O
presidente não-eleito Michel Temer foi a
Nova York discursar na Assembleia Geral da ONU.
Há na imprensa quem
tenha considerado sua apresentação “sóbria”,
“elegante” e “discretamente charmosa”. Para
mim, suas declarações mais pareciam um número de
comédia stand-up. Entre tantas ótimas, destaco
esta anedota:
“Temos um Judiciário independente, um
Ministério Público atuante e órgãos do
Executivo e Legislativo que cumprem seu
dever. Não prevalecem vontades isoladas, mas
a força das instituições, sob o olhar atento
de uma sociedade plural e de uma imprensa
inteiramente livre.”
Não é
preciso explicar a piada. Até as vírgulas contém
um humor irônico de primeiríssima qualidade. Eu
apenas acrescentaria no final: “mas que
beleza! Em fevereiro tem carnaval!”
Michel
estava mesmo cheio de graça. Depois de dar um
golpe na matemática
e
multiplicar por
11 o número de refugiados no Brasil
em seu discurso na ONU, teve a ousadia de
falar em encontro com empresários sobre o
paraíso político que estaria vivendo o país: “No
Brasil, hoje, nós temos uma estabilidade
política extraordinária por causa da relação
adequada entre Executivo e Legislativo”. Mais
tarde, em coletiva, Temer apelou para o humor
politicamente incorreto e cometeu este ato
falho, observado
por Inácio Vieira do Intercept Brasil:
“Sugerimos ao governo [Dilma] que adotasse
as teses que nós apontávamos naquele
documento chamado ‘Ponte para o Futuro’. E,
como isso não deu certo, não houve adoção,
instaurou-se um processo que culminou agora
com a minha efetivação como presidência da
república.”
Temos
uma confissão! Parece que Temer resolveu abrir
seu coração para o mundo. O impeachment não foi
pelas pedaladas fiscais, mas por Dilma ter se
recusado a
implantar o
programa de governo da chapa derrotada nas
eleições.
Na prática, admitiu o golpe.
Mas o
clímax desse show de humor estaria por vir.
Perguntado se conhecia os casos de corrupção do
governo anterior, Michel, com muito
charme, jogou esta piada na cara da sociedade
internacional:
“Não sabia. Vocês sabem que eu não tive
participação no governo. Um dia,eu mesmo me
rotulei de vice-presidente decorativo porque
eu não tinha participação. Não acompanhava
nada disso.”
Temer
quer nos fazer acreditar que era apenas um vaso
chinês em um canto do Planalto. Só que os fatos
mostram que seu papel nos esquemas de corrupção
no governo não tinha nada de decorativo. Pelo
contrário, o número de vezes em que foi citado
em diferentes investigações revela seu
protagonismo. Enquanto as panelas estão mudas,
e parte
da imprensa pede uma trégua para que o homem
possa trabalhar em paz, temos uma coleção
infindável de malandragens em que o não-eleito
aparece enrolado. Há material suficiente para um
novo número de comédia stand-up completo com
duas horas de duração. Vamos relembrar os casos
mais significativos:
Propina da Queiroz Galvão
O ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado
afirmou que Temer negociou com ele o repasse
de R$ 1,5 milhão de propina para
a campanha de Gabriel Chalita à Prefeitura de
São Paulo. O acerto teria sido feito na Base
Aérea de Brasília, em 2012, mas Temer nega o
encontro. Machado diz que irá prová-lo com “testemunhas;
registros do aluguel de um carro pela
Transpetro; e marcadores de GPS referentes aos
itinerários feitos”.
Temer
é convocado para controlar destino das doações
Segundo Sérgio Machado, o PMDB da Câmara
procurou o então vice-presidente para reclamar
que a doação de R$40 milhões da JBS seria
destinada exclusivamente às campanhas dos
senadores peemedebistas. “Esse fato fez com que
Michel Temer reassumisse a presidência do PMDB
visando controlar a destinação dos recursos do
partido”, afirmou o delator. Oficialmente,
o grupo doou apenas $ 22,6 milhões ao partido em
2014.
Propina no Porto de Santos
“As tarefas difíceis, eu entrego à fé de Eduardo
Cunha.” A
frase de Michel Temer não poderia ser mais
verdadeira. Graças ao talento de Cunha na
Câmara, uma emenda sorrateira na Lei dos Portos
permitiu a renovação de contratos de concessão
de terminais portuários por empresas endividadas
com a União. O
Grupo Libra, que deve módicos
R$850 milhões, curiosamente foi o único
beneficiado pela emenda da nova lei. Os sócios
do grupo depositaram R$1 milhão na conta
jurídica que o então candidato a vice abriu para
receber doações de campanha. Apesar de Temer
negar, o fato demonstra que ele comandava
diretamente o seu caixa de campanha.
Propinas da Camargo Corrêa
Durante a Operação Castelo de Areia, em 2009, o
nome de Temer foi encontrado 21
vezes em planilhas apreendidas na casa de um
executivo da empreiteira. Ele teria recebido
ao todo US$ 345 mil. Já
em 2014, na Operação Lava Jato, Temer aparece
em novas
planilhas da
empreiteira. Dessa vez ele teria facilitado um
projeto de pavimentação em Aratuba e a
duplicação de uma estrada na Praia Grande (SP)
por US$ 40 mil.
Propina da Odebrecht
Segundo delação de Marcelo Odebrecht, R$
10 milhões em dinheiro vivo foram pagos para a
campanha de Temer. Do montante, parte teria
ido para a campanha de Eliseu Padilha, atual
chefe da Casa Civil, e o restante, para a
campanha de Paulo Skaf, proprietário do Pato da
FIESP. O PMDB afirma que as doações foram
legais, porém,
os executivos da empresa garantem que elas foram
registradas na contabilidade do “setor de
operações estruturadas da Odebrecht”, o caixa
paralelo – mais conhecido como o “departamento
de propina” da
Odebrecht.
Propina da OAS
Em mensagens
interceptadas pela Polícia Federal entre 2012 e
2014, Cunha reclama com Léo Pinheiro,
presidente da OAS, da rapidez com que Michel
Temer recebeu R$ 5 milhões, enquanto outros
peemedebistas ainda não haviam recebido. Esse
trecho é especialmente revelador de como Temer
tinha preferência no repasse das “doações” da
empreiteira:
Eduardo Cunha: “E vc ter feito 5
paus para MICHEL direto de uma vez, antes.
Todos souberam e dá barulho sem resolver os
amigos. Até porque Moreira tem mais rapidez
depois de prejudicar vocês do que os amigos
que brigaram com ele por você. Entende a
lógica da turma? Ai inclui Henrique, Geddel,
etc…”
Léo Pinheiro: “Cuidado com a sua
análise. Lhe mostro pessoalmente a
quantidade dos amigos.”
Cunha: “Eles tão chateados porque
Moreira conseguiu de você para Michel 5 paus
e você já depositou inteiro e eles que
brigaram com Moreira, você adia. É isso”.
Leo Pinheiro: “Você dar, ninguém
tem nada a ver com isso. É só a
preferência”.
Moreira Franco, Temer e Cunha - o trio
parada dura peemedebista (Antônio Cruz /
Agência Brasil)
Apesar
do tom de cobrança de Cunha ao exigir tratamento
isonômico na distribuição da grana da
empreiteira, os políticos envolvidos garantem
que as doações eram legais. Para piorar, a
defesa de Temer no TSE afirma categoricamente
que a arrecadação da campanha presidencial era
feita exclusivamente pelo PT. Diante de tantas
evidências que apontam na direção contrária, só
mesmo Gilmar
Mendes será
capaz de acreditar nisso.
Esses
foram alguns casos que encontrei em breve
pesquisa no Google. É só a ponta do iceberg,
como bem lembrou
o ferido Cunha na beira da estrada. Mesmo
com tantas provas e testemunhas, parece que
ainda falta convicção para boa parte da
imprensa, o Ministério Público e o Judiciário.
Michel
segue voando em céu de brigadeiro. Até agora,
nenhum editorial pediu sua renúncia, nenhum
colunista indignado o chamou de propinocrata,
nenhuma panela tocou pedindo impeachment. A
Ponte para o Futuro está cheia de furos, mas
conta com uma legião de cegos para sustentá-la.
<https://theintercept.com/2016/09/25/casos-de-corrupcao-envolvendo-michel-temer-caem-no-ostracismo-e-eles-sao-muitos/>