SACRIFÍCIOS
CRUÉIS E LIBERDADE RELIGIOSA
Movimento tenta impedir sacrifício de animais por motivos religiosos
Desde 2010, ONG salvou 30 bichos que seriam mortos de forma dolorosa em
oferendas
Clarissa Pains Silva (Email · Facebook · Twitter)
Publicado: 13/08/13 - 12h39
Atualizado: 13/08/13 - 23h28
Animal
que seria sacrificado para oferenda religiosa: uma galinha, hoje chamada Beta.
RIO - Em três
anos de existência — completados este mês —, o projeto "Bicho Sagrado", da ONG
SOS Aves & Cia, recolheu 2.648 animais que seriam sacrificados em oferendas
religiosas. Desses, 30 conseguiram sobreviver e estão hoje em um dos dois
abrigos da ONG, em Saquarema e em Itaipava. O trigésimo bichinho salvo foi a
galinha Beta, que teve uma asa amputada durante um
despacho em Niterói.
— Não temos nada contra a religião de ninguém, mas torturar animais é crime
tipificado na lei, passível de prisão e multa. É preciso saber o que é
religiosidade e o que é crime de maus-tratos — afirma o presidente da ONG, o
ambientalista Paulo Maia.
Segundo o capítulo cinco da Lei 9.605, matar animais é
apenas permitido para saciar a fome, proteger lavouras e no caso de o animal ser
nocivo ao ser humano. Para qualquer outra finalidade, é considerado
crime.
Para o axogum (sacerdote de Ogum) Marcelo Monteiro, diversas oferendas com
animais encontradas em ruas e encruzilhadas são feitas por pessoas que não estão
diretamente envolvidas com o Candomblé ou com qualquer outra religião
tradicional de matriz africana. Segundo ele, no Candomblé, os sacrifícios são
válidos apenas quando a morte do animal é rápida e a dor é minimizada.
— No sacrifício, a carne do animal sacrificado serve para nos alimentar, o couro
serve para a produção de materiais, e assim por diante. Nada é jogado fora. O
sacrifício é justamente para trazer toda a força vital do animal para nós, por
meio principalmente do alimento — explica ele, que, por ser axogum, é uma das
pessoas encarregadas de realizar sacrifícios durante os rituais. — Logo, dentro
da nossa religião, é impensável deixar um animal morto abandonado numa rua. Só
que existe um imaginário popular sobre as religiões africanas, que faz com que
pessoas de fora das matrizes tradicionais passem a fazer oferendas que não
seguem nossos preceitos.
De acordo com Monteiro, uma campanha de conscientização poderia ajudar a evitar
maus-tratos de animais com o pretexto da realização de oferendas. Ele alega, no
entanto, que a proibição de sacrifícios durante cultos religiosos seriam exemplo
de intolerância.
— O sacrifício de animais é parte fundamental da nossa religião e da nossa
cultura. Tentar proibí-lo é um desrespeito ao estado laico e às tradições
africanas. É intolerância religiosa. O que se pode fazer é levar conhecimento às
pessoas para que elas saibam que existe momento e local certo para esses
sacrifícios.
Os mais de mil voluntários da SOS Aves & Cia, espalhados pelo estado, colecionam
episódios em que, por um triz, deixaram de resgatar algum bichinho prestes a ser
morto de forma dolorosa e sem finalidade. O presidente da instituição, Paulo
Maia, conta que arrancou um pato negro — espécie
legitimamente brasileira — das mãos de uma mulher, na porta do cemitério de
Inhaúma, que se dizia incorporada por Cleópatra e pretendia decapitá-lo. O
pato estava com o bico amarrado e com várias agulhas espetadas no corpo.
Outro orgulho de Maia é um dos primeiros animais salvos, no início do projeto,
em 2010: um bode encontrado sozinho em Itaipava com sete
facas na cabeça. Surpreendentemente, ele conseguiu sobreviver ao ser
tratado por veterinários da ONG.
— As pessoas precisam ter coragem de denunciar. Um bode agonizando em uma
encruzilhada não é religiosidade, sob hipótese alguma. É crime e tem que ser
punido — defende Maia.
Para denunciar abusos contra animais, basta clicar na aba "Denuncie" do site
www.sosavesecia.org.br
(a denúncia vai instantaneamente do site para o telefone dos voluntários da ONG)
ou ligar para uma das unidades do Corpo de Bombeiros, que entram em contato com
a SOS Aves & Cia. Todas as denúncias são anônimas.