Maria Lucia Fattorelli: Estado máximo,
só para os bancos
publicado em 3 de março de 2012 às 21:30
Só setor financeiro privado e grandes
transnacionais ganham com privatizações
por Maria Lucia Fattorelli
Coordenadora da Auditoria Cidadã da
Dívida, sugestão do Igor Felippe
Em meio a insistentes ataques da grande
mídia à “corrupção” de autoridades dos
três poderes institucionais, uma
verdadeira corrupção institucional
está ocorrendo no campo financeiro e
patrimonial do país, destacando-se:
privatização da
previdência dos servidores públicos,
privatização de jazidas de petróleo —
inclusive do pré-sal –, privatização dos
aeroportos mais movimentados do país,
privatização de rodovias, privatização
de hospitais universitários,
privatização de florestas, privatização
da saúde, educação, segurança…
E muitos outros serviços essenciais, que
recebem cada vez menor quantidade de
recursos haja vista a luta de 20 anos
pela implantação do piso salarial dos
trabalhadores da Educação, a recente
greve dos policiais na Bahia,
ausência de
reajuste salarial para os servidores em
geral, entre vários outras
necessidades não atendidas, evidenciada
recentemente na tragédia dos moradores
do Pinheirinho em São Paulo, enquanto o
volume destinado ao pagamento de Juros e
Amortizações da Dívida Pública continua
crescendo cada vez mais.
Qual a justificativa para a entrega de
áreas estratégicas ao setor privado? Por
que criar um mega fundo de pensão para
os servidores públicos do país quando os
fundos de pensão estão quebrando no
mundo todo, levando milhões de pessoas
ao desespero? Por que leiloar jazidas de
petróleo se a Petrobrás possui
tecnologia de ponta? Por que abrir mão
da segurança nacional ao entregar os
aeroportos mais movimentados para
empresas privadas e até estrangeiras?
Por que privatizar os hospitais
universitários se esses são a garantia
de formação acadêmica de qualidade? Por
que privatizar florestas em um mundo que
clama por respeito ambiental? Por que
deixar que serviços básicos, sejam
automaticamente privatizados, a partir
do momento em que se corta recursos
destas áreas? O que há de comum em todas
essas privatizações e em todas essas
questões?
O ponto central está no fato de que o
beneficiário de todas essas medidas é um
ente estranho aos interesses do povo
brasileiro e da Nação. Os únicos
beneficiários têm sido o setor
financeiro privado e as grandes
transnacionais.
Então, por que o governo tem se
empenhado tanto em aprovar todas essas
medidas contrárias aos interesses
nacionais? E o que diz a grande mídia a
respeito dessas medidas indesejáveis?
Não divulga a posição dos afetados e
prejudicados por todas essas medidas,
mas promove uma completa “desinformação”
ao apresentar argumentos falaciosos e
convincentes propagandas de que o Brasil
vai muito bem e que a economia está sob
controle.
Ora, se estamos tão bem assim, qual a
razão para rifar o patrimônio público?
Por que esse
violento round de privatizações partindo
justamente de quem venceu as eleições
acusando a privataria? Na
realidade, o país está sucateado. Vejam
as estradas rodoviárias assassinas e a
ausência de ferrovias; a
desindustrialização; o esgotamento de
nossas riquezas; as pessoas sem
atendimento hospitalar, com cirurgias
adiadas até a morte; os profissionais de
ensino desrespeitados e obrigados a
assumir vários postos de trabalho para
sustentar suas famílias; o crescimento
da violência e do uso de drogas.
É inegável o fato de que o PIB
brasileiro cresceu e já somos a 6ª
potencia mundial, mas o último relatório
da ONU mostra que ocupamos a vergonhosa
84ª posição em relação ao atendimento
aos direitos humanos, de acordo com o
IDH [1], o que é inadmissível
considerando as nossas imensas riquezas.
Algo está muito errado. Não há
congruência entre nossas riquezas e
nossa realidade social.
Não há coerência
entre o discurso ostentoso e a
liquidação do patrimônio nacional. Dizem
que temos reservas internacionais
bilionárias, mas não divulgam o custo
dessas reservas para o país, o dano às
contas públicas e ao crescimento
acelerado da dívida pública brasileira
que paga os juros mais elevados do
mundo.
Dizem que temos batido recordes com
exportações, mas não divulgam que lá de
fora, valorizam os preços das chamadas
“commodities” e o que fazemos:
aceleramos a exploração dos nossos
recursos naturais e os exportamos às
toneladas. Mas quem ganha já não é o
país, pois as minas, as siderúrgicas e o agrobusiness já foram privatizados há
muito tempo.
Outra grande falácia é de que o Brasil
está tão bem que a crise financeira que
abalou as economias dos países mais
ricos do Norte – Estados Unidos e Europa
– pouco afetou o país. A grande mídia
não divulga, mas a raiz da atual crise
“da Dívida” que abala as economias do
Norte está na crise do setor financeiro.
A crise estourou em 2008 quando as
principais instituições financeiras do
planeta entraram em risco de quebra. Tal
crise dos bancos decorreu do excesso de
emissão de diversos produtos financeiros
sem lastro – principalmente os
derivativos — possibilitada pela
desregulamentação e autonomia do setor
financeiro bancário. Embora tivessem
agido com tremenda irresponsabilidade na
emissão e especulação de incalculáveis
volumes de papéis sem lastro, tais
bancos foram “salvos” pelos países do
Norte à custa do aumento da dívida
pública, que
agora está sendo paga por
severos planos de ajuste fiscal
contra os trabalhadores e crescente
sacrifício de direitos sociais.
Apesar da monumental ajuda das Nações
aos bancos, o sistema financeiro
internacional ainda se encontra
abarrotado de derivativos e outros
papéis sem lastro – tratados pela grande
mídia como “ativos tóxicos”. Grande
parte desses papéis foi transferida para
“bad Banks” [2] em várias partes do
mundo, à espera de serem trocados por
“ativos reais”, principalmente em
processos de privatizações.
Assim funcionam as privatizações: são
uma forma de reciclar o acúmulo de
papéis e transferir as riquezas públicas
para o setor financeiro privado.
Relativamente à privatização da
Previdência dos Servidores Públicos, o
Projeto de Lei PL-1992 cria o FUNPRESP
que, se aprovado, deverá ser um dos
maiores fundos de pensão do mundo.
Na prática, esse
projeto se insere em tendência mundial
ditada pelo Banco Mundial, de reduzir a
participação estatal a um benefício
mínimo, como alerta Osvaldo
Coggiola, em seu artigo “A Falência
Mundial dos Fundos de Pensão”: “Com este
esquema, o que se quer é reduzir a
aposentadoria estatal de modo a diminuir
o gasto em aposentadorias e aumentar os
pagamentos da dívida do Estado.”
A dívida
brasileira já supera os R$ 3 trilhões.
A grande mídia não divulga esse número,
mas o mesmo está respaldado em dados
oficiais [3]. Os fundos de pensão
absorvem grandes quantidades de papéis,
pois funcionam trocando o dinheiro dos
trabalhadores por papéis que circulam no
mercado financeiro. Os tais “ativos
tóxicos” estão provocando sérios danos
aos fundos de pensão, como adverte
Osvaldo Coggiola: “… duas Agentinas e
meia faliram nos Estados Unidos como
produto da crise do capital, levando
consigo os fundos de pensões lastreados
em suas ações. Na Europa, a situação não
é melhor. A OCDE advertiu sobre o grave
risco da queda nas Bolsas sobre os
fundos privados de pensão, cuja
viabilidade está ligada à evolução dos
mercados de renda variável: “Existe o
risco de que as pessoas que investiram
nesses fundos recebam pouco ou nada
depois de se aposentar”.
O art. 11 do PL-1992 não permite ilusões
quanto ao risco
para os servidores federais brasileiros,
pois assinala que a responsabilidade do
Estado será restrita ao pagamento e à
transferência de contribuições ao
FUNPRESP. Em outras palavras, se algo
funcionar errado com o FUNPRESP; se este
adquirir papéis podres ou enfrentar
qualquer revés, não haverá
responsabilidade para a União, suas
autarquias ou fundações. Previdência é
sinônimo de segurança.
Como colocar a
previdência em aplicações de risco? Qual
o sentido dessa medida anti-social?
O gráfico a seguir revela porque a
Previdência Social tem sido alvo de
ferrenhos ataques por parte do setor
financeiro nacional e internacional: o
objetivo evidente, como também alertou
Osvaldo Coggiola, é apropriar-se dos
recursos que ainda são destinados à
Seguridade Social para destiná-los aos
encargos da dívida pública.
As diversas auditorias cidadãs em
andamento no Brasil e no exterior, bem
como a auditoria oficial equatoriana
(2007/2008) e a CPI da Dívida no Brasil
(2009-2010) têm demonstrado que
o único
beneficiário do processo de
endividamento público tem sido o setor
financeiro.
No Brasil, o gráfico a seguir denuncia o
privilégio da dívida, pois
a dívida
absorve quase a metade dos recursos do
orçamento federal, o que explica o
fabuloso lucro auferido pelos bancos
aqui instalados, enquanto faltam
recursos para as necessidades sociais
básicas, tornando nosso país um dos mais
injustos do mundo.
É urgente unir as lutas contra a
privatização do que ainda resta de
patrimônio público no Brasil, pois
é
para pagar a dívida pública e preservar
este modelo de “Estado Mínimo” para o
Social – e “Estado Máximo” para o
Capital – que as riquezas nacionais
continuam sendo privatizadas.
[1] IDH = Indice de Desenvolvimento
Humano
[2] Bad banks = instituições paralelas,
criadas para absorver grandes
quantidades de “ativos tóxicos” que
alcançaram volumes tão elevados que
passaram a comprometer o funcionamento
do sistema financeiro mundial. Até mesmo
o G-20 (grupo dos 20 países mais ricos
do mundo) chegou a pautar, na última
reunião ocorrida en Cannes, a
preocupante questão do Sistema Bancário
Paralelo.
[3] Elaboração: Auditoria Cidadã da
Dívida.
Nota: O valor de R$ 708 bilhões inclui o chamado “refinanciamento” ou “rolagem”, pois a CPI da Dívida Pública comprovou que parte relevante dos juros são contabilizados como tal.
<http://www.viomundo.com.br/politica/maria-lucia-fattorelli-estado-maximo-so-para-os-bancos.html>
Quase metade do orçamento do país é pagamento de dívida! E ainda estão entregando o resto do patrimônio público.
Vejam por que prizatizar é muito ruim para a população.