Mariana Garcia
Economistas criticam "políticas sociais de nova geração"
propostas pelo Banco Mundial e alfinetam ortodoxia do
Ministério da Fazenda. Para reduzir desigualdade é
preciso gastar muito mais com o social.
E, para isso, é preciso crescer
No ano passado, assistiu-se a um embate público característico de duas visões
distintas de projeto econômico e social para o Brasil. A ministra Dilma
Rousseff (Casa Civil) disse que o governo “enxugava gelo” ao economizar para
pagar juros da dívida, pois, para ela, não adiantava fazer superávit primário
(dinheiro que se reserva ao pagamento da dívida) sem uma queda consistente dos
juros. Em contrapartida, o ministro Antônio Palocci (Fazenda) pronunciou-se
contra “gastadores irresponsáveis”.
Aplaudido pela grande imprensa, o ministro e sua ortodoxia representariam a
garantia de que “a economia estaria a salvo de mágicas, das intervencionices e
dos rasgos populistas”, como afirmou a revista Veja (30 nov. 2005).
Divergências a respeito da condução da política econômica têm crescido no país.
Isso porque, embora esteja fazendo o ajuste fiscal (economia de gastos públicos
para honrar os compromissos da dívida), o Brasil tem crescido a taxas menores
que outros países em desenvolvimento; o endividamento financeiro do setor
público não tem diminuído; e a taxa de juros tem sido uma das maiores do mundo –
impedindo condições de crédito favoráveis a novos investimentos produtivos e
conseqüente criação de empregos.
Críticas ao modelo econômico existem em setores do próprio governo e também
partem de certos economistas brasileiros, que questionam as restrições ao gasto
social levadas a cabo pela disciplina fiscal implantada a partir do início da
década de 1990.
Como tem sido feita a política social no contexto de baixo crescimento? Quais
são os resultados do ajustamento do gasto social às restrições impostas pela
economia? É isso que tentam responder especialistas da área.
Focalização: o mais barato
O relatório do Banco Mundial para América Latina e Caribe, Redução da Pobreza e
Crescimento: Círculos Virtuoso e Vicioso, divulgado em fevereiro, afirmou que
o
combate à pobreza através de gastos públicos “mais eqüitativos” seria essencial
para impulsionar o crescimento econômico. Foram recomendados programas de
transferência de renda aos mais pobres, como o Bolsa-Família. Mas programas que,
segundo o relatório, são “voltados para camadas abastadas da população”, como
aposentadorias, pensões e investimento em universidades públicas, foram
apontados como entraves ao desenvolvimento dos países.
Em 2003, foram gastos com o Bolsa-Família aproximadamente R$ 3,5 bilhões, ou
seja, 0,23% do PIB brasileiro. Em 2004, esses gastos subiram para R$ 5,7
bilhões, 0,32% do PIB. Comparados aos gastos com a Seguridade Social, os valores
das chamadas “políticas sociais de nova geração” são bastante modestos; mas
crescem a cada ano.
Políticas sociais para determinados grupos, em detrimento
da garantia de direitos universais, como previdência e seguro-desemprego,
são criticadas por economistas não-liberais.
Denis Maracci Gimenez, professor do Instituto de Economia da Unicamp e
pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit),
por exemplo, diz não ser contra programas de transferência direta de renda, mas
afirma que “querer transformar isso no eixo central da política social do Brasil
é um problema”. Gimenez, que atualmente desenvolve trabalho de doutorado sobre
orientações de agências multilaterais para o gasto social de países em
desenvolvimento, destaca que as políticas sociais de “nova geração”
diferenciam-se das estruturas de Bem Estar Social (previdência, saúde, educação)
pois, além de ter custos reduzidos, podem ser modificadas conforme a disposição
dos governantes. Ao explicar que a política social "flexível” dá solidez à
condução da política macroeconômica, Gimenez diz: “Se ameaçar o ajuste fiscal, é
fácil: é só diminuir o número de benefícios ou seu valor – o que não dá para
fazer na previdência, que é um direito: teve arrecadação, vai ter que receber”.
Segundo outro pesquisador, Davi José Nardy Antunes, também professor do
Instituto de Economia da Unicamp, a desigualdade social não pode ser reduzida
com corte nos gastos sociais, sejam eles universais ou focalizados. Para ele,
somente a redução de gastos com juros poderia ser efetiva na melhora das
condições de vida da maioria da população.
Em 2005, o Brasil gastou R$ 25,8 bilhões em educação e cultura e R$
6,5 bilhões
com o Bolsa-Família. Por outro lado, entre janeiro e setembro do mesmo ano, em
apenas nove meses o país gastou R$ 120 bilhões com juros. (http://www.planejamento.gov.br
e http://www.planejamento.gov.br/... /desp_sociais_funcao.pdf).
A focalização do gasto social nasceu no início da década de 1960, nos Estados
Unidos, como política social acessória para determinados guetos e grupos (mães
solteiras, por exemplo) em uma sociedade opulenta. Hoje, ao contrário, a
orientação para a focalização se dá em um cenário de rigor fiscal.
No Brasil, 1/3 da população está abaixo da linha de pobreza (53 milhões de
pessoas). Agências multilaterais, como o Banco Mundial, chegam a sugerir
políticas sociais focalizadas até para países ainda mais pobres, como os da
África.
Gastos públicos: altos e mal direcionados?
A idéia de que o gasto público no Brasil é elevado e mal utilizado - presente em
vários documentos de agências multilaterais, em estudos do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA), ligado ao Ministério do Planejamento, e, muitas
vezes, existente no senso comum - deve ser relativizada. Dados referentes à
porcentagem do PIB são utilizados para mostrar quão altos são os gastos sociais
no Brasil. Porém, as especificidades do país são escondidas ao usar essa
metodologia, de acordo com Gimenez. Em educação, por exemplo, o Brasil investe
4,3% do PIB e a Alemanha 4,9%. Isso colocaria o gasto brasileiro em educação em
níveis próximos de países centrais. Todavia, como o PIB alemão é muitas vezes
superior ao do Brasil, a comparação apresentada é artificial.
O Brasil gasta em ensino US$ 123 per capita ao ano, enquanto a Alemanha investe
mais de US$ 1.000, a França, US$ 1.264, e a Itália, US$ 897, segundo o
professor.
Um argumento usado para a redução de gastos sociais universais é o de que estes
só beneficiariam os 20% da população de rendimento mais elevado, ou seja, os
mais ricos.
Porém, conforme dados da Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio (PNAD) de
2003, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e
utilizada pelo Ministério da Fazenda (2003), rico seria o brasileiro com
rendimento per capita superior a R$ 440. Mesmo que se pudesse considerar alguém
que ganha esse valor mensal como “rico”, certamente, este seria rebaixado a
pobre se tivesse que pagar por sua educação.
Conquistando bolsos e mentes
Desemprego e queda do nível de renda para trabalhadores formais, funcionários
públicos e trabalhadores rurais são conseqüências nocivas, a curto prazo, das
reformas liberais implementadas. Economistas ortodoxos admitem efeitos negativos
que podem ser provocados por medidas supostamente importantes ao crescimento,
mas os desajustes sociais trazidos pela liberalização do comércio seriam
passageiros. Depois do duro ajustamento e do período difícil da transição, se
feitas todas as reformas liberais, os países teriam condições de crescer e,
assim, acabar com a pobreza.
Pelo ponto de vista do Banco Mundial, por exemplo, o ajuste compreende um
período de transição que requer políticas sociais que minimizem riscos
políticos. Com recomendação por transferência direta de renda e políticas
focalizadas, o objetivo seria conseguir apoio político dos estratos mais
empobrecidos da população para minar as resistências políticas da classe média e
dos servidores públicos.
Ao lado de outros economistas, Gimenez critica o caráter de transitoriedade
contida no ajuste. “As reformas já mostraram que o crescimento não vem. As
reformas nunca se completam. O ajustamento não tem fim: é permanente”,
sentencia.
Enquanto a miséria foi reduzida em 42% entre os chineses, com uma expansão do
PIB próxima a 8,5% ao ano entre 1981 e 2000, a América Latina manteve níveis de
pobreza inalterados e amargou taxas medíocres de crescimento (seu PIB per capita
caiu 0,7% durante os anos 1980 e aumentou cerca de 1,5% anuais na década de
1990).
Segundo o professor e diretor do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do
Trabalho (Cesit) da Unicamp, Carlos Alonso Barbosa de Oliveira, a volta do
crescimento econômico seria um passo essencial para um processo de melhoria das
condições de vida dos brasileiros. Ao invés de propor medidas restritivas para a
economia – como altas taxas de juros mantidas ou diminuídas timidamente pelo
Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) – Oliveira aponta a
necessidade de “expansão rápida do PIB, sua conseqüente elevação da renda per
capita, das receitas fiscais e dos gastos sociais.” (Carta Social e do Trabalho
nº 2).
De acordo com o economista, “mantida a atual orientação de políticas econômicas
e sociais e o conseqüente reduzido crescimento, nenhum dos graves problemas
sociais do país ganhará solução adequada, e o Brasil persistirá com suas
desigualdades e misérias”.
Indiscutível é o fato de que os gastos sociais são insuficientes para atender à
população. De acordo com levantamento feito por Marcio Pochmann, também da
Unicamp, enquanto no Chile 85% dos jovens estão no ensino médio,
no Brasil
apenas 35% dos jovens de 15 a 17 anos estão matriculados no mesmo nível. Para
que o Brasil chegasse à situação do Chile, seria necessário incluir 5,7 milhões
de jovens no ensino médio, contratar 510 mil professores e abrir 140 mil turmas
e 47 mil salas de aula. Somente para o ensino médio. Na saúde, segundo o
pesquisador, faltariam 2,6 milhões de leitos hospitalares e 845 mil médicos no
Brasil, se o país tratasse dignamente de sua população. Na habitação, o déficit
é de quase 11 milhões de moradias.
Fonte: SBPC/ComCiência, maio/2006.