O processo de
libertação da fé quase sempre é bem lento. Você começa a perceber que o
que você acredita não tem base, mas fica em dúvida, pensando que pode estar
enganado. Primeiramente, você se torna um agnóstico, sem certeza da existência
ou inexistência do objeto de sua fé. Só depois de analisar muito, você é capaz de
chegar à conclusão de que esse objeto de fé é puramente imaginário. Assim
foi meu processo.
Não tenho lembrança de
quando aprendi a falar, o que se diz ser normal. Mas a coisa mais antiga
que lembro que me foi ensinada é: "Creio em Deus pai todo-poderoso,
criador do céu e da Terra; creio em Jesus Cristo, seu único filho, o qual foi
crucificado, foi morto e sepultado, desceu aos infernos e, ao terceiro dia,
ressurgiu dos mortos, subiu ao céu e está assentado à direita de Deus pai
todo-poderoso, de
onde há de vir julgar os vivos e os mortos; creio no Espírito Santo, na santa
Igreja Católica, na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na
ressurreição da carne, na vida eterna, amém."
Lembro de ter
perguntado a minha mãe sobre o significado de várias dessas palavras, pois, dada
a minha idade, muitas delas me eram desconhecidas. A frase "desceu aos
infernos", pouco tempo depois, foi substituída por "desceu à mansão dos mortos",
o que entendi ser a sepultura, o que várias correntes cristãs afirmam não ser.
Com esse primeiro
discurso chamado "credo" na cabeça, a notícia de que uma pessoa não acreditasse
em deus só poderia parecer algo absurdo. A minha idade ainda não me permitia
perceber que estava sendo enganado.
Quando me ensinaram que
a morte e todos os sofrimentos por que passam os seres vivos decorrem da punição
divina à desobediência do primeiro casal, que comeu uma fruta que o deus
proibira, achei um tanto injusto nós e os animais pagarmos pelo erro de um
ascendente de seis mil anos atrás, mas me disseram que "deus sabe o que faz" e
nós não somos capazes de entender a justiça dele.
A expressão "um deus
zeloso que vinga a iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e a quarta
geração" me soava uma coisa inexplicável para vir de um ser justo, mas muitas
coisas me eram ditas para me convencer de que esses deus criador "escreve certo
por linhas tortas".
Certo dia, minha irmã
mais velha resolveu ler o apocalipse para a família. Como diziam que na
Bíblia estava escrito que o mundo não chegaria ao ano 2000, fiquei pensando:
"antes de completar quarenta e dois anos, vou ter que enfrentar aqueles
gafanhotos que picam como escorpiões!" Nunca fui picado por um escorpião, mas era
informado de ser extremamente dolorido. Como eu morava na roça, onde
colhia quase tudo que comia, ser proibido de comprar e vender por não aceitar o
selo da besta não seria tão difícil. Chuva de granizo eu via muito,
mas com pedras enormes, pesando um talento, peso que não tinha ideia do que
fosse mas entendia ser muito, eu sabia ser um temporal inédito, mas pensava que poderia me proteger dela. O que me deixava
preocupado era a possibilidade de morrer tão novo por não adorar a fera.
Depois de quase adulto,
fiquei sabendo que a besta era o papa, que mandava praticar as piores
atrocidades contra quem discordasse da igreja, mas isso já estava no passado.
Todavia, tinha aquela segunda besta, que seria a Igreja Católica unida com as
igrejas protestantes, e isso estava muito próximo. Eu já havia descoberto
que não existia na Bíblia essa menção de que o mundo não passaria do ano 2000;
todavia os eventos, segundo os mestres adventistas, indicavam que tudo poderia chegar ao fim mesmo antes desse
ano.
Como era um cristão
sincero, que queria conhecer bem toda a verdade, estudava atentamente, eu comecei
a levar alguns sustos. Ao ler I Timóteo, 4, fiquei em dúvida se não estava
seguindo homens que "tem a consciência cauterizada", já que a minha igreja
exigia "abstinência de alimentos" diversos, entre eles carne. Comparando
Mateus 24, com Lucas 21, senti que a tal "grande tribulação" de domínio da
"besta" do apocalipse teria começado com o cerco e destruição de Jerusalém, e a
mulher assentada sobre a besta não era a "Igreja Católica", mas a cidade de
Roma, que estava sobre "sete montes". Assim sendo, os "mil duzentos e
sessenta dias", que diziam ser mil duzentos e sessenta anos, não teriam começado
no ano 538 como diziam os adventistas, mas no ano 70. Tentando descobrir qual a religião das milhares
de cristãs estaria com a verdade, descobri que a Bíblia é que é cheia de graves
contradições. Os questionamentos foram minando a minha fé e, por mais que
eu tentasse, não mais conseguia acreditar que esse livro contivesse alguma
verdade.
O aprofundamento do
estudo me tornou agnóstico, o que é o meio do caminho para o ateísmo. Antes
disso, eu já ficava sem compreender como um deus perfeito, justo e bom poderia
punir os filhos pelos erros dos pais. Após analisar bem as clara afirmações de
que a Terra é plana e flutua sobre as águas do mar, sendo o centro do universo,
e que o Sol caminha de uma a outra extremidade dos céus, só pude chegar à
conclusão de que a onisciência do deus dos judeus e cristãos não ia além das
informações equivocadas que os homens tinha dois mil anos atrás. Depois de
verificar que esse deus teria prometido que o trono da descendência de Davi
nunca teria fim e eles iriam dominar sobre todas as nações, mas esse
trono acabou pouco tempo depois, e mais adiante esses foram expulsos da terra
que lhes teria sido dada por Yavé, tive mais certeza de que tudo aquilo eram
fantasias de sonhadores.
Ao analisar certos eventos relativos a Jesus,
como, por exemplo, uma escuridão de três horas sobre sobre toda a Terra, que
não foi vista por ninguém dos observadores que registravam eclipses, concluí que esse salvador
morto e ressuscitado parecia mais ser um invento. Mas esse
processo de completa libertação da fé levou anos.
O fato de
o deus
criador falar pessoalmente com os patriarcas e depois só se manifestar em
revelação em sonho aos chamados profetas já me parecia bastante estranho também.
O mais notável,
entretanto, que observei é que Yavé nunca prometeu ressurreição a Adão, Noé,
Sem, Abraão, Isaque, Jacó, Moisés, Davi, Salomão, etc., só vindo a prometer ressurreição depois de os
judeus viverem na Babilônia. Conjugando isso com o fato de os saduceus não
crerem na ressurreição, comecei a desconfiar que essa ressurreição teria sido
crença aprendida pelos judeus no exílio. E, como evento como as três horas
de escuridão não poderia ter ocorrido sem que mais da metade do mundo visse e
registrasse, essa desconfiança caminhava rumo à certeza.
Ao analisar as
previsões, percebi que, além do trono da descendência de Davi não se perpetuar
para sempre como prometido, descobri que:
Miqueias previu que, quando a Assíria pisasse no
solo de Judá, um rei nascido em Belém destronaria o poderoso império,
repatriaria os israelitas que se encontravam no exílio e estabeleceria um reino
que duraria para sempre. (Miquéias,
5: 2-15)
Nada disso aconteceu, e eles não desconfiaram da farsa da palavra do seu deus e
passaram a esperar que esse salvador surgisse um dia.
Isaias previu que, após a queda de Babilônia, seria
construída a nova Jerusalém, e nunca mais os hebreus seriam molestados por
gentios. (Isaías,
13:19; 65: 17-25)
Após a queda de Babilônia, os judeus continuaram sendo servos dos medos e persas.
Daniel previu que, após a vitória dos macabeus, os
reinos do mundo seriam entregues aos judeus (Daniel, capítulos, 8, 11,
12). Eles ficaram livres por pouco tempo, e vieram os romanos. Mantiveram-se
fiéis a Yavé e tentaram se livrar dos romanos, sendo dispersos pelo mundo.
Não só a monarquia judaica, que seria eterna como o Sol
(Salmos 89:20-37), mas até a terra da promessa eles
perderam.
E, nem assim eles perceberam!
Não perderam a fé; permaneceram aguardando um dia em que seriam donos do mundo.
E nem mesmo Adolf Hitler os fez acordar.
Jesus previu que, após a grande tribulação iniciada
com o cerco e destruição de Jerusalém, ele, Jesus, retornaria com seus anjos
para reunir os cristãos para um reino eterno, sem morte e sem sofrimento.
(Mateus, 24). E isso ocorreria tão breve, que
alguns dos que estavam com ele ainda estariam vivos. (Mateus, 16:
28). Já passaram quase dois mil anos, e ainda tem bilhões de pessoas esperando
esse Jesus!
Se: a ressurreição não vem do começo da Bíblia, mas é
crença
que os judeus aprenderam com os babilônios; o deus onisciente estava tão
equivocado sobre o universo quanto os homens daqueles tempos;
as previsões do
futuro não se cumpriram; e eventos relacionados a Jesus não têm
nenhuma evidência
de ter ocorrido, não haveria razão para eu continuar acreditando no deus que me
pregaram.
Depois de chegar a essa
conclusão, passei muitos anos mantendo-a comigo, imaginando não ser bom destruir
a fé das pessoas, uma vez que muitas delas poderiam se desesperar ao descobrir
que era um engano aquela suposta proteção divina e a esperança de uma vida
eterna. Todavia, depois de mais uns anos, cheguei à constatação de que
a
fé não é puramente ajuda psicológica, mas causa muito mal aos que não se
submetem a esse pensamento, podendo levar a tortura e morte. Aí, decidi
que deveria expor minhas descobertas e contribuir para que o mundo não volte a
ser submetido por um domínio religioso e que os que não creem não venham a perder a liberdade e
ser obrigados a fazer o que uma religião manda.
Assim foi o processo
de libertação da fé: uma percepção gradativa e a decisão de divulgar o conhecimento, em benefício de toda
a humanidade. Sendo o deus dominante apenas o produto da mentalidade
primitiva que recorre até à guerra para perpetuar o engano, não podemos ficar
calados deixando a humanidade à mercê de um pensamento retrógrado que retarda o
desenvolvimento científico e combate contra os direitos humanos.
Quando parei para pensar, pensei em parar e parei de acreditar.