Por que a maior parte do mundo ainda
acredita nisso?
Michael Sermer faz dá uma boa explicação para a crença em um
monte de bobagens. Mas isso é válido para algumas outras que prevalecem no nosso
mundo até hoje.
Michael Shermer em foto de 2008. Ele
devotou sua carreira a desmascarar cultos, pseudociências e crendices
(Foto: Byrd Williams)
O CÉTICO
O psicólogo e escritor americano diz que é mais fácil acreditar em esquisitices
– como mediunidade, horóscopo e discos voadores – que pensar e questionar
PETER MOON
ÉPOCA - Por
que as pessoas acreditam em esquisitices?
Michael Sermer - A razão básica
está em nosso cérebro, programado pela evolução para enxergar o mundo e procurar
razões sobrenaturais para explicar eventos da natureza'. A
diferença entre um mágico e um médium é que o mágico confessa fazer
truques, enquanto o paranormal afirma ter poderes que o habilitam a
ler pensamentos, prever o futuro ou falar com os mortos. “Basta ao
médium dizer que tem poderes para as pessoas crerem. Faz parte da
natureza humana”, afirma o psicólogo e escritor americano Michael Shermer, de 57 anos, diretor da Sociedade Cética e da revista
Skeptic.“Não evoluímos para duvidar ou ter visão crítica. Isso exige
educação e reflexão. Crer é mais fácil.” Nesta entrevista, ele fala
sobre os temas de seu livro Por que as pessoas acreditam em coisas
estranhas (JSN, 384 páginas, R$ 65, publicado agora no Brasil), e
ataca a farsa por trás da crença em discos voadores, bruxas,
quiromancia e mediunidade.
ÉPOCA – Por que as pessoas acreditam em esquisitices?
Michael Shermer – A razão básica está em nosso cérebro,
programado pela evolução para enxergar o mundo e procurar razões
sobrenaturais para explicar eventos da natureza.
ÉPOCA – Dê um exemplo, por favor.
Shermer – Nas sociedades tribais, o pajé até hoje é aquele
que detém os conhecimentos que podem salvar os membros da tribo em
momentos decisivos. São os pajés que sabem quais são as plantas e
raízes com poderes curativos. São eles que decretam que tal região
virou tabu, tornando-a um local proibido e dando chance à fauna para
se recompor. Anos depois, num momento de escassez, é o pajé quem tem
o poder para liberar a volta dos caçadores ao local, salvando a
tribo da fome. Esse tipo de poder sempre foi exclusivo dos magos,
dos pajés e dos sacerdotes. Logo, acreditar em seus emissários
significava a própria salvação. Quando o pajé dizia que enxergava o
futuro, que os membros da tribo deveriam caçar ou buscar água em tal
região, e que a salvação de todos estaria em fazer o que ele dizia,
tudo não passava de uma profecia autorrealizável. Só isso.
ÉPOCA – Há os que afirmam ver coisas sobrenaturais e outros
que dizem ouvir o canto dos anjos ou o lamento dos mortos.
Shermer – Somos animais sociais, e
o cérebro foi programado
para reconhecer rostos e fisionomias. Por isso, temos a tendência de
enxergar faces escondidas no desenho das nuvens, nas manchas de um
sudário ou nas rochas da superfície de Marte. Pela mesma razão,
basta olhar as nuvens para reconhecer nelas as formas de diversos
animais. Essa também é uma herança evolutiva, já que por milênios
reconhecer a existência de um animal escondido na paisagem poderia
significar a diferença entre a vida e a morte. Qualquer pessoa
também pode dizer que fala com os mortos. Não tem nada de mais.
Difícil é conseguir fazer os mortos responderem. Todas as alegações
como essas que foram investigadas a sério acabaram revelando a
existência de microfones escondidos na mobília, nas paredes ou no
forro. Nenhuma fotografia pretensamente tirada de um disco voador
sobreviveu a um exame detalhado. São todas alegações falsas,
montagens feitas para iludir. Embora seja possível que algumas
alegações de eventos paranormais, mediúnicos ou ufológicos possam
ser verdadeiras, a verdade é que a maior parte delas é falsa, e o
mais provável é que todas não passem de pura farsa.
ÉPOCA – Por que as mulheres parecem acreditar mais em
esquisitices que os homens?
Shermer – Não é verdade. Homens e mulheres,
indistintamente, têm a mesma tendência para acreditar nessas coisas.
O que muda é o tipo de esquisitice. Mulheres acreditam mais em
mediunidade, espiritismo, cartomantes, bruxaria, amuletos, terapias
alternativas, curandeiros e simpatias. Os homens preferem acreditar
em paranormalidade, pseudociência, criacionismo e objetos voadores
não identificados.
ÉPOCA – Por que as pessoas diferenciam um mágico
profissional que faz truques de um médium que diz ser paranormal?
Shermer – É porque o mágico confessa que faz um truque, mas
não revela seu segredo. Isso tem razões históricas. A magia é tão
antiga quanto as artes adivinhatórias. Há vários séculos, no tempo
da Inquisição, os mágicos que ganhavam a vida seguindo as feiras
regionais na Europa medieval foram sensatos em confessar que não
eram bruxos. Eles confessaram que faziam truques para não acabar na
fogueira. Sua confissão retirou dos mágicos profissionais a aura
sobrenatural, a qual, embora tentem até hoje, nunca conseguiram
resgatar.
ÉPOCA – E as cartomantes e os adivinhos?
Shermer – A maioria acabou na fogueira. As cartomantes e os
adivinhos, os médiuns atuais, foram perseguidos porque alegavam
deter poderes sobrenaturais. Eles afirmavam que conseguiam prever o
futuro e influenciar o destino das pessoas. Ora, esses eram
atributos exclusivos da Igreja Católica. Os mesmos inquisidores que
se mostraram brandos com os mágicos não pouparam de sua ira
persecutória cartomantes e adivinhos, todos eles rotulados de bruxos
seguidores da magia negra. Os médiuns e charlatões da atualidade não
correm esse risco. Por isso podem afirmar sem medo que têm visões,
que falam com os mortos, enxergam o passado, o presente e o futuro.
Ou alegar que leem a sorte e influenciam o destino de uma pessoa
olhando as cartas do tarô, as linhas da palma da mão, o alinhamento
dos planetas de um mapa astral, os reflexos de uma bola de cristal
ou a borra de uma xícara de café.
ÉPOCA – Por que as pessoas insistem em acreditar que essas
alegações são verdadeiras?
Shermer – Porque os médiuns afirmam que são verdadeiras.
Basta aos médiuns, curandeiros e pais de santo dizer que têm visões
e preveem o futuro para que as pessoas acreditem. Faz parte da
natureza humana. Não evoluímos para duvidar ou questionar.
Desenvolver um senso crítico e uma visão própria de mundo exige
educação, reflexão e tempo. Crer é muito mais fácil. As pessoas
preferem ser enganadas.
ÉPOCA – Quem pede remuneração para fornecer um bem ou
serviço que não existe pode ser processado. Por que isso não se
aplica ao “trabalho profissional” de cartomantes e médiuns?
Shermer – Porque adivinhos e paranormais se protegem atrás
dos direitos universais da liberdade de opinião, de expressão, de
reunião e de religião. É muito difícil ou quase impossível provar
que um sujeito não escuta vozes interiores ou fala com os anjos se
ele assim o afirma. Os religiosos e os crentes das religiões ditas
oficiais poderiam ser investigados e processados exatamente pelas
mesmas alegações, pois suas religiões aceitam doações em dinheiro
como as cartomantes. Seus membros também alegam ter um canal direto
de comunicação com o sobrenatural, assim como as cartomantes.
ÉPOCA – Por que gente inteligente crê em esquisitices?
Shermer – Foi para dar título ao livro que escolhi chamar o
conjunto de crendices e enganações reivindicadas por médiuns e
paranormais de “coisas estranhas”. Palavras mais corretas seriam
farsa ou enganação. São atos na maioria das vezes criados para
iludir e enganar. Em certas circunstâncias, podem ser classificados
como delírios, quando seus devotos acreditam que viveram ou vivem
uma experiência extraordinária, inexplicável, extrassensorial. Ainda
assim, há explicação para tudo. Quem tem uma boa formação cultural e
crê nessas fantasias o faz em duas possibilidades. Ou se trata de um
indivíduo conivente com a farsa ou é alguém que sofreu de um surto
psicótico, é esquizofrênico e, portanto, doente, ou teve uma
alucinação. O estado alterado de consciência pode ser fruto da
ingestão de alucinógenos como a ayahuasca, o mescal ou o LSD.
Episódios psicóticos também podem ser causados pela privação de sono
e pelo cansaço extremo. Para tudo há uma explicação. Se ela convence
o crente, o doente ou o usuário, é outra questão.
ÉPOCA – O que acha da religiosidade e do sincretismo
humanos?
Shermer – Sou ateu e sou otimista. Até a Idade Média,
éramos uma espécie controlada pela fé e dominada por suas crendices
e seus medos. Hoje, dezenas de milhões de pessoas nos países ricos
se declaram ateias. A religiosidade, pelo menos na Europa e nos
Estados Unidos, recua ano a ano.
ÉPOCA – Não é assim no Brasil nem nos países em
desenvolvimento.
Shermer –
À medida que o
padrão de vida subir, a elevação da escolaridade e da educação
científica reduzirá o porcentual de religiosos na população.
É um caminho sem volta. Basta os governos investirem em educação de
qualidade.
ÉPOCA – Um argumento dos religiosos para desqualificar os
ateus é que eles escolheram não crer num deus e que essa é sua
crença.
Shermer –
Se os religiosos querem acreditar num deus
bondoso, num paraíso com 100 mil virgens ou seja lá o que for, não
dou a mínima. Os religiosos não me interessam. O que me interessa
são as centenas de milhões de pessoas que não seguem religião
nenhuma e nunca vão à igreja.
ÉPOCA - Quer dizer que, para o senhor,
a religião é inofensiva?
Michael Sermer - O problema começa
quando seus seguidores usam a religião para lançar aviões contra arranha-céus,
jogar bombas em clínicas de aborto (nos Estados Unidos), mutilar mulheres,
restringir os direitos individuais e alterar a legislação para proibir o ensino
da evolução. Eles querem obrigar as crianças a aprender o criacionismo, uma
doutrina religiosa travestida de verdade científica." (Mchael Shermer, Época,
16 de janeiro de 2012, pág. 56).
Falando em "esquisitices", pensemos na seguinte história:
"Um ser onipotente, onisciente, justo e bom, cria um
planeta, depois o Sol, a Lua e todas as estrelas. Entre os seres vivos que
coloca nesse planeta, faz um à sua imagem e semelhança.
O homem, o representante de ser chamado deus, comete uma
pequena desobediência quando um réptil fala para sua fêmea comer uma fruta
proibida, e, como castigo dessa transgressão, esse deus bom condena à morte, não
só a mulher, o homem e a cobra, mas todos os seres vivos, até os vegetais, e
toda a descendência de todos eles paga eternamente pelo deslize do casal que deu
ouvido a uma serpente.
Quase dois mil anos depois, esse ser onisciente se
arrepende de ter criado o homem e decide matar, não somente a decepcionante
humanidade, mas todos o mundo animal; porém deixa exemplares de todas as
espécies (ou quase todas?), mandando seu homem escolhido colocar tudo num grande
barco, que seria minúsculo diante de tantas espécies de viventes.
Após cinco meses de inundação, o homem solta todos os
animais no cume da montanha mais alta da Ásia, e em pouco tempo, algumas das
espécies viventes abandonam a Ásia, atravessa o Oceano Atlântico - não se
explicou como - e vem povoar as Américas.
Depois que o planeta fica repovoado, com uma humanidade
extremamente desobediente, o ser onisciente escolhe um homem lá no Oriente
Médio, cuja descendência deverá ser seus representantes, e, para premiá-los,
manda que eles matem na região prometida todos os outros humanos, como se fossem
grupos de ratos, serpentes, ou seres daninhos semelhantes.
E, como seu povo escolhido inexplicavelmente não consegue
cumprir o que determina esse deus, algum tempo depois, ele resolve mandar seu
próprio filho ao mundo para morrer dando seu sangue para expiar os pecados de
toda a humanidade, inclusive daqueles povos que antes deveriam ser mortos a
espada para desocupar a terra prometida; e aí, esse deus abandona seu povo
escolhido e promete um reino sobrenatural a todos os que aceitarem aquele deus
sacrificado como o seu salvador, e ameaça com uma tortura extrema e sem fim quem
não acreditar nesse conto tão estranho.
Por que uma grande maioria da humanidade acredita em uma
estória dessa? Parece até difícil explicar, mas isso ocorre simplesmente
porque os adeptos dessa crença conseguiram subjugar a maior parte do mundo
impondo suas idéias à custa de prisão, tortura e assassinato. O mais
incrível é isso prevalecer ainda no século XXI, quando, na maior parte do mundo,
já existe liberdade de pensamento!