Protestos contra Bolsonaro testam outra vez o fôlego nas ruas neste sábado
Brasília e Rio lideram atos nesta manhã. Há manifestações contrárias ao
presidente marcadas em mais de 400 cidades, pedindo impeachment e celeridade
na vacinação contra a covid-19, e fim da violência contra negros.
Participação de Lula ainda é uma incógnita
Uma indígena Pataxó protesta contra Bolsonaro em Brasília, neste sábado, 19 de
junho.SERGIO LIMA / AFP
Joana Oliveira
Carla Jiménez
São Paulo - 19 jun 2021 - 12:08 BRT
Movimentos antibolsonaristas testam outra vez as ruas neste sábado, depois de
levar multidões a protestar no dia 29 de maio. As frentes Povo sem Medo, Brasil
Popular e a Coalizão Negra por Direitos, organizações que congregam centenas de
movimentos sociais, querem amplificar o grito de “Fora, Bolsonaro”, muito embora
a pauta do impeachment continue parada no Congresso. Na manhã deste sábado,
milhares foram às ruas em várias capitais, como Brasília e Rio de Janeiro. Na
capital, o ato saiu por volta das 9h00 da manhã da Biblioteca Nacional e seguiu
até o Congresso Nacional, quando começou a se dispersar pouco antes da 1 da
tarde. “Ainda que não derrube o Bolsonaro agora, é importante aumentar a força
para derrotá-lo no ano que vem”, disse o aposentado Aldino Graef, ao
correspondente Afonso Benites.
Há atos marcados em pelo menos 409 cidades —foram 230 da última vez—, de acordo
com os organizadores, para pedir o impeachment do presidente, celeridade no
processo de vacinação contra a covid-19, o retorno do auxílio emergencial de 600
reais (o valor pago agora é menos da metade) e o fim do racismo e da violência
policial contra a população negra. Levantamento da Globo News aponta
manifestações em 15 capitais, incluindo Goiânia, São Luís, Recife e Rio de
Janeiro. Os cariocas também levaram o clima de campanha antecipada para as ruas,
informa Naiara Cortázar Galárraga. Nas ruas, estavam à venda as camisetas com o
rosto de Lula.
O protesto deste sábado vai ser um teste também para o ex-presidente Lula da
Silva, que já manifestou vontade de participar dos atos deste sábado, ao
contrário do que aconteceu no dia 29, quando preferiu o silêncio antes e durante
as manifestações. “Não quero transformar um ato político em um ato eleitoral.
Não quero os meios de comunicação explorando isso como o Lula se apropriando de
uma manifestação convocada pela sociedade brasileira”, escreveu ele em sua conta
no Twitter.
As manifestações acontecem às vésperas de que o país alcance a triste marca de
meio milhão de mortos pela covid-19, e com 95.000 óbitos pela doença registrados
nas três semanas que separam este daquele primeiro protesto massivo, de acordo
com os dados do Ministério da Saúde. “Há um sentimento hegemônico de basta, de
não aguentar mais tanto a situação da pandemia, em si, como toda a catástrofe
social do país. As pessoas que tinham assistido às primeiras ondas da pandemia
meio de longe agora se percebem perdendo pessoas próximas”, comenta Douglas
Belchior, porta-voz da Coalizão Negra por Direitos. Nesta sexta-feira, mais uma
vez o Rio de Janeiro assistiu à morte de um jovem negro em meio a uma operação
policial no Complexo do Alemão. Thiago da Conceição, 16 anos, foi baleado na
cabeça dentro de casa, segundo relato dos familiares.
Bolsonaro, porém, conta ainda com apoio irrestrito de eleitores que ignoram os
movimentos sociais e sustentam o discurso do presidente sobre a covid-19 e seu
inexistente tratamento precoce, bem como a suposta ameaça do comunismo. No
último sábado, dia 12, o mandatário promoveu um ato simbólico em seu apoio, com
um comboio de motos em São Paulo que saiu do Campo de Marte, seguiu até o km 62
da rodovia dos Bandeirantes e terminou na região do parque do Ibirapuera, onde
Bolsonaro fez um discurso negacionista. Foi ovacionado pelas pessoas que
ocuparam cerca de dois quarteirões da avenida Pedro Álvares Cabral, boa parte
repetindo o estilo do presidente, sem usar máscaras ou distanciamento.
Nos atos deste sábado manifestantes compareceram de máscaras, e anunciando o
distanciamento para evitar aglomerações. A volta para as ruas acontece depois de
um ano e meio de pandemia e serve de termômetro para sentir a polarização que
deve se estender até o ano que vem. De um lado os antipetistas, e agora, os
antibolsonaristas, especialmente os de classe média, crescem nas ruas à medida
que a pandemia trouxe de volta mazelas que pareciam superadas.
A fome e a CPI
O aumento da fome no país é, segundo os organizadores, outro dos principais
elementos que motivam dos protestos anti-Governo: Em 2020, 19 milhões de pessoas
viviam em situação de fome no país, segundo o Inquérito Nacional sobre
Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da covid-19 no Brasil, um número
27,6% maior do que o de 2018, quando eram 10,3 milhões de indivíduos. Na
quinta-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o brasileiro
desperdiça comida, porque “enche o prato” e deixa “uma sobra enorme” nas
refeições. “O prato de um classe média europeu, que já enfrentou duas guerras
mundiais, é relativamente pequeno e, aqui, nós fazemos almoço e deixamos uma
sobra enorme”, disse ele durante um debate promovido pela Associação Brasileira
de Supermercados (Abras).
“Já existe há muito tempo uma queda de popularidade do Governo Bolsonaro, só
faltava as pessoas se organizarem para ir às ruas. Com o agravamento da
pandemia, isso mudou”, comenta Josué Rocha, porta-voz da frente Povo Sem Medo,
que cita também a pressão política da CPI no Senado que investiga a má gestão de
Bolsonaro e sua equipe sobre a crise sanitária. Na sexta-feira, os senadores
decidiram investigar o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e os ex-ministros
Eduardo Pazuello (Saúde) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores), além de outras
11 autoridades que podem confirmar a existência de um gabinete paralelo que deu
suporte ao presidente em decisões equivocadas que negligenciaram a gestão da
covid-19 e elevaram o número de mortes no Brasil.
O clamor pelo impeachment de Jair Bolsonaro —uma proposta que cresce em
aprovação popular, mas ainda esbarra na resiliência da base social e parlamentar
do presidente— ganha força no contexto em que surgem novas ameaças à democracia
brasileira. A mais recente delas foi o caso de Pazuello, que, sendo um militar
da ativa, contrariou as regras do Exército ao participar de um ato político ao
lado de Bolsonaro no dia 23 de maio, mas teve o caso arquivado e não foi punido
pela entidade de Defesa. “Acho que é um fato muito grave, talvez o mais grave
fato do ponto de vista institucional desde o início do Governo Bolsonaro, e
talvez a mais grave ameaça direta à democracia desde o Governo militar”, resumiu
ao EL PAÍS Celso Amorim, que foi ministro das Relações Exteriores entre 2003 e
2010, durante a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além de ministro da
Defesa entre 2011 e 2015, durante os mandatos de Dilma Rousseff (PT).