22/10/2011 - André Folloni *
Somos mal-educados e incompetentes, e o nosso trânsito é
prova dessa afirmação. Se estamos a pé, corremos o
risco permanente de sermos atropelados atravessando a
rua, mesmo tendo a preferência, ou na calçada,
porque o meio-fio não é capaz de segurar um automóvel
desgovernado.
Se estamos no carro, não conseguimos mudar de uma pista
para a outra, porque o motorista ao lado se sente
ofendido com nossa intenção de entrar na sua frente.
Em situações nas quais qualquer cidadão minimamente
educado pisaria no freio, nós buzinamos. Buzinamos para
xingar, reclamar, desabafar, dar bronca nos outros
motoristas... Mas não saímos pela rua gritando com os
outros se notamos que fizeram algo errado. Afinal, seria
coisa de gente mal educada, onde já se viu fazer
escândalo por aí?
No trânsito somos, além de intolerantes, donos da
verdade. Se alguém erra na nossa frente, merece a
buzina. Claro que a buzina não incomoda só aquele
miserável que me impediu a passagem: Incomoda também o
comerciante que está ao lado; o pedestre da calçada de
trás, que quase morre do coração achando que está para
ser atropelado; o estudante no quinto andar do prédio
vizinho, que não consegue se concentrar e; o empregado
no décimo andar do prédio da frente, que não pode
trabalhar em paz porque a buzina não permite. Hospitais
então? Azar de quem está internado.
Para nós, tudo isso é secundário – naqueles raros casos
que lembramos que existem terceiros. O importante é
gritar com quem não conhecemos, no meio da rua, para
todo mundo ver. O grito do ser humano é uma falta de
educação. É feio gritar com os outros, aprendemos
quando crianças. No carro, contudo, a educação não
vale. O grito do carro é a buzina e ela está
autorizada. Buzinar é infração de trânsito, mas a
nossa infração não existe, só a do outro. O outro não é
alguém digno de respeito, é um obstáculo a ser removido.
A rua é nossa, não nos incomodem.
Tratamos o espaço público como se fosse privado. Falta
educação para compreender, como se sabe desde a tradição
grega, que aquilo que podemos fazer no ambiente privado
não podemos repetir no ambiente público. Se eu quiser
gritar no meu quarto fechado, sem problemas. Se somos
mal educados e, por isso, não conseguimos viver
civilizadamente, somos incompetentes enquanto cidadãos.
Não temos a competência cidadã necessária para não
enganarmos, não roubarmos no troco, não fazermos gato na
rede elétrica, não comprarmos aparelho de TV a cabo
pirata, não roubarmos a vaga do deficiente... Enfim,
para não aceitarmos que a nossa bênção é a desgraça
alheia, naquele “se dar bem em cima do outro” que é
tão próprio de todos nós.
E, de repente, o Tribunal de Justiça (TJ) do Paraná
decide que a URBS não pode fiscalizar o trânsito. De uma
hora para outra, não temos mais quem controle o trânsito
que já é, por natureza, descontrolado. Começa-se a
divulgar estatísticas de como o trânsito em Curitiba
piorou nos últimos dias e como o nível de infrações está
subindo. O discurso coloca a culpa, pelo caos do
trânsito, no Tribunal. Se pelo menos os desembargadores
tivessem avisado, dado um período para que o Município
se adequasse, quem sabe a URBS não poderia continuar
multando por mais alguns meses? Não, não poderia.
A decisão é correta e não é surpresa. Há anos não havia
exemplo melhor de ferimento à moralidade administrativa,
nos bancos das faculdades de direito da capital, do que
a aplicação de multas de trânsito por uma empresa com
participação de capital privado, ainda que mínima.
Difícil achar exemplo mais fácil de uma
inconstitucionalidade tão evidente. Provocado, o TJ não
teve saída. Conseguiu o milagre de tentar não provocar a
anulação das penalidades já aplicadas – o que,
certamente, será contestado. Nossa incompetência,
enquanto cidadãos no trânsito, também se manifesta na
nossa incompetência para organizar nosso aparato
administrativo de fiscalização do trânsito. Nosso modelo
foi anulado porque foi construído de forma incompetente.
E agora não temos agentes competentes para nos punir por
nossa incompetência. Somos incompetentes até para isso:
Para fiscalizarmos nossa própria incompetência!
* André Folloni é doutor em Direito,
professor da PUCPR e advogado do escritório Marins
Bertoldi Advogados Associados de Curitiba
Considerações:
1 - "Se estamos no carro, não conseguimos mudar de uma
pista para a outra, porque o motorista ao lado se
sente ofendido com nossa intenção de entrar na sua
frente." É isso que nos obriga a não
sinalizar e, quando vemos que o espaço permite uma
entrada rápida sem risco, dá o sinal só quando não há
mais condições de o outro dificultar a ultrapassagem.
E quando faço isso, noto que os caras ficam irritados e
buzinam, mostrando essa falta de educação de que fala o
André Folloni.
2 - "Se estamos a pé, corremos o risco permanente de
sermos atropelados atravessando a rua, mesmo tendo a
preferência". Aí é que há outro problema
sério: os pedestres também são mal-educados: Você
fica parado quando o sinal abre, para esperar umas
pessoas acabarem de atravessar, e outras que estão ainda
fora da pista entram também, e, se você continuar
esperando, vêm outros e mais outros, e a pista continua
cheia de gente. No cruzamento da Avenida Afonso
Pena com a Avenida Amazonas no Centro de Belo Horizonte
isso é comum, e temos que ir entrando, quase empurrando
as pessoas, para não pararmos o trânsito. E,
quando alguém acaba sendo atropelado, a culpa é fica com
o motorista.
Certa vez, eu estava saindo de um estacionamento na Rua
São Paulo, parei na porta para esperar umas pessoas
acabarem de passar, fiquei aproximadamente um minuto
parado, com pessoas entrando umas atrás das outras, tive
que começar a acelerar e ir saindo lentamente e olhando
pessoas fazendo caretas. Se não fizesse isso, iria
ficar lá a tarde inteira; pois em nenhum momento estaria
sem pedestres na calçada.
Ver mais AVISOS