PREVIDÊNCIA
PRIVATIZADA PRIVA
Privatizada na ditadura, previdência
chilena paga aposentadoria menor que salário mínimo
Victor Farinelli | Santiago - 02/03/2015 - 06h00
Trinta anos depois, 60% dos clientes do sistema recebem dois terços do piso
salarial no Chile; estrutura criada por Pinochet prometia ‘capitalismo popular’
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“Este é o capitalismo popular, senhores! De agora em diante, todo chileno será
um acionista”. Frases entusiasmadas, de um passado não muito distante, repetidas
quase diariamente, em anúncios televisivos e entrevistas para a imprensa
chilena, pelo economista neoliberal José Piñera. Em 1982, o então ministro do
Trabalho da ditadura de Augusto Pinochet explicava seu mais recente feito: o
novo sistema previdenciário chileno, agora privatizado, que substituiria o
antigo sistema estatal solidário por um modelo em que empresas privadas
administrariam contas individuais de previsão.
Assim surgiram as AFPs (administradoras de fundos de pensão), empresas dedicadas
a gerir o dinheiro dos contribuintes reservados à aposentadoria futura,
injetando-o no mercado de capitais. Em poucos meses, surgiram no país 14 novas
companhias dedicadas a este mercado, que competiam de forma selvagem pelos
primeiros clientes e prometiam uma aposentadoria de luxos e extravagâncias.
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Victor Farinelli/Opera Mundi
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primeiro beneficiáiros, suas distorções
Quis o destino que, quando os primeiros chilenos começaram a se aposentar pelo
sistema previdenciário privado, o presidente do país fosse irmão do homem que o
desenhou. Sebastián Piñera teve de enfrentar a insatisfação dos pensionistas
diante de uma realidade diferente da promessa pregada nos anos 1980, com valores
muito inferiores aos prometidos, além de questionamentos a uma série de
situações definidas em acordo pelas empresas.
Após 30 anos de lançado e com mais de 70 trilhões de pesos arrecadados (R$ 350
bilhões), o sistema privatizado de previdência entrega hoje, para a maioria dos
clientes, pensões inferiores ao valor do salário mínimo chileno. Segundo números
do Banco Central, mais de 60% dos usuários já aposentados recebem menos de 120
mil pesos (dois terços de um salário mínimo, e equivalente a R$ 600). O salário
médio dos usuários do sistema é de 575 mil pesos (quase R$ 3 mil).
A título de comparação, em janeiro de 2014, o valor médio da aposentadoria no
Brasil era de R$ 927. A quantia corresponde a 128% do salário mínimo brasileiro
à época, de R$ 724.
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Uma das medidas tomadas pelo ex-presidente Piñera para corrigir os problemas do
sistema criado por seu irmão, foi a adoção de um aporte complementário para
aqueles que recebem menos de 100 mil pesos (500 reais) de aposentadoria. Criado
em 2013, o aporte já tem mais de 20 mil beneficiários — mais de 15% dos
aposentados pelo sistema de previdência privada.
Origem e transição
Prestes a completar uma década no comando, Pinochet enfrentava sua pior crise
econômica. O sistema bancário estava quebrado e a população começava a
questionar seu poder, preocupada com o fim da estabilidade econômica, argumento
usado desde o golpe de Estado para justificar o regime de exceção. Foi neste
contexto histórico que nasceu o atual sistema previdenciário chileno, desenhado
por José Piñera, um dos mais conhecidos dos Chicago Boys (economistas formados
na Universidade de Chicago, onde tiveram a influenciado pai do neoliberalismo,
Milton Friedman).
Para o economista Hugo Fazio, diretor do Cenda (Centro de Estudos Alternativos
Sobre o Desenvolvimento Nacional), a privatização do sistema previdenciário deu
uma “sobrevida” à ditadura (1973-1990).
“A primeira grande jogada é que trouxe muito dinheiro fresco a uma economia
chilena em problemas. As AFPs ajudaram a recuperar a economia investindo as
contribuições dos trabalhadores no mercado, e esta estratégia deu uma sobrevida
de alguns anos à ditadura”, assinala Hugo Fazio a Opera Mundi.
Fachada de uma agência de AFP, empresa que administra os fundos de pensão no
ChileDurante o período de captação de clientes, nos primeiros anos do sistema
recém-implantado, a concorrência entre as 14 empresas que começaram a oferecer o
serviço era feroz. Quem relata isso é a professora María Luz Navarrete,
presidente do movimento social Aqui La Gente, a mais ativa organização contra o
atual sistema previdenciário chileno: “Tive muitos familiares que foram
vendedores de AFP, todo chileno tinha um parente vendedor de AFP, era o emprego
da moda nos anos 1980. E eles ofereciam de tudo para você se afiliar, ou para
mudar de uma para outra administradora. Eles abordavam as pessoas na rua e
ofereciam desde uma televisão a cores até prêmios em dinheiro para você assinar
com a sua AFP”, relata.
A transição entre um modelo e outro foi complexa. Com a criação do novo sistema,
o Instituto de Previdência Social passou a funcionar somente com as pessoas que
já haviam entrado no mercado de trabalho e que não queriam passar para o novo
sistema. As pessoas que ingressaram no mercado de trabalho a partir daquele ano
de 1982 não tinham mais a opção estatal, e deveriam escolher entre as empresas
privadas que ofereciam o serviço — entre as reclamações mais comuns dos
primeiros aposentados pelo novo sistema estão as de pessoas que começaram
trabalhando na época do sistema antigo, mas que foram colocadas numa AFP sem seu
consentimento.
Ainda assim, a etapa inicial do sistema privado foi um sucesso, conseguindo
afiliar quase 3 milhões de clientes somente na primeira década, com a promessa
de que as contribuições bem administradas poderiam render aposentadorias até
maiores que as do salário médio do contribuinte.
Rentabilidade negativa
Logo, também vieram as imposições. Ainda durante a ditadura, estabeleceu-se uma
lei que obrigava todo chileno que trabalhasse com contrato a destinar 10% do seu
salário ao fundo de AFP — sendo que parte desse percentual, entre 1,3% a 2,4%
dependendo da administradora, é a comissão cobrada pelo serviço.
Os trabalhadores informais podem fazer o mesmo de forma voluntária, e também
devem contribuir com um mínimo de 10% do seu salário. Além disso, ser cliente de
uma AFP é requisito para poder ser atendido no sistema público de saúde, através
do Fonasa (Fundo Nacional de Saúde, que funciona como uma espécie de plano de
saúde estatal), o que, na prática, obriga a muitos trabalhadores informais e
inclusive imigrantes a serem afiliados ao sistema previdenciário.
Com o passar dos anos, começaram a surgir os primeiros problemas do sistema. O
investimento no mercado de capitais foi colocado em cheque durante a crise
asiática de 1999, quando o sistema registrou seu primeiro ano de rentabilidade
negativa. Após a crise de 2008, houve dois anos seguidos de perdas, o que
aumentou e muito os questionamentos.
Em comunicado, a Associação de AFPs admite que houve anos de rentabilidade
negativa, mas que esses foram seguidos de períodos com maiores benefícios, nos
quais se recuperou o dinheiro perdido anteriormente. O Cenda, centro de estudos
com amplo trabalho de investigação sobre o atual sistema previdenciário chileno,
contesta a versão oficial. “Esse dinheiro não se recupera, e não se perde
somente durante uma crise econômica. Se uma empresa quebra, por exemplo, o fundo
que você investiu também perde. A AFP nunca vai perder, até mesmo quando o
capital dela diminui, ela tem como direcionar essa perda aos fundos dos
trabalhadores”, analisa o economista Hugo Fazio. Segundo números do IPS
(Instituto de Previsão Social) que ainda funciona como uma espécie de serviço de
proteção aos clientes de AFPs, as perdas acumuladas pelo sistema privado neste
século acumulam mais de 20 bilhões de pesos (cerca de R$ 100 milhões).
Victor Farinelli/Opera Mundi
Sistema previdenciário chileno foi privatizado na década de 1980, final da
ditadura militar de Augusto Pinochet
Ainda assim, a evolução do negócio das AFPs no Chile não tem demonstrado grandes
números nos últimos anos. Desde o ano 2000, houve uma diminuição significativa
no número de empresas do ramo, duas delas chegaram a falir, outras foram
compradas pelas que se consolidaram como as maiores do mercado, e hoje restam
apenas seis — sendo que, em dois casos, mais de uma fazem parte da mesma
holding.
AFP estatal ou sistema antigo
Está agendada para agosto deste ano a entrega do relatório da Comissão Bravo,
uma equipe de trabalho liderada pelo economista David Bravo, com a missão de
estudar o sistema previdenciário chileno, suas falências e possíveis soluções.
As organizações que lutam contra o sistema de AFP esperam que seja o começo de
mais uma das reformas levadas a cabo pelo atual governo, que já mexeu nos
setores tributário, educacional e eleitoral. Já o economista Hugo Fazio acha
pouco provável que o relatório da comissão sugira grandes mudanças — nenhum
membro do Cenda participa da Comissão Bravo, cuja composição inclui três
ex-executivos de empresas AFP.
As AFPs fazem lobby para que a Comissão Bravo sugira aumentar a idade de
aposentadoria — de 65 para 70 anos entre os homens, e de 60 para 65 anos entre
as mulheres —, uma ideia que conta com o aval de parlamentares governistas e
opositores. Enquanto isso, uma das propostas com mais apoio dentro do governo, e
que constava no programa da candidatura de Michelle Bachelet, é a criação de uma
AFP estatal. A ideia, porém, é rejeitada tanto pela Associação de AFPs, que
alega que uma administradora estatal terá vantagens sobre a concorrência e
acabará com o mercado, quanto pelos movimentos sociais, que pedem o retorno do
antigo sistema solidário estatal.
O principal argumento a favor de restabelecimento do sistema solidário é que os
militares ainda o utilizam. Apesar da ditadura ter difundido o sistema privado
como um de seus grandes legados positivos, os militares nunca aderiram, já que
todas as instituições militares do país, incluindo as polícias, contribuem com
um fundo exclusivo chamado Capredena, que funciona tal qual o sistema
previdenciário antigo, por meio do qual recebem aposentadorias com salário
integral.
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/reportagens/39649/privatizada+na+ditadura+previdencia+chilena+paga+aposentadoria+menor+do+que+salario+minimo.shtml
Como se viu acima, há um "mercado", em que uns poucos
ganham, e a maioria fica na miséria. É esse mercado que a "Associação de AFPs"
procura proteger.
Ver mais sobre o resultado da
privatização no CHILE.
Ver mais POLÍTICA BRASILEIRA