Religião ou
superstição não são duas coisas bem separadas. No fundo, é uma coisa só. Alguns
tentam encontrar diferenças, mas elas só existem nas cabeças deles. A religião
de um pode ser a superstição de outro e vice-versa.
"Superstição ou religião?
Superstições são tão antigas quanto a humanidade. Existem desde a época em que
os primeiros grupos humanos louvavam a natureza com seus rituais pagãos. Antes
de o cristianismo se tornar religião oficial do Império Romano, por exemplo, no
século 4, magia e superstição eram costumes bastante populares. Os homens
daquela época viviam mais próximos dos seus deuses, e fazer pequenos feitiços
era tão normal quanto plantar ou colher. Até que as religiões monoteístas
deflagraram uma guerra ao paganismo e à feitiçaria, condenando qualquer um que
não concordasse com suas regras de comportamento. Superstição virou sinônimo de
ignorância, coisa de povos "menos desenvolvidos". "É complicado definir o que
é exatamente superstição. Porque a crença do outro é sempre a supersticiosa,
nunca a nossa", diz Ricardo Mário Gonçalves, professor aposentado de
história das religiões da USP. "Superstição envolve avaliações extremamente
subjetivas. Ficamos todos com a impressão errada de que só os fracos acreditam
nessas bobagens", afirma. Professor do Departamento de Sociologia da USP e autor
do livro A Magia, Antônio Flávio Pierucci vê na confissão católica, que permite
zerar os pecados praticamente num vapt-vupt com o padre, um bom exemplo de como
o que é crença para uma pessoa pode facilmente soar como esquisitisse para
outra. "Os protestantes acham a absolvição (confessional) algo esquisitíssimo,
quase feitiçaria. Tudo depende do ângulo pelo qual avaliamos os costumes
alheios", afirma.
Mas, apesar de ser possível apontar características supersticiosas dentro de
praticamente todas as religiões, os pesquisadores consideram um equívoco
confundir as duas coisas. "Religião não é magia. Enquanto uma prática
supersticiosa, como uma simpatia ou um talismã, serve para melhorar nossa
existência aqui e agora na Terra, a religião trata da vida espiritual. A
superstição traz um benefício imediato, enquanto a religião busca a paz divina,
envolvendo normas éticas e códigos de conduta", diz Pierucci" (Superinteressante,
maio/2006).
"O historiador Gaio Suetônio Tranquilo (70-140 c.),
funcionário imperial de alto nível sob Trajano e Adriano, intelectual e
conselheiro do imperador, justificará a decisão e as sucessivas intervenções do
Estado contra os Cristãos definindo-os como «superstição nova e
maléfica»; palavras muito pesadas"
<Teresio
Bosco,
As Catacumbas Cristãs de Roma:
http://www.catacombe.roma.it/br/ricerche/ricerca2.html>
Não obstante a tentativa de separação feita por Pierucci, se verificarmos de
forma bem profunda, concluímos que ela não existe.
Tomemos como exemplo a superstição de bater na madeira: "o hábito de bater na
madeira apareceu milhares de anos atrás entre os pagãos, que acreditavam que as
árvores serviam de moradia dos deuses. Para chamar o poder das divindades, povos
como os celtas batiam nos troncos, afugentando maus espíritos". Agora,
pergunta-se: Que diferença há entre bater na madeira, por acreditar ser ela a
morada de um deus, e carregar um crucifixo, por acreditar que um deus morreu
pregado em uma cruz? Se, para um cristão, um deus pai enviou um deus filho, que
morreu pregado em uma cruz, para os antigos nórdicos, diversos deuses viviam nas
árvores, e o bater na madeira era a invocação desses deuses. Se não temos mais
prova da existência de Yavé do que a dos deuses dos nórdicos, como podemos
chamar de religião a crença no poder da cruz e superstição a
crença no poder da
madeira, se por trás das duas estão seres que pertencem ao mundo da fé? Como se
poderia afirmar que "religião busca a paz divina" e a superstição não, se o ato
aí tratado como superstição se fundamenta em proteção divina da mesma forma que
o outro tido como ato religioso? A diferença vista pelo professor Pierucci está
apenas no fato de ele não ver os deuses dos nórdicos no mesmo patamar do deus
dos cristãos. Superstição é sempre a religião dos outros.