TALENTO
Talento é nato?
Quando se fala em talento, logo pensamos em Mozart,
Machado de Assis, Pelé ou Ayrton Senna. Ao mesmo tempo,
pensamos que estas pessoas conseguiram ser
extraordinárias em suas atividades sem esforço. Será que
isso é verdade?
Não! Não é verdade. Os estudos atuais cada vez mais
demonstram que a excelência em uma determinada área é
fruto de muito esforço. Até mesmo para os “gênios”.
Além disso, não se trata apenas de uma questão de
esforço, pura e simplesmente, mas de esforçar-se de
maneira correta. Esforçar-se da maneira certa
explica questões como o fato do recorde da maratona dos
Jogos Olímpicos de 1896 ser somente um minuto mais
rápido que o tempo necessário para classificar-se para a
atual Maratona de Boston. Ou, ainda, que quando
Tchaikovsky compôs o seu concerto para violino e
apresentou aos dois maiores violinistas da época, estes
afirmaram ser impossível tocar tal composição.
Sendo hoje é parte do repertório de qualquer violinista
profissional.
O que acontece é que os indivíduos descobrem, após as
superações, maneiras de esforçar-se ainda mais ou
métodos de treinamento, que, levam a um novo nível de
performance. Os estudos atuais mostram que três fatores
em conjunto são os responsáveis pelo talento:
1-Treinamento Profundo
2-Motivação
3-Mentores competentes
A crença de que o talento é algo nato aponta para a
afirmativa de que esses indivíduos atingiriam um nível
excepcional de performance rapidamente, logo que
adquiram as habilidades e conhecimentos básicos do
domínio em questão. Ou seja, basta ensinar para os
Ronaldos da vida o básico do futebol que eles atingirão
um nível espetacular.
Mas, para provar que esta teoria não é exatamente uma
teoria acertiva, posso citar os estudos com jogadores de
xadrez; um jogo que permite comparar jogadores atuais
com outros já aposentados ou falecidos. Ninguém atingiu
um nível de mestre internacional de xadrez com menos de
dez anos de prática, mesmo gênios como Bobby Ficher ou
Judith Polgar. Esta regra dos dez anos é evidenciada em
outros domínios, como na música, matemática, tênis,
natação e corrida de longa distância.
Logo, não seria diferente no mundo corporativo. Para que
um executivo chegue ao ápice de sua capacidade, são
necessários, pelo menos, de dez a 15 anos. Este tempo de
cerca de uma década é o necessário para praticar as
famosas 10 mil horas que se afirma serem necessárias
para que um indivíduo transforme-se excelente no que
desempenha. Porém, para chegar a um nível excepcional de
performance a prática deve ser o que chamamos de
treinamento profundo, que consiste em um aumento na
duração, intensidade e estrutura do treinamento. Fazendo
uma analogia com o esporte, trata-se do jogador que
treina milhares de vezes a mesma maneira de bater
determinado tipo de falta, já que, se for depender de
aprender durante o jogo, ele irá bater esta falta
pouquíssimas vezes. Neste ponto, é importante salientar
que, vai haver um momento da prática em que a pessoa
terá a sensação de que está pior que antes. O que não é
verdade: a pessoa estará mais consciente dos próprios
erros.
Mas, como de fato podemos transpor isto para o mundo
corporativo?
Quanto ao treinamento, primeiro é necessário entender
que, escolhendo focar nas forças ou nas fraquezas, de
qualquer forma, será necessário de praticar muito. O
indivíduo deve procurar criar situações onde exercite o
que quer aprimorar. Winston Churchill treinava seus
discursos na frente do espelho. Procure observar pessoas
que tem a habilidade que você quer desenvolver. Todo
processo de aprendizagem tem de ter feedback, portanto,
peça o feedback de outras pessoas sobre a sua evolução,
faça um diário onde possa anotar o seu dia, de forma
que, de tempos em tempos, reveja o seu desenvolvimento.
Lembre-se não é qualquer prática que leva à excelência.
Um aluno perguntou ao seu professor de violino quanto
tempo ele tinha de praticar para tornar-se um grande
músico. Ao que o professor respondeu: “Realmente não
importa quanto tempo. Se praticar com seus dedos,
nenhuma quantidade é a que chega. Se praticar com sua
cabeça, duas horas são suficiente”.
Quanto à motivação, as pessoas talentosas têm uma
insatisfação que as impele a buscar a melhoria continua,
e uma das maneiras de ativar isto é entendendo que nós
somos animais sociais, então um grande motivador é
querer fazer parte de um grupo especial. Um gestor dever
ser capaz de acender esta chama em sua equipe. Os
membros da equipe têm de querer se tornar um grupo
talentoso e treinar para tal neste ponto, aqui entramos
no terceiro fator responsável pelo talento, que são
mentores competentes. Um estudo com alguns mentores
mostra que eles possuíam ao mesmo tempo uma capacidade
para acolher a pessoa, de entendê-las e pontuar, de
maneira objetiva, o que precisava ser melhorado, pois se
não for objetivo, não há como via a prática chegar a
maestria.
Reflita sobre o que quer aprimorar, procure entender o
máximo sobre o tema, busque referências de indivíduos
brilhantes na área, e, melhor ainda, de pessoas que você
conhece e que foram capazes de aprimorar o que você
também quer aprimorar. Comece, imitando, pois é assim
que todos começaram, e pratique, mas pratique muito. Eu
sei que, como executivo, a sua vida é mais dura do que
de um atleta, pois enquanto 90% do tempo dele é dedicado
ao treinamento, você, ao contrário, passa 90% na vida
real e, quando muito, tem 10% para ser treinado. Diante
desta situação, que vai requerer muita disciplina, eu
sempre me pergunto até que ponto estamos usando o
talento nato para justificar a nossa preguiça de nos
desenvolvermos.
*Frederico Porto é psiquiatra, nutrólogo e professor
convidado da Fundação Getúlio Vargas e Fundação Dom
Cabral. Atua também como coach e consultor de empresas.
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