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QUANDO NASCEU DEUS MORALIZANTE
A Ciência descobriu quando nasceu Deus
Por ZAP -
22 Março, 2019
A ideia de um deus todo-poderoso que vigia os humanos a partir do Céu e pune os
que se desviam da norma surgiu depois de estes terem trocado a tribo pela
sociedade.
Essa é a principal conclusão de um amplo estudo que revê o surgimento das
sociedades complexas e a ideia do deus moral. Dos antigos egípcios até o Império
Romano, passando pelos hititas, os deuses morais só entram em cena quando as
sociedades se tornam realmente grandes.
A crença no sobrenatural é tão antiga como os humanos. Mas a ideia de um ser
omnisciente vigilante da moral é mais recente. Antes das revoluções neolíticas,
do surgimento da agricultura e das primeiras sociedades, os humanos viviam em
grupos relativamente pequenos, baseados no parentesco.
Na tribo, todos se conheciam e seria difícil ter uma conduta antissocial
sem ser descoberto. O risco de ser apontado, castigado ou
expulso do grupo bastava para controlar o indivíduo. Mas, à medida que as
sociedades se foram tornando mais complexas, as relações com estranhos ao clã
cresciam e, ao mesmo tempo, as possibilidades de escapar à sanção.
Para muitos estudiosos das religiões, a aparição de um deus moral que tudo vê
serviu como “cola” para a coesão social, facilitando a emergência de sociedades
cada vez maiores.
“Mas o que vimos é que os deuses moralizantes não são necessários para que se
estabeleçam sociedades em grande escala”, disse Harvey Whitehouse, diretor do
Centro para o Estudo da Coesão Social da Universidade de Oxford, citado pelo El
País. “Só aparecem depois do forte aumento inicial da complexidade social, uma
vez que as sociedades alcançam uma população de aproximadamente um milhão de
pessoas”.
Com um grupo de cientistas, o antropólogo britânico analisou 414 entidades
políticas surgidas do Neolítico. Na base de dados, reunida no projeto Seshat,
há desde cidades-Estado como Ur até a confederação viking da Islândia
e impérios como o inca e o aqueménida.
Para medir a complexidade, usaram até 55 variáveis diferentes – existência de
estratificação e hierarquia social, se existiam a propriedade privada e a
capacidade de transferi-la, e o desenvolvimento da agricultura e de exércitos.
Os resultados, publicados na revista Nature, mostram que, quando os deuses
morais apareceram, as sociedades já eram na sua maioria muito complexas. Na
verdade, as entidades políticas estudadas apresentavam um aumento médio da sua
complexidade social até cinco vezes maior antes da chegada desses deuses do que
depois.
Só então o deus moral cumpre uma função social: “Talvez se deva a que, chegados
a este ponto, as sociedades fiquem tão grandes que se tornam vulneráveis às
tensões internas e ao conflito. Os deuses moralizantes ofereciam uma via para
que as sociedades continuassem a prosperar apesar de tais tensões, fazendo com
que todos cooperassem para evitar ofender um poder superior atento ao
comportamento com relação aos outros, e sobre o qual se pensava que castigava os
transgressores”, explicou Whitehouse.
As primeiras ideias de um deus moral surgem no antigo Egito, com a figura
de Maat, a filha do
deus Rá. Isto foi 2.800 antes da era atual, vários séculos depois da
unificação das primeiras cidades do vale do Nilo. Segue-a na lista cronológica
Shamash, o deus-sol que tudo vê, do Império
Acádio, meio milénio posterior ao surgimento das civilizações mesopotâmicas.
O mesmo padrão observa-se com a deidade chinesa Tian e os diversos deuses
do Império Hitita, na Anatólia (atual Turquia). Já no primeiro milénio antes da
era atual apareceram o masdaísmo (ou zoroastrismo), o judaísmo e,
já na era atual, o cristianismo e o islamismo. Todas são religiões
com deuses morais surgidas ou evoluídas em sociedades consolidadas.
O estudo mostra que pode haver sociedades altamente complexas sem um deus moral.
Isto não significa que não castigassem os humanos, mas faziam-no por faltar às
obrigações com as divindades do que por ofender outros humanos. A maioria dessas
sociedades é das Américas e Sudeste Asiático.
“Os sacrifícios e as normas de género dos astecas parecem centradas mais na
manutenção universal e na melhoria individual que no estabelecimento de costumes
religiosamente controlados no qual alguns deuses moralizantes ameaçam punir as
ações interpessoais impróprias”, comenta o arqueólogo Alan Covey, da
Universidade do Texas.
“Os textos maias parecem mostrar, ao menos no âmbito dos reis, que as razias e
os sacrifícios humanos eram eventos memoráveis, e não atos pelos quais se
pudesse temer uma desaprovação moral sobrenatural”, acrescenta. “Isto encaixa-se
com os traços gerais da visão do mundo andina e as práticas de sacrifícios
locais e estatais do Império inca”, conclui.
O estudo vai mais além e julga encontrar uma conexão entre aparição da
escrita e a emergência dos deuses morais. Em 9 das 12 regiões do planeta
analisadas, os primeiros registos escritos aparecem em média 400 anos antes das
primeiras referências aos deuses morais. Isto “sugere que estas crenças não
estavam muito difundidas antes da invenção da escrita”, opina Whitehouse.
Por outro lado, o diretor do Instituto para a Ciência da História Humana, o
biólogo evolutivo Russell Gray, argumenta que “as provas de deuses moralizantes
são difíceis de encontrar antes da invenção da escrita, mas isso não significa
que não haja nenhuma. Os primeiros escritos eram principalmente documentos sobre
transações financeiras, não sobre crenças religiosas”, acrescenta.
Gray é um dos maiores defensores de que o castigo divino entendido num sentido
amplo é um precursor da complexidade política e social. Entretanto, reconhece
que “os deuses morais são uma criação relativamente recente”.
<https://zap.aeiou.pt/quando-nasceu-deus-247483>
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