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TRABALHADORES EM CRISE
O direito ao emprego exige reformas estruturais, mas não as da troika
Portugal -
Laboral/Economia
Publicado em Quinta, 07 Junho 2012 09:29
Existem duas maneiras distintas de compreender o desemprego; cada visão reflecte
um paradigma económico e social diferente e subsequentemente, cada uma cultiva
uma atitude diferente para com os desempregados. Temos duas visões mutuamente
exclusivas; de um lado uma visão que interpreta o desemprego como sendo
residual, e do outro, uma visão que interpreta o desemprego como sendo
estrutural. O paradigma do emprego residual descreve o desemprego como estando
nas margens do sistema económico, resultado de flutuações temporárias da oferta
de trabalho e da prosperidade económica, entre outros factores. Pelo contrário,
o paradigma do desemprego estrutural identifica o desemprego como estando
constantemente em relação directa com o mundo do emprego, assim como fazendo
parte integral do próprio sistema económico e político predominante.
Podemos então analisar como estas duas conceptualizações distintas levam a
conclusões diferentes sobre o sistema económico e político e produzem atitudes
diferentes para com os próprios desempregados. Se o desemprego é residual, então
o desempregado pode ser culpabilizado: a sua situação é fruto da sua própria
inactividade, da sua falta de capacidade de contribuir para a sociedade, ou até
da sua preguiça. Porém, se o desemprego é estrutural, então uma parte da
população estará necessariamente condenada a cair no desemprego. Neste caso, os
desempregados não são culpados, nem muito menos parasitas da sociedade, pelo
contrário, são vitimas de um sistema que necessita da sua existência na condição
de desempregados para que este mesmo sistema possa continuar a funcionar na
'normalidade'.
Para compreender o sistema económico modernos devemos considerar que "o
capitalismo global já não funciona na base de expansão e incorporação mas sim
numa nova lógica de consolidação e exclusão" (Duffield, 2011, pp 4), ou seja,
a
exclusão de uma grande parte da população dos benefícios do capitalismo é
essencial para o seu funcionamento e perpetuação. Ainda
para mais, a existência
de mão de obra barata assim como o sucesso da maioria dos processos de redução
dos direitos dos empregados necessita hoje em dia de um contingente de
desempregados considerável: havendo muitos desempregados, aqueles que estão
empregados temem pela perda do seu trabalho dada a existência de pessoas capazes
e desesperadas para tomar o seu posto, baixando assim o seu salário e a sua
capacidade de negociação individual e colectiva.
Ora, a imposição de tal sistema não só é imoral, fazendo com que a existência de
altos níveis de exclusão social e pobreza sejam garantidos, seja qual for a
situação económica ou política, é de facto igualmente ilegal e contraditório com
a Constituição da República Portuguesa, que afirma;
Artigo 58º (Direito ao trabalho)
1. Todos têm direito ao trabalho.
2. Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover:
a. A execução de políticas de pleno emprego;
b. A igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e
condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a
quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais;
c. A formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores.
Ora, o pleno emprego é precisamente impossível sem que sejam implementadas
reformas estruturais profundas.
Existe um consenso informal que o desemprego é de facto estrutural, e não
residual. Segundo um estudo financiado pelo Banco Central Europeu (BCE), o
desemprego estrutural é principalmente o resultado de três factores: a
mobilidade dos trabalhadores, a mobilidade do emprego e os custos de negociação
dos salários (van Rens, 2011). É normal que este estudo, sendo financiado pelo
BCE, se esqueça de mencionar que a própria dinâmica de produção monetária produz
necessariamente uma dívida impagável, ou porque emite uma dívida como resultado
do facto da emissão da mesma estar sujeita a taxas de juro, ou porque capital é
emitido a partir de empréstimos bancários, onde os bancos utilizam certificados
de dívida como se fosse valor real. Também não menciona que grande parte do
capital disponível ou vai para pagar juros de dívida, sendo que 31 dos 74 mil
milhões do empréstimo da troika de 2011 foi para pagar juros de dívida pública
anterior. Recentemente, mais uma 'recapitalização' dos bancos portugueses pelo
Estado no valor de 6 mil milhões de Euros fez disparar o valor das acções do
Banco Espírito Santo em 12%, enquanto que o desemprego oficial está acima dos
15%, sendo o desemprego real mais próximo dos 22%.
Krugman menciona que, no caso americano, se de facto o desemprego estrutural
fosse resultado dos trabalhadores estarem mal adaptados às necessidades
económicas, então aqueles com as qualificações 'certas' estariam a ter aumentos
salariais. Porém, 'existem muitos poucos a beneficiar de entre a força de
trabalho' (Krugman, 2012). Até o Ministro das Finanças Vítor Gaspar admitiu que
o emprego estrutural mais do que duplicou em Portugal nos últimos 20 anos
(Martins, 2012). Mas são as próprias políticas de Gaspar que vão assegurar que o
desemprego continue a aumentar, sendo que cresce a cada dia que passa a carga
fiscal sobre os trabalhadores e ao mesmo tempo são feitos cortes cegos aos
serviços estratégicos do Estado como a saúde, a educação e a cultura.
Entretanto, a grande parte das verbas ou é utilizada para pagar juros de
empréstimos, ou vai directamente para as mãos de bancos que depois se recusam a
disponibilizar crédito a pequenas e médias empresas.
Em Portugal, se o capitalismo selvagem continuar sem ser questionado, se a
economia não for estruturalmente reformada, e se o Estado continuar simplesmente
a ser o veículo através do qual os ricos e poderosos consolidam a sua
dominância, então o desemprego que se demonstra hoje estrutural, inevitável e
destruidor continuará a aumentar.
É por esta razão que o Movimento Sem Emprego apela ao Direito ao Trabalho, e é
por estas razões que tal apelo abrange reivindicações que transcendem o direito
ao trabalho e ao auto-sustento; é um apelo em favor da justiça social e contra a
disfunção económica inerente ao capitalismo selvagem. Os interesses económicos
prevalecentes, e os interesses deste Governo que se demonstra completamente
submisso aos ricos e poderosos, não querem nem seriam capazes de proporcionar o
pleno emprego. O pleno emprego diminuiria os seus lucros e abalaria a sua
hegemonia. O Movimento Sem Emprego, em nome dos desempregados, precários e, na
prática, até dos empregados de Portugal, recusa resignar-se à apatia e aceitar
as mentiras e distrações do Governo. A manifestação de 30 de Junho de 2012 será
somente o começo da resistência contra as injúrias e a culpabilização dos
desempregados por um crime que não é seu.
Lutar pelos desempregados não é apenas lutar por essa escumalha preguiçosa e
ingrata que só não arranja emprego porque não quer, como os media, o governo e
os exploradores gostam de fazer crer. Volto a usar as palavras que já escrevi
antes:
"Os desempregados e precários vivem vidas de desespero com o amanhã e isso já é
razão suficiente para lutar, mas isto não é tudo o que são. São também a
ferramenta que o sistema neoliberal usa para destruir o emprego com direitos e
salários dignos. São a ameaça que pesa sobre a cabeça daqueles que ainda têm um
emprego, para os obrigar a aceitar mais um corte, mais uma hora de trabalho,
mais uma indignidade, mais um abuso de poder. "Faz o que te mandam porque há
sempre alguém mais desesperado do que tu para te ficar com o lugar."
E de concessão em concessão, o empregado acorda um dia para a realidade de que
já não é um empregado: é um precário – e nada o salva de amanhã ser um
desempregado."
O desemprego não é um braço de ferro entre o desempregado e o empregado. De
facto, colocar as coisas nesses termos é precisamente fazer o jogo dos poderes
instalados, que mal podem esperar para que comecemos a olhar uns para os outros
como cães esfomeados a lutar pelo mesmo osso (depois de eles próprios terem
comido a carne).
Uma mão que alimenta de forma tão cínica, penso eu, merece ser mordida de forma
violenta.
O verdadeiro braço de ferro não é entre o empregado e o desempregado – é entre
aqueles que desejam o emprego e aqueles que desejam o desemprego. E na primeira
categoria devem-se incluir não só os empregados como também os precários e os
desempregados. É no interesse dos empregados que haja emprego para todos; tal
significa que as pessoas não precisam de viver num desespero tão grande que
tenham de aceitar más condições, destruição de direitos e abusos patronais só
para não morrerem à fome e frio.
Nesse desespero, talvez aceitem fazer o mesmo trabalho doutro empregado por
metade do preço. O empregado mais caro será despedido sem pensar duas vezes,
porque entretanto o mercado de trabalho foi "flexibilizado". O recém-estreado
desempregado terá agora de se reduzir à sua insignificância e fazer uma oferta
melhor: fará o dobro do trabalho por metade do preço. Agora não só reduziu ainda
mais as condições dos outros empregados como meteu dois na rua em vez de um só.
E por aí fora, numa espiral de morte.
A comparação a um braço de ferro não é inocente. Já fizeram um braço de ferro
com alguém? Quanto mais perto empurramos o braço do adversário contra a mesa,
mais fácil se torna empurrar a distância que resta. Quanto mais o braço do
emprego puxa para o seu lado, mais fácil é derrotar o desemprego e a
precariedade. Quanto mais o braço do desemprego puxa para o seu, mais fácil lhe
será destruir o emprego com direitos para todos.
É possível ganhar este braço de ferro? Certamente. As regras deste jogo foram
feitas por homens. Outros homens podem mudá-las, ou habituar-se a roer ossos.
Bibliografia:
Carregueiro, Nuno; Junho 2012; 'Acções do BES disparam mais de 12% com planos de
recapitalização do BCP e BPI'; Jornal de Negócios Disponível: http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=
SHOWNEWS_V2&id=560993
Constituição da República Portuguesa, VII Revisão Institucional; 2005;
Assembleia da República; Lisboa
Duffield, Mark; 2001; 'Global Governance and the New Wars: The Merging of
Development and Security'; Zed Books, London
Krugman, Paul; Novembro de 2010; 'Defining Structural Unemployment'; New York
Times, New York; Available: http://krugman.blogs.nytimes.com/2010/11/29/defining-structural-unemployment/
Krugman, Paul; Maio de 2012; 'Early Useless Economics'; New York Times, New
York; Available:http://www.nytimes.com/2012/05/11/opinion/krugman-easy-useless-economics.html
Martins, Raquel; Junho de 2012; 'Desemprego estrutural mais do que duplicou nos
últimos 20 anos'; Público; Acessivél: http://economia.publico.pt/Noticia/desemprego-estrutural-mais-do-que-duplicou-nos-ultimos-20-anos-1548565
van Rens, Thijs; 2011; 'Structural Unemployment'; ECB/CEPR/IFW Labour Market
Workshop on "Wages in a Time of Adjustment And Restructuring"; European Central
Bank, Frankfurt am Main
<http://www.diarioliberdade.org/portugal/laboral-economia/28005-o-direito-ao-emprego-exige-reformas-estruturais,-mas-n%C3%A3o-as-da-troika.html>
Assim, quanto mais as relações
trabalhistas são colocadas ao sabor da oferta e da procura, sem proteção legal,
mais os trabalhadores vão se empobrecendo e, quando chega ao ponto mais crítico,
vem a crise econômica como já temos visto várias vezes, já que a riqueza do rico
depende do consumo do pobre e, o pobre já não conseguindo consumir o que
produziu para o rico, e boa parte dos ricos empobrecem também, ficando as
riquezas nas mãos de uns poucos.
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