Eric Gil*, Pragmatismo Político
Em
qualquer grande jornal que você for ler ou assistir, hoje, verá o discurso
estampado: a reforma da
Previdência é urgente, se não o fizer o país quebrará. Este tem sido também
o discurso do governo Temer, e em certa medida também do governo Dilma
anteriormente (este com um pouco mais de resistência).
No
entanto, apesar de tanto alarmismo, o governo e os grandes jornais se utilizam
de um discurso falso para justificar a reforma da
Previdência, o de que existe um déficit nas contas deste órgão, o famoso
“Rombo da Previdência”. Mas por que isto é mentira?
Quando falamos sobre Previdência Social temos que contextualizá-la em um sistema
maior, a qual está inclusa, a da Seguridade Social. A Constituição Federal
define em seu artigo 194 que “a Seguridade Social compreende um conjunto
integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas
a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência
social”, e é formada pela Previdência Social, Saúde Pública e Assistência
Social.
Para
assegurar o funcionamento desta área, algumas receitas públicas são vinculadas
diretamente à Seguridade. Este não é o caso apenas da arrecadação
previdenciária, entre patrões e empregados, mas também pelo Estado (a partir de
mais fontes de receita), formando um sistema tripartite. Além das arrecadações
diretamente previdenciárias (tanto urbana quanto rural) também constam como
fonte de receita a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS),
a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL),
o Programa de Integração Social (PIS)
e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP)
e receitas provenientes dos concursos prognósticos (que são sorteios do tipo
loteria), além de recursos das próprias entidades.
Como
podemos ver no gráfico, o sistema da Seguridade Social manteve-se no azul em
todo o período exibido de 2008 a 2014 (dois trabalhos famosos por fazerem o
recálculo das contas da Seguridade Social são a tese da professora do Instituto
de Economia da UFRJ, Denise
Gentil, e as publicações anuais da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da
Receita Federal do Brasil – a qual optamos por reproduzir aqui por ter números
mais atualizados, até 2014), variando entre superávits de R$ 32,89 bilhões em
2009 e R$ 82,7 bilhões em 2012.
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O
cálculo correto (utilizando todas as fontes de receita constitucionalmente
definidas para financiar
Previdência, Saúde e Assistência Social) desautoriza os ideólogos da reforma
previdenciária a dizer que existe o “rombo da Previdência”. Na verdade, o
sistema que está inserido o órgão responsável pelo pagamento das aposentadorias,
pensões, auxílios e outros benefícios recebe mais do que gasta, ou seja, a
Seguridade Social goza sim de superávit ao menos até 2014, último cálculo feito
pela ANFIP.
Mas
por que a mídia e o governo insistem em dizer que existe um rombo? Eles
desconsideram que existem contribuições sociais que servem justamente para o
financiamento disto, e contam apenas com as receitas provenientes do pagamento
por parte do trabalhador e do empregador. No entanto, quando uma receita se
torna vinculada, ela necessariamente deve ser gasta na área. Por exemplo, o
dinheiro que se arrecada com a CSLL deve ir necessariamente para gastos da
Seguridade, e não para financiar pagamento com juros da dívida pública. O
objetivo desta mistificação é ludibriar a população para acreditarem que a
Previdência deve ser “reformada” e mesmo substituída pelos fundos privados,
indo inclusive de encontro à Constituição que prevê a existência de uma
contabilidade exclusiva para a Seguridade Social, que mostraria não haver
déficit algum – para enganar os trabalhadores e convencê-los que suas
aposentadorias são o problema vale até ir de encontro ao que está na lei.
Junto
à isto a Desvinculação das Receitas da União (DRU),
que esteve em vigor de 1994 até dezembro de 2015 e voltou há poucos meses,
permite desvincular 30% (até ano passado o valor era de 20%) destas receitas
para gastar com o que quiserem. Isto é o que possibilita o Governo pegar
dinheiro que necessariamente financiaria a Previdência Social, a Assistência
Social e a Saúde Pública e jogar na conta de pagamento de juros da dívida. Logo,
além de superavitária, ainda tem seu dinheiro desviado para jorrar nas gordas
contas dos banqueiros.
Por
fim, o Governo Federal ignora que aumentou em 136% as desonerações da
Previdência Social, principalmente a partir do Plano Brasil Maior, que permitiu
o não pagamento da contribuição previdenciária patronal para diversos setores.
Como esperar que o Governo Federal abra mão de mais de 44 bilhões de reais (a
diferença das desonerações dadas antes do início da implementação da política de
desonerações da Dilma, em 2010, até o seu ápice, em 2015 – o que pode ser
visualizado no gráfico) e não ter efeito algum no dinheiro destinado à
aposentadoria dos trabalhadores?
Além
de tudo isto, a Previdência Social brasileira é uma forte política de
distribuição de renda, tanto na cidade quanto no campo. Caso consigam o desmonte
desta conquista da população, viveremos um grande retrocesso social, com uma
maior concentração de renda e empobrecimento ainda maior dos que mais precisam.
Por isto que eu digo, sim, é urgente o combate à esta reforma previdenciária.
*Eric Gil é economista formado pela
Universidade Federal da Paraíba, mestre e doutorando em Ciência Política pela
Universidade Federal do Paraná; escreve quinzenalmente para Pragmatismo Político.
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/09/contra-reforma-previdencia.html