OS SETE PECADOS CAPITAIS À LUZ DA CIÊNCIA

02/01/2010

"Tentações sob a luz da ciência
Pesquisadores de várias partes do mundo se debruçam sobre a origem dos sete pecados capitais para tentar entender as razões biológicas e sociais que levam os homens a cometê-los

Paloma Oliveto e Tatiana Sabadini

Todo mundo, um dia, já caiu na tentação. Seja a de comer demais, cobiçar o bem alheio, envaidecer-se de algo a ponto de alardear suas conquistas aos quatro cantos do mundo. Ou passar um dia inteiro deitado, sem fazer nada; entregar-se aos prazeres descompromissados do sexo, esconder dinheiro para não emprestar, enraivecer-se a ponto de disparar socos e pontapés. Para cada um desses excessos, há um nome. Juntos, eles compõem os sete pecados capitais, descritos pela primeira vez no fim do século 7, quando o papa Gregório fez uma lista das sete piores paixões humanas.

Apesar de nomeados pela Igreja Católica, soberba, inveja, ira, preguiça, avareza, gula e luxúria são vícios malvistos por várias sociedades, antes mesmo que Jesus Cristo fundasse a nova religião.

Na mitologia greco-romana, são temas passíveis da fúria dos deuses, que, mesmo do alto da majestade olímpica, também não estavam incólumes às paixões humanas. O budismo ensina a se desapegar dos desejos corporais e, para o hinduísmo, a avareza é um mal destruidor. Mesmo os agnósticos não deixam de torcer o nariz para os vícios que, moralmente, nos parecem mais odiosos, como o ócio ou o orgulho desenfreado.

A ciência, porém, veio nos redimir de todas as nossas culpas. Psicólogos sociais estão debruçados sobre a origem dos pecados capitais. Neurologistas já descobriram que a chave para muitos dos sentimentos considerados ruins está na fisiologia do cérebro. Pesquisadores mostram que um vício pode ser, muitas vezes, o jeito que o ser humano encontra para sobreviver, o que Charles Darwin chamaria de pura evolução.


SOBERBA

Ela é a mãe de todos os pecados. A soberba, também chamada de orgulho, arrogância, pretensão ou vaidade, fez Eva desafiar as ordens divinas e provar do fruto proibido. Instigada pela serpente, a mulher nascida da costela de Adão sentiu-se maior do que realmente era. Quis conhecer o segredo de Deus e ainda levou o marido junto. O resto da história, todo mundo sabe: expulsão do Paraíso, uma tragédia fratricida e o peso de carregar, até o fim dos dias, a culpa original, salva apenas pela Paixão de Cristo.

A ciência agora tira a carga de culpa que sempre envolveu o sentimento. "Eu diria que o orgulho é completamente natural e benéfico quando não chega aos extremos", disse o psicólogo social David DeSteno, professor associado da Northestern University, nos Estados Unidos, e autor de diversos trabalhos sobre o assunto. O mais recente foi publicado no ano passado e relaciona orgulho e perseverança.

De acordo com o especialista, ser vaidoso é uma questão de sobrevivência. Relaciona-se melhor no mundo quem tem uma atitude de autoapreciação. "O orgulho pode ser extremamente funcional, já que nos impele a perseverar nas nossas tarefas, desenvolver mais habilidades, para sermos valorizados dentro de um grupo. Quando você está feliz, não precisa trabalhar pesado para parecer melhor. Na nossa pesquisa, mostramos que a vaidade conduz à perseverança", diz.

O psicólogo, porém, alerta que há um limite. "Se uma pessoa vai bem em uma tarefa, ela geralmente vai se sentir orgulhosa e encorajada a fazer ainda melhor. Porém, algumas pessoas generalizam esse sentimento. Sentem-se orgulhosas em relação a tudo. Esse senso de ‘eu sou bom em absolutamente tudo’ pode rapidamente se transformar em húbris", diz DeSteno. Ele se refere ao termo grego que diz respeito a uma insolência tão grande que chega a ser uma afronta moral. Os deuses de Atenas costumavam punir quem demonstrava arrogância em demasia.


IRA

O coração se acelera, o sangue ferve, a pulsação fica incontrolável. E assim, de repente, vem a fúria. Uma explosão pronta para despertar o que há de pior em cada um. A raiva pode transformar o melhor dos homens, causar tragédias, destruir relacionamentos e mudar destinos. Afinal, o sentimento que nos deixa impulsivos e fora de controle pode ser mais forte. Os cientistas garantem que há redenção para o mal e que é possível usar esse sentimento para o próprio bem.

Todas as pessoas sentem raiva de vez em quando, mas algumas a experimentam com mais frequência e muito mais intensidade que as outras. Para Eric R. Dahlen, professor de psicologia da University of Southern Mississippi, a explicação pode estar tanto em algum componente genético quanto psicológico. "De fato, existem evidências de que algumas crianças podem nascer com grande propensão para a raiva. Ao mesmo tempo, existem evidências que mensagens socioculturais informam o que nos provoca ira e nós aprendemos quando e como é aceitável expressá-la", diz.

Segundo ele, grande parte da nossa experiência emocional está ligada a como reagimos a diferentes situações e eventos. Se alguém, por exemplo, está dirigindo para o trabalho em uma manhã qualquer e é fechado por outro motorista bruscamente, é capaz de ficar frustrado e levemente irritado se acreditar que a manobra perigosa foi fruto de distração da outra pessoa. "Agora, se você estiver convencido de que o motorista o cortou intencionalmente, você vai ficar com mais raiva. Então, o que pensamos sobre as situações que acontecem conosco pode influenciar nossas emoções", afirma.

Ter raiva, porém, é um sentimento natural, dizem os especialistas. Já a ira aponta quando algo não está certo ou alerta quando existe um possível problema. As pessoas que se sentem assim têm menos tolerância a frustrações e geralmente colocam expectativas irreais nos outros. O ciclo não para por aí. O corpo também sente os efeitos da fúria. Ela desperta a adrenalina, aumenta a tensão muscular, altera a pressão arterial, pulso, respiração e metabolismo. Estimula uma resposta para ir ou fugir do problema "Um dos problemas associados a raiva crônica é que quando esse sistema é estimulado constantemente pode causar uma série de problemas de saúde como pressão alta e doenças cardiovasculares", adverte Dahlen.


INVEJA

Muito antes de Jesus ser entregue à lei cesarista, cuja pena para os considerados traidores era a morte na cruz, a inveja já rondava a história. Seja no mito de Caim e Abel ou o da própria construção de Roma — Rômulo matou Remo depois de uma discussão sobre qual seria o fundador legítimo da cidade —, o sentimento é geralmente associado a tragédias, independentemente da crença de quem o descreve. Pagãos, cristãos, judeus, muçulmanos, todos têm um caso sobre inveja para contar. E o fim jamais é feliz. Hoje, a ciência explica esse sentimento que ninguém gosta de admitir ter, mas do qual nem mesmo nossos "primos próximos", os macacos, escapam.

"A inveja é um sentimento natural e normal. Bebês mostram sinais de inveja ainda com 6 meses de vida. E não é algo apenas humano. Os micos respondem negativamente quando são tratados de forma diferente dentro de um grupo. Pesquisadores já mostraram que, se um macaco é recompensado com um pepino e o outro com uma banana, o que ganhou o pepino vai se recusar a colaborar", conta Simone G. Shamay-Tsoory, professora de psicologia da Universidade de Haifa, em Israel. Ela é autora de um estudo que explica as origens neurológicas do sentimento.

Com uma equipe de neurologistas, Simone avaliou um grupo de indivíduos de 18 a 62 anos de idade, formado por homens e mulheres com mais de 12 anos de educação formal. Eles tinham de analisar figuras nas quais apareciam situações de inveja e schadenfreude (palavra alemã que significa vibrar com o insucesso alheio). Já sabendo que uma área do cérebro chamada córtex pré-frontal ventromedial está ligada a condutas sociais, como a tomada de decisões, a cientista imaginou que esses sentimentos também estivessem relacionados com a estrutura.

No grupo pesquisado, algumas pessoas apresentavam lesões, como coágulos e hematomas, nessa área do cérebro. No teste a que foram submetidas, elas mostraram pouca percepção dos sentimentos de inveja e regozijo diante das adversidades dos outros. Já entre os que possuíam a estrutura cerebral intacta, exames de ressonância magnética mostraram que a região cerebral ficou mais ativada quando eram colocados diante de situações nas quais a inveja e o schadenfreude eram evidentes.

Em excesso, diz a cientista israelense, a inveja é patológica. "Nesses casos, emoções normais tornam-se acentuadas e o indivíduo tende a sentir inveja de várias coisas. Já foi comprovado que pessoas com neuroses graves são mais acometidas de inveja", diz. Nem sempre, porém, o sentimento é ruim. Em boa medida, também é responsável pela evolução humana. "Ela é um produto da competitividade. Já foi sugerido que a evolução do pensamento social pode ter emergido em parte pelas situações competitivas. Os que eram mais competitivos levaram vantagens evolutivas", diz a psicóloga.

PREGUIÇA

Não se engane com a preguiça, ela pouco tem a ver com a moleza ou a momentânea falta de vontade de fazer algo. Ela é muito mais forte e um de seus poderes é deixar a vida vazia, sem sentido. Por isso, dos sete pecados capitais, talvez ela seja a mais dolorosa, sofrida e destrutiva. A acedia, como também é conhecida, é o enfraquecimento da alma, que nos afasta da realidade e de nós mesmos.

"O pecado da preguiça é uma letargia que aos poucos suga a vida ou deixa um vazio no espírito. É caracterizado pela falta de paixão, de vontade e de motivação que nos leva à melancolia, à apatia e à indiferença", explica Claude Barbre, psicólogo e professor da Escola de Psicologia Profissional de Chicago. Na Idade Média, ter esse sentimento de não querer mais viver era um verdadeiro suplício para os religiosos. Ninguém conseguia entender como era possível fazer uma recusa tão amarga e avassaladora de aproveitar a vida.

Quando esse pecado chega, ele pode ser avassalador. Nos sentimos perdidos em um enorme vazio e poucas coisas fazem sentido ao atingirmos a depressão espiritual. Do ponto de vista psicológico, a acedia geralmente vem acompanhada de desordens narcisistas em que faltam para a pessoa fontes internas de conforto e consolo para sua existência. "É uma turbulência da mente, um distúrbio de si mesmo. Também pode se manifestar hoje em dia nas nossas questões contemporâneas e fissuras interpessoais", comenta o psicólogo americano.

A preguiça, porém, também pode ser positiva. Ela pode funcionar como um alerta de que precisamos reanimar nossa capacidade de amar. Está aí a principal diferença entre esse pecado e a depressão clínica. "De acordo com os primeiros ascéticos, isso queria dizer que, quando não tínhamos nada para nos fazer levantar, éramos jogados de volta à nossa essência. E, com isso, uma nova consciência poderia surgir e falar conosco quando todos os limites desapareciam. Essa perda pode nos fazer encontrar uma nova motivação e um sentido mais profundo para a vida", diz o psicólogo.

GULA

A imagem dos frades glutões com uma suculenta coxa de frango entre os dentes é muito pouco religiosa. Desde o Antigo Testamento, a Bíblia alertava os fiéis: "Aqueles que em comidas finas se comprazem definham pelas ruas". A relação com os alimentos é intensa nos livros sagrados — a maçã fez com que o homem fosse expulso do Paraíso, o maná salvou os hebreus da fome na travessia do Egito, Jesus transformou o próprio corpo em pão. Mas comer mesmo depois de saciada a necessidade do organismo deturpa a alma, afirmavam os profetas.

Numa sociedade em que a obesidade já é considerada epidemia mundial, o número de pecadores ultrapassa o dos retos de coração — ou, pelo menos, de estômago. Como resistir às tentações das redes de fast food, dos restaurantes refinados, dos pães e doces exibidos em prateleiras provocativas? Entupir-se de guloseimas, porém, pode não ser uma afronta tão grande aos céus. Especialistas sugerem que comer demais está além das nossas vontades. Para algumas pessoas, trata-se de um problema nos genes.

Professora da Universidade College London, na Inglaterra, Jane Wardle descobriu um defeito genético que faz com que seus portadores comam além da conta. O estudo foi conduzido com 131 crianças britânicas entre 4 e 5 anos de idade, para as quais foi oferecido um prato de biscoitos uma hora depois do café da manhã. A pesquisadora descobriu que, entre os meninos e meninas que aceitaram a sobremesa, a prevalência do gene defeituoso era maior, comparado com aqueles que recusaram a guloseima.

Ao analisar os dados genéticos dos participantes do estudo, Jane Wardle constatou que os pequenos comilões apresentavam uma de suas duas cópias do gene FTO com variações. Pesquisas anteriores realizadas com adultos já haviam comprovado que quem é portador do problema pesa em média 3 quilos a mais. Já as pessoas que carregam um dos dois genes com defeito é geralmente 1,5 quilo mais pesadas que o restante da população. "A gula ocasional não nos preocupa. Mas o estudo mostrou que algumas crianças simplesmente não sabem como parar, e isso pode levá-las à obesidade e uma vida inteira de problemas de saúde", diz a pesquisadora.

AVAREZA

Ela surge acompanhada de uma urgente e ilimitada vontade de querer mais — independentemente do que já se tem ou do impacto que aquele desejo pode ter no próximo. A avareza é uma forma excessiva e insaciável de carência. Para os religiosos, ela nos faz ultrapassar os limites das nossas verdadeiras necessidades, uma ganância sem fim. Especialistas explicam o que está por trás dessa ambição desenfreada que se desenvolveu ainda mais com o passar dos séculos.

Para entender melhor esse pecado, é preciso saber que ele não está apenas na ganância pelo dinheiro e pelo poder. "Nossa avareza também está na comida, no sexo, nas drogas e no álcool. Nós produzimos um comportamento de vício, com um crescimento do abuso de substâncias sem o sentido de limite ou de saciedade", explica Sue Grand, psicanalista americana e autora do livro The reproduction of evil: A clinical and cultural perspective (A reprodução do mal: uma perspectiva clínica e cultural).

O desejo desenfreado pode ser influenciado pelas nossas primeiras experiências. A infância humana é cheia de vontades e dependência, as necessidades são sempre urgentes e vemos o mundo como um lugar que ou vai nos gratificar ou nos privar de algo. Segundo Sue Grand, quando passamos para a adolescência, precisamos descobrir que vivemos em um mundo relacional, no qual nossas necessidades não podem predominar e ultrapassar os sentimentos dos outros. "Se falhamos em ensinar a uma criança essas duas experiências, o seu sentimento de necessidade pode se transformar em uma avareza intensa", explica.

Geralmente, as crianças que são privadas de amor e limites sentem um intenso desejo por algo mais. Em vez de reconhecer isso como um problema, a família desvia a atenção para essas necessidades emocionais e acaba enfatizando a aquisição material, o poder, o status e o dinheiro como um substituto para esse sentimento de carência. Para a especialista, o trauma da infância nos segue até a fase adulta e traz consequências para nossa vida e personalidade. "A necessidade (de afeto) real fica escondida, a criança permanece faminta, a fome se transforma em urgência e na avareza, vista nas mais diversas culturas", afirma a psicanalista.

LUXÚRIA

Não foi por falta de aviso. Os anjos do Senhor alertaram o patriarca Abraão: os pecados de Sodoma e Gomorra haviam passado dos limites. Mas a população das duas cidades às margens do Mar Morto fizeram ouvidos de mercador. Continuaram suas práticas libidinosas, que, por sinal, deram origem à palavra sodomia — em bom português, sexo anal. O jeito foi despejar do céu toneladas de enxofre — o cheiro do coisa ruim, dizem os que já sentiram — e eliminar a luxúria do mapa.

Se das duas cidades cananeias não sobraram rastros, o mesmo não se pode dizer do pecado que fez Deus destruí-las. O medo de virar cinza parece não ter assustado a humanidade, sempre às voltas com as tentações da carne. Especialistas contam por que homens e mulheres veem no sexo muito mais que uma razão para procriar.

"Primeiro de tudo, vamos à grande dificuldade, que é a de definir luxúria", diz o psicólogo neozelandês Philip Shelton, autor de um livro sobre o assunto (Lust, não publicado no Brasil). Para São Tomás de Aquino, explica o especialista, qualquer ato carnal que não visasse à procriação está condenado a entrar no rol dos sete pecados. "Mas a ciência não entende dessa forma. Eu, pelo menos, não. Quem, hoje, ainda pode acusar um casal de namorados de ser pecaminoso por fazer sexo antes do casamento?", questiona.

Na opinião de Shelton, o que mais se aproxima da luxúria como abominação social é a compulsão, que pode fazer mal a alguém. "No caso dos ‘viciados em sexo’, para quem estão fazendo mal? Para eles mesmos. Porque perdem completamente o domínio da própria vontade. É como comer demais quando se já está de estômago cheio. Devorar uma barra de chocolate pode ser delicioso, mas algumas pessoas comem não uma, mas duas, três, quatro, mesmo sem saber o que estão fazendo. E depois sofrem com isso", diz."

(Estado de Minas, 02/01/2009, Caderno Nacional, págs. 8, 9).

 

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