POR QUE VOTO EM DILMA
José Nagib *
Caros:
Dia 31 de outubro o Brasil tomará, mais uma vez uma decisão importante. Através
do voto, democrático, será escolhido o(a) presidente(a) qui irá dirigir o País
nos próximos 4 anos.
Mais do que nunca, neste momento não me furtarei a explicitar minha opinião e
justificá-la, mesmo que parcialmente, porque a mensagem já ficará longa o
suficiente.
Sou professor há mais de 30 anos, de uma universidade pública federal. Portanto,
um servidor público federal. Não de qualquer universidade, mas de uma das
melhores do Brasil, consensualmente reconhecida como a melhor universidade
federal do Brasil. O Departamento de Ciência da Computação (DCC), do qual faço
parte, é considerado um dos três departamentos desta área no Brasil que tem
competitividade internacional; em outras palavras, faz ciência e tecnologia no
mesmo nível dos melhores departamentos de computação do mundo. Nestes mais de 30
anos, já passaram por minhas turmas mais de mil alunos, hoje espalhados por todo
o mundo, e grande parte deles em posições de destaque e na direção de diversas
empresas e órgãos públicos.
Tenho participado da administração superior da UFMG desde o início da década de
90. Continuamente, desde 1998, fiz, e ainda faço parte da equipe de quatro
reitores da universidade. Como dirigente universitário trabalhei diretamente, em
mais de uma centena de viagens e reuniões, principalmente em Brasília, mas
também em todo território brasileiro, com todos os governos brasileiros desde
1991: Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso (FHC), e Luiz
Inácio Lula da Silva.
Mesmo que quase vinte anos de mandatos de presidentes eleitos diretamente sejam
pouco tempo do ponto de vista histórico, é possível discernir, no cenário
político brasileiro atual dois modelos de gestão para o país. Um deles é
representado pelo PSDB, aliado à tradicional direita brasileira oriunda da velha
UDN, hoje abrigada no DEM. O outro modelo é representado pelo PT, aliado a
pequenos partidos tanto de esquerda quanto de centro. O PSDB governou o país,
com FHC, por 8 anos. O PT governo o país nos 8 anos seguintes, com Lula. É
possível, portanto, compará-los e contrastar os modelos destes dois partidos.
Devido à minha atuação, evidentemente tenho a maior tranquilidade em me
pronunciar a respeito de políticas educacionais, em particular, políticas para o
ensino superior, assuntos que domino, e muito bem. Portanto, em relação a
política de governo para a educação superior, é fácil fazer comparações.
Collor foi um desastrado, como de resto foi seu governo de modo geral, mas, para
sorte do país, não teve tempo de fazer muitos estragos. Itamar Franco
também teve pouco tempo, mas foi um oásis em relação ao que estava por vir.
Nada, no passado, pode ter sido tão danoso para o
ensino superior público brasileiro, como o governo FHC. Comandado por
Paulo Renato de Souza, um ex-reitor da Unicamp da década de 80, que hoje não
deve ter coragem de entrar em nenhum campus universitário público brasileiro
(nem como Ministro ele fez isto), o Ministério da Educação dedicou seus oito
anos a desacreditar e destruir o sistema de universidades federais.
Redução nos orçamentos de custeio, proibição de reposição
das perdas de pessoal (professores e técnicos) por aposentadoria e outros
motivos, congelamento salarial e investimento nulo forçaram a
universidade a enfrentar um enorme desgaste, pontuado por uma série de greves
longuíssimas, que causaram uma enorme perda na qualidade e no ânimo das pessoas.
Neste período, houve um enorme crescimento de vagas nas universidades privadas,
de tal modo que, ao final dos 8 anos, apenas em torno de 20% das vagas iniciais
(de vestibular) oferecidas no ensino superior no Brasil eram oriundas de
universidades públicas. Mas a resistência das universidades públicas impediu que
fosse possível destruí-las em 8 anos. É interessante notar que, após sair do
governo federal, Paulo Renato fundou uma empresa de consultoria (PRS
Consultores) que vive de assessorar empresas particulares de educação superior.
A empresa continua indo muito bem, inclusive depois que o mesmo PRS passou a ser
Secretário de Educação do Governo Serra em São Paulo.
Pessoalmente, como Pró-Reitor de Graduação da UFMG, lembro como um pesadelo a
relação das universidades com o MEC. Nunca vi pessoalmente, nem de longe, o
Ministro, que em 8 anos não recebeu quase nenhum Reitor. Sua postura era de
arrogância e desprezo pelas universidades. Porque? Não faz parte do projeto
de país do PSDB a universidade pública. O PSDB considera o financiamento da
educação pública superior um desperdício de recursos. Para o PSDB,
o ensino superior deve ser tratado como uma mercadoria, e
assim ser vendido. Portanto, é uma questão para o mercado resolver. Quem
quiser educação superior, procure uma universidade/faculdade privada e pague. Se
não tiver dinheiro, não tem problema: não estuda. Para o país, o que importa é
formar técnicos, de nível médio e superior, para que o mercado possa ter mão de
obra facilmente disponível (o que é importante também) e basta. Esse é o
conceito que vem sendo anunciado pelo candidato Serra, que propaga à exaustão
que criará 1 milhão de vagas em Fatec's no seu eventual governo, mas não abre a
boca para falar de universidades. Neste modelo, formação superior de boa
qualidade é coisa para os países centrais, não para a periferia.
O último orçamento do governo FHC para as universidades
foi um horror - pela primeira vez na sua história, a UFMG não teve como honrar
alguns compromissos básicos, e ficou os 4 meses finais do ano sem pagar água e
luz. Afortunadamente, como as empresas concessionárias (Copasa e Cemig)
são estatais mineiras, foi possível contornar o problema contanto com a
compreensão e boa vontade do governador Aécio Neves, até que no ano seguinte,
no primeiro orçamento do governo Lula, conseguimos quitar as dívidas. O
Governo Serra em São Paulo começou, logo no primeiro mês,
atacando as tradicionais e excelentes universidades USP, Unicamp e Unesp, que
formam o sólido sistema paulista público de ensino superior. Através
de um decreto, tentou tirar a autonomia financeira que as
universidades paulistas possuem, mas foi barrado pela reação da comunidade
universitário e da Assembléia de SP. Mas depois implantou sua política de
terra arrasada, provocando várias e longas greves, que foram tratadas, no caso
da USP, com a invasão do campus pela tropa de choque da PM, com direito e bombas
de gás e cassetetes para todo lado. Aliás, tratar
professores com tropa de choque é uma das predileções do Serra, como
aconteceu também com os professores estaduais da rede paulista de ensino
fundamental e médio.
A relação com o MEC no primeiro ano do governo Lula também não foi fácil. O
Ministro Cristovam Buarque (ex-reitor da UnB, ex-governador do DF, e senador)
revelou-se um ministro errático do ponto de vista administrativo e sonhador do
ponto de vista de projeto. Pensava para daqui a 40 anos, e se irritava com
problemas do dia a dia. Colocava ênfase exclusiva no ensino fundamental (a
ênfase neste nível tem que ser prioritária, mas não exclusiva) e chegou a propor
que as universidades saíssem do âmbito do MEC e fossem para o Ministério de
Ciência e Tecnologia, o que enfureceu a comunidade universitária. Com a saída de
Cristovam no final do primeiro ano do Lula e sua substituição por Tarso Genro,
as relações das universidades com o MEC melhoraram muito. Depois de 2 anos Tarso
foi substituído por Fernando Haddad, que ficou no ministério nos últimos 5 anos.
Na minha opinião F. Haddad foi o melhor ministro de Educação do Brasil de todos
os tempos. O projeto de educação do PT recusa o conceito do PSDB de deixar o
ensino universitário submetido às forças do mercado. O projeto do PT
estabeleceu, de fato, a educação, do berço à pós-graduação, integradamente, como
uma prioridade absoluta. Prioridade transformada em realidade através da
adequada destinação de recursos orçamentários.
No caso das universidades, a partir de 2004, houve um crescente aporte de
recursos e uma expansão nunca vista antes. O Governo Lula criou 10 novas
universidades federais e 45 novos campi em cidades do interior de todos os
estados do Brasil. Mais de 500.000 novas matrículas foram criadas. A UFMG
criou 2.100 novas vagas no vestibular (aumento de 45%), cerca de 75% das quais
no turno noturno, favorecendo jovens trabalhadores e aproveitando a
infraestrutura instalada. Estão sendo contratados 400 novos professores e mais
de 600 novos servidores técnicos e administrativos. Quatro novos prédios de
grande porte foram ou estão sendo construídos. As relações com o MEC passaram a
ser constantes e colaborativas. As políticas e ações foram construídas e
implementadas em conjunto. O ministro da Educação se encontra com os reitores
com uma enorme frequência. Visitou provavelmente todas as universidades
brasileiras. Na UFMG já veio perto de uma dezena de vezes, e virá novamente
sexta-feira, 22 de outubro. O presidente Lula promoveu encontros anuais com
todos os reitores, nos quais importantes medidas, negociadas conjuntamente,
foram anunciadas. Lula visitou várias universidades, inclusive a UFMG.
Interessante: o presidente anterior, um professor, tinha um ministro, também
professor, que desprezava as universidades. Precisou um operário metalúrgico
assumir a presidência para que as universidades fossem respeitadas.
Para resumir, em relação às eleições: é claro para mim que
Serra vai trazer de volta os anos de horror de FHC, talvez piorados. É um
pesadelo. De minha parte, estarei cansado. Não volto ao MEC para ser
desrespeitado. Por outro lado, a eleição de Dilma indica uma trajetória de
continuidade da priorização da educação em todos os níveis como uma estratégia
nacional.
Mas como a eleição não é para que as coisas fiquem boas só para as
universidades, mas para o país todo, apresento o quadro abaixo, publicado pela
revista The Economist. Notem que não é uma publicação brasileira e é lida por
executivos e empresários de todo mundo:
Itens
Risco Brasil
Salário Mínimo
Dólar
Dívida FMI
Indústria naval
Universidades Federais Novas
Campus Universitários Novos
Escolas Técnicas
Valores e Reservas do
Tesouro Nacional
Créditos para o povo
Estradas de Ferro
Estradas Rodoviárias
Industria Automobilística
Crises internacionais
Cambio
Taxas de Juros SELIC
Mobilidade Social
Empregos
Investimentos em
infraestrutura
Mercado internacional
|
Governo
FHC
2.700 pontos
78 dólares
Rs$ 3,00
Não mexeu
Não mexeu
Nenhuma
Nenhum
Nenhuma
185 Bilhões
de Dólares Negativos
PIB 14%
Nenhuma
90% danificadas
Em baixa,
20%
Fixo,
estourando o Tesouro Nacional
27%
2 milhões de pessoas saíram da linha de pobreza
780 mil
Nenhum
Brasil sem
crédito |
Governo
LULA
200 pontos
210 dólares
Rs$ 1,78
Pagou
Reconstruiu
10
45
214
160 Bilhões
de Dólares Positivos
34%
3 em
andamento
70%
recuperadas
Em alta, 30%
Nenhuma,
pelas reservas acumuladas
Flutuante:
com ligeiras intervenções do Banco Central
11%
23 milhões
de pessoas saíram da linha de pobreza
11 milhões
504 Bilhões
de reais previstos até 2010
Brasil
reconhecido como investment grade |
Fonte: The Economist
Em sã consciência, qual é motivo para trocar o modelo da coluna Lula pelo modelo
da coluna FHC? E não tem um empresário que possa dizer que ganhou mais dinheiro
com o FHC do que com Lula. Não tem um líder sindical que possa dizer que ganhou
mais com o FHC do que com Lula. Quantas greves houve? Alguém viu alguém queimar
carro na rua? Os pobres estão comendo mais, vão ao Extra, abrem conta no Itaú,
no Bradesco, na Caixa. Em 2003 o volume total de crédito no Brasil era de R$ 380
bilhões. O Brasil era capitalista, mas os bancos não emprestavam. Hoje, o total
de crédito do sistema financeiro é de R$ 1 trilhão e 600 bilhões. Só o Banco do
Brasil hoje empresta mais do que o Brasil todo do FHC. O Brasil continua
capitalista, mas agora tem dinheiro circulando.
Estou terminando.
Vejam que não falei aqui de nenhum dos temas que estão dominando a Velha Mídia
do Brasil (Rede Globo, da Famiglia Marinho; Folha
de S. Paulo, da Famiglia Frias; Estadão, da Famiglia
Mesquita, e Veja, da Famiglia
Civita). A Velha Mídia é claramente pró-Serra, na realidade, faz parte do
esquema pró-Serra. Como o Serra não tem projeto, nem programa (num desrespeito
ao povo e às leis, o PSDB nem protocolou um Programa de Governo no TSE. Ou
melhor, protocolou um documento cuja capa tem o nome de programa de governo, mas
que na realidade é a cópia de três discursos feitos por políticos do PSDB -
Serra, FHC e Guerra - na convenção que escolheu o Serra como candidato); mas,
como o Serra não tem projeto, esta tarefa está terceirizada para a Velha Mídia.
E eu não quero ser governado pelo que pensam 4
famiglias que estão no século XIX. Que só fala de escândalos (todos
contra-Dilma, daqui até dia 30 a Velha Mídia vai produzir um por dia), cria
factóides, distorce fatos e introduz temas que não tem a menor relevância para o
futuro da nação (exemplo maior: aborto - nunca vi como o JN passou a gostar
tanto deste assunto). E estão conseguindo transformar a
eleição numa guerra religiosa! Lamentável. Logo no Brasil, onde todo
mundo respeita a crença de todo mundo.
Mas se vocês quiserem, eu também falo da baixaria. Não agora. Mas para cada
baixaria contra-Dilma (a Velha Mídia está cheia delas) eu produzo, com
comprovação, duas baixarias contra-Serra (engraçado, a Velha Mídia, tão ciosa de
defender "sua" liberdade de imprensa, tem uma certa dificuldade de achar
defeitos e baixarias relacionadas Serra - é a liberdade de imprensa para eles
publicarem só o que eles querem).
Aliás nunca vi tanta baixaria pautando uma campanha. Nem o Collor conseguiu
isso, que com suas baixarias conseguiu ganhar do Lula em 1989, e deu no desastre
que todos conhecem. Também nunca vi tantos movimentos radicais de direita (Opus
Dei, TFP, grupos neonazistas e facistas) se unindo tão fortemente e se
aliando com a Velha Mídia. Eu só tinha 9 anos na época, mas conheço a história:
deu na ditadura militar, da qual muitos dos seus
patrocinadores (a famiglia Frias emprestava carros de reportagem da Folha para
os torturadores) acabaram sendo, mais tarde, também vítimas.
Mas não vim para falar de baixaria, nem de radicalismo. Não é este o ponto. Vim
para falar do que queremos para o Brasil - um país que está melhorando e ficando
mais digno, com menos desigualdades e mais oportunidades para todos. É neste
país que quero continua a viver. É neste país que tenho a esperança que meus
filhos construam suas vidas. E acredito decididamente que este país só terá
continuidade se a Dilma for eleita.
No escasso tempo que me sobra das minhas tarefas na universidade, estou
dedicando parte dos meus dias a ajudar na campanha da Dilma. Considero, por
exemplo, este texto (manifesto?) uma singela ajuda. Portanto, estou aberto ao
debate. Gostaria de ver, por exemplo, um quadro comparativo como o que mostrei
acima que conseguisse mostrar outros aspectos de modo a ser positivo para o
governo FHC. Mas até agora ninguém me mostrou algo nem parecido. E lembro, o
quadro acima foi feito pela revista "The Economist" e não pela campanha da
Dilma.
Dia 30 de outubro, minha filha Laila faz 15 anos. Para ela, de presente, quero
um país melhor, com mais esperança e mais igualdade. Por isto voto em Dilma
Rousseff dia 31 de outubro.
Dia 31 de outubro, meu Pai faria 95 anos, se fosse vivo. Por sua memória, pelo
que me ensinou, quero, de presente, um país mais justo e com mais oportunidades
para todos. Por isto voto em Dilma Rousseff dia 31 de outubro.
Dia 1o. de novembro, minha Mãe faz 83 anos. Para ela, de presente, quero um país
mais fraterno, sem intolerâncias. Por isto voto em Dilma Rousseff dia 31 de
outubro.
Por estes motivos, e darei outros, se pedido me for, peço o voto em Dilma
Rousseff dia 31 de outubro.
José Nagib
* Reitor da UFMG -
Universidade Federal de Minas Gerais.
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