantes. Uma pesquisa recente revela que, nos Estados Unidos, apenas uma em cada 20 blondes é legítima, e uma em cada três mulheres usa tintura de tons amarelados. No Brasil, um estudo mostra que, de cada 15 loiras, apenas uma é autêntica. De acordo com um levantamento feito pelo sindicato dos fabricantes de tinturas, a cor dourada é a favorita de 47% do público feminino. E, segundo The Vogue Book of Blondes, metade dos homens prefere as loiras. O cabeleireiro Wanderley Nunes, o favorito das estrelas, atesta a preferência. 'As loiras são sedutoras e majestosas.' Mas faz um alerta: 'Para pintar o cabelo é preciso ter alma loira. Não é a cor que vai mudar a personalidade, e sim o contrário'.
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MITOS |
Entre as raras loiras legítimas, o maior caso de sucesso é o da cantora americana Britney Spears. Em 2002, ela foi eleita a mais popular - e a mais influente - celebridade do mundo pela revista Forbes. Com 21 anos, já vendeu mais de 46 milhões de cópias de discos em todo o planeta e possui uma fortuna de US$ 130 milhões. No ano passado, seu nome foi o mais procurado pelo Yahoo!, o popular serviço de buscas na internet. Grande parte de seu prestígio pode ser creditado à aparência. Com atitudes cada vez mais sensuais, Britney virou modelo entre as adolescentes - e os cabelos loiros são destaque nesse figurino.
Britney desbancou Madonna, de cabelos castanhos de nascimento e loira na maior parte do tempo, do topo das paradas musicais. Também superou, na eleição do ano passado, outra convertida, a atriz Julia Roberts, primeira colocada na temporada anterior. Julia perdeu o posto, mas figura em primeiro lugar em outro ranking: o das atrizes mais bem pagas do cinema americano. De acordo com um levantamento feito pela revista Hollywood Reporter, ela hoje cobra US$ 20 milhões por filme. A segunda colocada é Cameron Diaz, usuária de madeixas originais, que chegou a ganhar a mesma quantia em seu último projeto. Em seguida vêm as igualmente autênticas Drew Barrymore e Reese Whiterspoon, com cachês de US$ 15 milhões.
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AFRODITE |
Nova queridinha da América, Reese Whiterspoon atingiu o estrelato com a repercussão do filme Legalmente Loira, em que interpreta uma estudante linda, brilhante, mas considerada fútil pelo namorado, que passa a tratá-la com desprezo quando ambos entram na faculdade. O estigma de burra persegue as loiras desde a década de 20. Durante uma viagem de trem de Los Angeles a Nova York, a escritora Anita Loss registrou em seu caderno de anotações as atitudes de uma loira que viajava no mesmo vagão - mais especificamente, dos homens que estavam a seu redor. Permeados de fina ironia, os rascunhos deram origem ao roteiro do filme Os Homens Preferem as Loiras, mais tarde eternizado por Marilyn Monroe. 'A fama de estúpida surgiu como uma tentativa dos homens de desqualificar as loiras', afirma Joanna Pitman.
O preconceito não impediu que a indústria cinematográfica explorasse o poder de sedução das platinadas. A obsessão de Hollywood pelas loiras teve início na década de 30 - o período coincide com a propagação da ideologia nazista sobre a supremacia da raça ariana. Jean Harlow, estrela do filme Vênus Platinada, foi a precursora. A alemã Marlene Dietrich foi contratada em Hollywood depois do sucesso estrondoso de O Anjo Azul. Nas décadas seguintes, uma legião de divas loiras encantaria as platéias. A suíça Ursula Andress inaugurou a galeria das bond girls no primeiro filme do espião 007. O clássico futurista Barbarella transformou Jane Fonda em símbolo sexual.
AFP |
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CONVERTIDAS |
O encantamento
pelas loiras remonta aos tempos antigos. De acordo com cada período - ou
mesmo cada interpretação -, os cabelos carregam um significado. A rainha
Elizabeth I, da Inglaterra, pediu no fim da vida para ser pintada com
madeixas douradas (ela era ruiva) para legar uma imagem de imaculada. Nos
quadros renascentistas, a deusa do amor e da fertilidade da mitologia grega,
Afrodite, era retratada com cabelos loiros. Os cachos de Eva e Maria
Madalena insinuavam sensualidade. As melenas da Virgem Maria, ao contrário,
eram sinal de pureza.
Não se sabe quando começou a adoração pelas loiras, mas há registros de que
já existia nos tempos do Império Romano. Naquele período, as nobres e as
cortesãs tinham o hábito de manter escravas loiras - geralmente prisioneiras
vindas dos países nórdicos - para que fornecessem material para perucas
douradas. Desde então, as loiras mandam no imaginário masculino. Marilyn
Monroe sabia a força que emanava de seus cabelos, tanto que, a partir do
momento em que se tornou famosa, adotou uma exigência contratual: tinha de
ser a única loira no set. Não à toa, além de casos com Frank Sinatra e Yves
Montand, ela teve, entre seus amantes, o presidente John Kennedy e seu irmão
Robert. É o poder loiro." (Época, 17/01/2003)
Todavia, apesar de toda essa fama, a eleição das cem mulheres mais belas em 2003 colecionou mais morenas do que loiras.