O PODER NA PORNOGRAFIA
O clamor do sexo
Mesmo renegada, a indústria pornográfica se tornou o maior laboratório de
testes das novas tecnologias — e continua revolucionando o modo como nos
comunicamos
por Guilherme Pavarin
A cada segundo, todos os dias, cerca de 30 mil pessoas acessam conteúdo
pornográfico na internet. Enquanto você pisca os olhos sobre esta página e eles,
bem, clicam sobre peitos, coxas e adjacências, pouco mais de US$ 3 mil são
distribuídos entre as empresas do ramo adulto, de acordo com um levantamento da
emissora americana CNBC em 2009. Por ano, essa indústria embolsa quase US$ 100
bilhões, mais que o dobro da receita do mercado do videogame no ano passado, de
acordo com a consultoria Strategy Analytics.
Mas a relação entre loiras se contorcendo e tecnologia é mais profunda do que
cliques em troca de dinheiro. Se não fosse a pornografia, talvez esta revista
que está em suas mãos nem existisse. Até 1861, as únicas publicações impressas
eram livros de capa dura com proporções bíblicas, nada estéticos ou práticos.
Foi somente a partir do desejo dos soldados por imagens eróticas durante a
Guerra Civil Americana que os primeiros folhetos com fotografias foram
produzidos. Essas publicações logo evoluíram para livros de bolso rústicos. Na
década seguinte, magnatas passaram a usar o formato para inserir notícias e
imagens mais comportadas e vendê-lo em grandes quantidades. Foram as primeiras
revistas com fotos. Era o início de uma nova forma de comunicação, a primeira
entre muitas impulsionadas pelo pornô. O ciclo continuaria anos mais tarde com a
criação do telesexo, dos canais pay-per-view, dos CD-ROMs, das webcams ao vivo,
dos compartilhamentos de vídeos online e de outros avanços trazidos pela
pornografia que ainda hoje influenciam a mídia de massa.
Guilherme Lepca
Crédito: Guilherme Lepca
INFLUÊNCIA RENEGADA
Nos últimos anos, estudiosos de diversas áreas tentaram mostrar que, se não
fosse o impulso humano por imagens sexuais, muitas das ferramentas virtuais do
nosso dia a dia não existiriam. Os bate-papos online e os videozinhos fofos de
esquilos saltitando no YouTube passaram por uma prova no mundo da libertinagem
antes de entrarem nas casas de família. “É indiscutível a força criativa que a
indústria pornográfica tem e que continua influenciando nosso estilo de vida”,
diz o escritor canadense Patchen Barss, autor do livro The Erotic Engine — How
Pornography has Powered Mass Communication, from Gutenberg to Google (Motor
erótico — como a pornografia potencializou a comunicação de massa, de Gutenberg
ao Google, sem edição no Brasil). “Mas há uma relutância em dizer que os pilotos
dessas tecnologias inovadoras aconteceram no campo da pornografia, então muitos
fingem que essa parte da história não existe.”
O mais citado caso sobre o papel determinante do pornô é a criação do telesexo
nos anos 80. A partir do processo antitruste movido pelo Departamento de Justiça
dos Estados Unidos contra a gigante de telecomunicações AT&T, em 1982, a
operadora foi dividida em diversas partes para trazer competição ao setor. Assim
surgiu o sistema de tarifas de pagamento por minuto, aproveitado inicialmente
por alguns empresários do mercado erótico. Eles contrataram funcionários para
simular relações íntimas com quem estivesse do outro lado da linha, a gosto do
freguês. Em poucos meses, milhares de americanos gastavam muitos dólares e horas
para conversar não só com personagens provocantes, mas também com técnicos de
suporte, astrólogos, conselheiros amorosos, entre outras empresas que adotaram o
recurso em seguida. Algo parecido aconteceria no meio da década de 90 com os
canais pay-per-view, quando produtoras da Califórnia resolveram vender seus
filmes adultos sob demanda do cliente num acordo com as empresas de TV a cabo. O
sucesso foi grande, dezenas de novos estúdios pornôs surgiram logo depois e as
emissoras tradicionais, como HBO, resolveram imitar a estratégia.
A influência da pornografia nos meios de comunicação foi notada nos anos 90 pelo
advogado americano e professor da New York Law School, Peter Johnson, que
publicou no jornal dos alunos de direito da Universidade de Indiana o ensaio
Pornography Drives Technology: Why Not to Censor the Internet (Pornografia guia
tecnologia: por que não censurar a internet). No texto, que ganhou grande
repercussão nos Estados Unidos, Johnson defende que as autoridades não deveriam
bloquear as publicações eróticas como pretendia uma parte conservadora do país.
Para ele, o mundo das diversões adultas é uma lucrativa plataforma de
test-drives de novas mídias e, justamente por enfrentar dificuldades para entrar
no mercado convencional, sabe inventar soluções alternativas para consumo como
nenhuma outra. “O negócio do pornô, assim como o assunto que trata, sempre está
ansioso por inovação”, diz Johnson.
Guilherme Lepca
Crédito: Guilherme Lepca
O PORNÔ COMUNICA
Com a popularização da internet, já nos últimos anos do século 20, o mercado
adulto se livrou da censura e passou a inovar em larga escala. Os sites com
imagens eróticas foram os primeiros a lucrar com publicidade, ainda na década de
90. Depois, mesmo antes da explosão da oferta de conexões em alta velocidade,
domínios pornôs já colocavam filmes em suas páginas. Querendo se diferenciar dos
demais sites, empresários do pornô passaram a usar uma tecnologia de vídeo que
não armazenasse nenhum dado no computador, de modo que o conteúdo fosse
reproduzido automaticamente na tela, num clique — o streaming. Com este recurso,
muitos produtores também passaram a colocar moças chamadas Sharon, Jenna e
Pamela para dançar, tirar a roupa e conversar com os internautas por meio de uma
webcam. Tudo isso levou uma série de novos projetos de sucesso para empresas bem
comportadas como Skype, Microsoft e Google. Mais importante ainda, fez com que
os usuários procurassem novos aparelhos para melhorar suas experiências na web.
É o fenômeno que Barss chama de “sexo emergente”. As pessoas pagam por modems,
roteadores, linhas telefônicas e computadores para ter uma nova relação com o
sexo. E incentivam uma constante busca por tecnologias. “A força dessa evolução
vem do desejo instintivo de nos comunicarmos sexualmente de maneira nova”, diz
Barss.
NOVAS MÍDIAS
Se a indústria de conteúdos adultos é tão precursora em termos de comunicação, o
que ela reserva para o futuro? Com esta pergunta em mente, o guru de tecnologia
do jornal The New York Times, Nick Bilton, desbravou os segredos das empresas de
vídeos adultos para iniciar o seu livro I Live in the Future and Here’s How It
Works (Eu vivo no futuro e aqui está como ele funciona, ainda sem edição no
Brasil). Bilton notou que, enquanto pequenas e médias empresas juntam pilhas de
dinheiro, algumas das grandes corporações pornôs vêm sofrendo com os mesmos
problemas que as empresas tradicionais: pirataria e downloads ilegais. A Playboy
Enterprises Inc, o maior ícone do ramo, sofreu uma queda de 30% entre 2007 para
2009, fechando o ano com um prejuízo na casa dos US$ 50 milhões. No Brasil, a
maior empresa do ramo, Brasileirinhas, também não sabe como superar a crise nas
vendas de mídias físicas. A causa disso? Ainda não souberam como migrar seu
conteúdo para o mundo virtual. “As pessoas que entram na experiência digital
encaram DVDs e revistas impressas como coisa do passado”, afirma Bilton.
Produtoras que apostam em conteúdo único e em novas sensações para o usuário no
mundo virtual, abocanham mais espaço e lucro. Basta seguir a fórmula que
considera o sucesso das novas mídias: conteúdo imediato, de nicho e com uma
ótima experiência. “Se o preço for pequeno e a experiência for melhor, o
consumidor pagará com prazer.”
O melhor caso de sucesso da indústria pornô atual é a produtora americana
Digital Playground. Para fazer frente aos conteúdos gratuitos distribuídos em
sites, a empresa passou a vender filmes 3D com dezenas de câmeras pegando cada
detalhe do ambiente da cena, como se o usuário interagisse em primeira pessoa
num videogame erótico, pela internet. Agora, a companhia trabalha numa sala de
realidade virtual com projeção em tamanho real por holografia. Outro bom exemplo
é o RealTouch, desenvolvido pela empresa americana Adult Entertainment Broadcast
Network. Trata-se de uma vagina artificial de látex com motores e aquecedores,
que se conecta ao computador por uma entrada USB e sincroniza os movimentos e
sensações capaz com os vídeos transmitidos pela internet. “As empresas de mídia
podem aprender com essas experiências imersivas”, diz Bilton.
Produtoras independentes também encontram seus modos para aperfeiçoar a
experiência pela internet. A atriz pornô brasileira Dunia Montenegro, 33 anos,
consegue lucrar mais de R$ 6 mil por mês com exibições online usando apenas
redes sociais e webcams. Morando em Barcelona, na Espanha, ela constrói uma
relação pessoal com clientes de todo o mundo por blogs, Twitter, Facebook e
outras ferramentas interativas, fazendo-os usar o cartão de crédito em vez de
recorrer a sites gratuitos. “Hoje em dia, muitos homens talvez não pagassem R$ 1
por uma cena minha num DVD, mas pagam 5 euros para me ver na webcam e conversar
comigo”, diz Dunia.
NÃO É SÓ O DINHEIRO
A história da arte mostra que a pornografia se tornou naturalmente um meio
lucrativo. Um dos primeiros livros a ilustrar encontros sexuais, Gargântua e
Pantagruel, escrito no século 16 por François Rabelais, vendeu, em dois meses, o
que a Bíblia, a publicação de maior sucesso comercial até então, demorou quase
uma década para alcançar, de acordo com os escritos sobre a história da
fotografia de Roy Meredith. Era a prova que o sexo vendia. “A maior
singularidade da indústria pornográfica é que tem, como matéria-prima, um
instinto”, diz a empresária Lux Alptraum, editora do blog Fleshbot
(fleshbot.com), um dos mais famosos do mundo sobre erotismo e sexualidade.
“Diferente de iPods, joias e roupas, o instinto sexual é um guia do
comportamento da nossa espécie”, diz Alptraum. Por isso, independentemente de
crises financeiras, é uma área de naturais inovações. Bilton reitera a ideia,
mostrando que, no setor pornográfico, o dinheiro não é o principal combustível.
“Há também, ultimamente, um aspecto social em descriminalizar o ato de apreciar
pornografia, algo que desde as pinturas nas cavernas sempre esteve ligada a uma
expressão artística”, afirma. Quem sabe assim, no futuro, empresas de tecnologia
passem a admitir que não seriam nada sem aqueles pornôs produzidos diariamente
em grandes estúdios. Ou feitos no apartamento ao lado.
(http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI204647-17773,00-O+CLAMOR+DO+SEXO.html)
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