OLHAR MACROSCÓPICO

 

NO DECORRER DA HISTÓRIA DO CONHECIMENTO, NOSSA VISÃO DO COSMO MUDOU E, EM CONSEQÜÊNCIA, MUDAMOS NÓS

 

Neste mês, roubo o título de um clássico da história da ciência do genial filósofo francês Alexandre Koyré (1882-1964).  Acho que pouca gente dá conta das profundas transformações que nossa visão de mundo sofreu no decorrer da história do conhecimento e do impacto que tiveram no desenvolvimento da sociedade. É oportuno recontar um pouco dessa história fascinante.  Afinal, somos produtos de nossa cosmologia. Querendo ou não, são as explicações de nossas origens, de nosso lugar no Cosmo, que definem quem somos.  À medida que a ciência avança, muda a nossa compreensão do Cosmo, e mudamos nós.

 

Se você viajasse numa máquina do tempo até a Atenas de 250 a. C., e perguntasse para um grego bem educado sobre o Cosmo, ele diria: "Segundo nosso filósofo Aristótelees, vivemos na Terra, o centro imóvel do Cosmo.  Nosso mundo é feito de quatro elementos: terra, água, ar e fogo, arranjados verticalmente nessa ordem.  Sabemos disso porque pedras caem pelo ar e afundam na água, enquanto o fogo sobe aos céus.  Já a Lua gira em torno da Terra em uma órbita circular. Após ela, giram mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter e Saturno, todos em órbitas circulares.  Na órbita mais extrema, giram todas as estrelas. fixas como vemos em pintura nos tetos de templos.  A Lua, planetas, Sol e estrelas são feitos de éter, a quintessência, eterna e imutável. Nada muda nos céus, só da Lua para baixo.  Nosso Cosmo termina com mais uma órbita, chamada Primum Mobile, de onde todos os movimentos se originam. Esse é o nosso mundo, fechado e finito'.

 

Essa visão grega persistiu até a Renascença.  Claro, foi adaptada pela Igreja para refletir a sua teologia.  Portanto, o Primum Mobile foi circundado pelo Empíreo, a morada de Deus.  Nosso planeta continuou imóvel no centro.  Na Terra, com tudo composto pelos quatro elementos, mudanças e transformações eram possíveis, conforme observamos. Nos céus, os corpos celestes eram imutáveis e perfeitos, e cada vez mais, até a perfeição absoluta de Deus.  A verticalidade da cosmologia aristotélica caiu como uma luva para a teologia cristã.

 

Com Copérnico, as coisas começam a mudar. Em 1543, ele publica um livro no qual propõe que o Sol é o centro do Cosmo.  A noção ia contra toda a interpretação teológica da época e confundiu muita gente. Se a Terra não é o centro, por que as coisas caem no chão? Se a Terra é apenas um planeta, será que existem seres em outros planetas? E, se Jesus salvou os homens, foi ele quem salvou esses seres?  Ou será que cada planeta tem o seu Jesus? Aos poucos, as idéias de Copérnico começaram a ser aceitas. Fundamentais nesse processo foram as observações telescópicas de Galileu e as descobertas de Johannes Kepler.  Em meados do século 17, a noção de que a Terra era um planeta girando em torno do Sol estava na boca de muitos.  As  estrelas nada mais eram do que sóis distantes, cada qual coma sua corte de planetas. O Cosmo, mesmo que ainda fechado, cresce de tamanho e complexidade. A importância do homem passa a ser cada vez menor. Ficava difícil crer que o Cosmo foi criado para nós.

 

Entra Newton. Em 1686, ele publica o livro que mudaria a nossa concepção cósmica.  Ao descrever a força da gravidade como uma ação à distância, ele mostra que a mesma força que faz a maçã cair no chão faz com que a Lua gire em torno da Terra, e a Terra, em torno do Sol.  A gravitação universal torna o Cosmo mais acessível à razão humana. Porém uma questão tirava o sono de Newton: se a gravidade é uma força atrativa e existem inúmeras estrelas no Cosmo, por que elas não se atraem todas e caem no centro como uma grande massa?  A resposta de Newton foi revolucionária: O Cosmo  não é finito, mas infinito em todas as direções.  Assim, as forças entre todas as estrelas se equilibram evitando esse colapso.

 

A partir de Newton, o mundo fechado vira um universo infinito.  Mas a sua resposta leva a mais uma pergunta desconcertante: um universo infinito deve conter infinitas estrelas.  nesse caso, por que a noite é escura? Não deveria haver tantas estrelas a ponto de criar uma luz tão brilhante quanto o dia?

 

Esse é o paradoxo de Olbers, resolvido só no século 20.  A respostas criou mais uma revolução do conhecimento.  Em 1929, Edwin Huble usou o telescópio de 100 polegadas de Mount Wilson na Califórnia para demonstrar que a maioria das galáxias está se afastando de nós. Logo ficou charo que essa é a assinatura de um universo em expansão, no qual estrelas não só nascem e morrem como desaparecem de vista.  A noite é escura porque o Universo é velho e continua crescendo. Quanto à sua extensão, tudo indica que seja infinito.  Dele, só vemos uma parte, limitados pela distância percorrida pela luz desde o big bang, o evento que marca a origem de tudo há 13,7 bilhões de anos. Não há dúvida de que vivemos num Universo bem diferente do de nosso amigo aristotélico." (Marcelo Gleiser, astrofísico, professor do Dartmouth College, nos Estados Unidos, e autor de cinco livros sobre ciência e conhecimento, Galileu, março/2009, pág. 90).

 

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