A TERRA DA SANTA
CRUZ E A LAICIDADE
Artigo publicado em
17/10/2017 no Jornal O Tempo,
Belo Horizonte
Laicidade do Estado é uma daquelas coisas que, no Brasil, só existe no papel. Se
o problema fosse falta de dinheiro até dava pra entender. Mas não é o caso.
Laicidade não custa nada ao Estado. Pelo contrário. Laicidade é o que faria o
erário parar de gastar em símbolos religiosos para as repartições públicas, em
totens dizendo que “esta cidade é do Senhor Jesus”, em constantes doações a
igrejas e no financiamento de eventos religiosos.
Mais do que reduzir gastos, a laicidade geraria receita (bilionária) com o fim
da imunidade tributária das igrejas. Só as quatro maiores fortunas pessoais de
pastores (Macedo, Malafaia, Santiago e Soares) já somam 3 bilhões. Imaginem a
quanto iria a conta incluindo todos os templos pentecostais e ainda a Santa
Madre Igreja Católica!
Então, o problema não é falta de dinheiro. Não é falta de gestão, de
organização, de competência, nem de chuva. É falta de vontade. A laicidade do
Estado não acontece porque ela significa o dever do Estado de não privilegiar
nenhuma crença ou descrença. Ela é tão-somente a aplicação do fundamental
princípio da igualdade ao campo religioso. E se tem uma coisa que a maioria dos
religiosos não suporta é essa igualdade.
Não há problema algum no religioso que veja sua fé como a única verdadeira,
entre milhares de outras conhecidas. É um direito garantido pela liberdade de
consciência e crença. A questão é que, como se sabe, o brasileiro também é
péssimo em conseguir separar o público do privado. Aí o tratamento especial que
ele, como indivíduo, dá à sua fé, vira tratamento especial que legisladores,
magistrados e membros do executivo dão a essa mesma fé.
Pra ser bem claro: o brasileiro adora botar a sua própria religião pra mamar na
teta do Estado. E a laicidade não é bem-vinda porque representa o fim dessa
mamata. É mais ou menos como o funcionário público “emprestar” a chave do carro
da prefeitura para o padre ou pastor (ou babalorixá, em raros casos). E o carro
sempre volta com o tanque vazio.
No caso mais recente de violação da laicidade, foi montada uma tabelinha entre
os três poderes, em conluio com o Vaticano. Tudo começou quando, em seu segundo
mandato, o decano da laicidade Lula da Silva recebeu o passe da Sé de Roma (haja
fé pra crer que ela é santa) e assinou um tratado que confere diversos
privilégios à igreja católica.
Lula tocou pro Congresso, que aprovou em tempo recorde e votação simbólica. Um
corajoso promotor tentou chutar pra fora dizendo que era inconstitucional. Mas
aí veio o Supremo e jogou na rede de uma vez, chancelando sem restrições o lance
católico.
Com essa jogada magistral, as escolas públicas começarão a oferecer ensino
confessional - ou seja, a usar marketing de emboscada nos pobres alunos - para
captar fieis e futuros dízimos que garantirão a sobrevivência do esquema por
muitas gerações ainda. O que mostra que laicidade, definitivamente, não é
negócio. Negócio é a fé. A minha fé, claro… porque a dos outros obviamente é
heresia.
Daniel Sottomaior
Presidente da ATEA - Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos
www.atea.org.br
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O RISCO DE UM ESTADO RELIGIOSO