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Qual é, afinal, a necessidade de se
aprovar um projeto de lei como este? Vamos aos fatos.
O
relatório
da ONU sobre Violência Contra a Mulher aponta que 1 em cada 5 mulheres
tem um episódio de violência sexual no seu passado. Somente no Brasil, foram
registrados
50 mil estupros no ano de 2012, número tão elevado que superou até mesmo a
quantidade de homicídios culposos. Para agravar a situação, é consenso que o
número de ocorrências é muito maior que o número dos registros, pois a
esmagadora maioria das vítimas de violência sexual
não presta
queixa.
Tomando-se conhecimento que
50,7% dos estupros são cometidos contra meninas de até 13 anos e 19,4% são
cometidos contra adolescentes com até 17 anos, podemos imaginar porque esse
crime é completamente subnotificado. Assim, de acordo com os números que
chegaram até as delegacias, cerca de 25 mil meninas com menos de 13 anos
foram violentadas em 2012. Com estes dados, supõe-se que a maior parte das
vítimas de estupro tem sua primeira relação sexual de forma bruta e covarde.
De acordo com a
reportagem
sobre aborto legal no Brasil realizada pela
Agência Pública, o número de
gravidezes resultantes de estupro é de 10% em crianças até 12 anos, 15% em
adolescentes e 7,3% mulheres adultas. Em um cálculo rápido, chegamos à conclusão
de que, no ano de 2012, mais de 5.000 mulheres engravidaram em decorrência de
estupro, sendo que, deste montante, aproximadamente 2.500 eram menores de 12
anos – e é bom lembrar que esse cálculo considera apenas os casos denunciados à
polícia. Como resultado de leis que não acompanham a realidade brasileira, temos
estes chocantes dados: 80% das crianças, 81,4% das adolescentes e 67% das
adultas que engravidaram em decorrência de estupro não realizaram o aborto
legal.
Esses resultados se devem ao fato de
que, como vimos, existem apenas 37 hospitais no país para atender as vítimas que
não querem seguir com a gravidez. Depois de serem estupradas e o infortúnio
incluí-las entre as que engravidaram, as mulheres, adolescentes e crianças que
por ventura residirem num dos 5.533 municípios sem hospitais autorizados a
realizar aborto legal terão de se deslocar, a seu próprio custo, para outro
município, a fim de que suas vidas possam voltar minimamente ao ponto em que
estava antes de serem escolhidas como vítimas.
Um agravante desta situação é que
mesmo nesses hospitais autorizados as mulheres têm mais chance de voltar para
casa ainda grávidas do que de serem atendidas. No caso do estado do Rio de
Janeiro, por exemplo, o único hospital autorizado a realizar aborto legal, o
Instituto Municipal da Mulher Fernando Magalhães, realiza cerca de oito
procedimentos ao ano. Com 5.928 estupros notificados em 2012 e utilizando os
dados da reportagem da Agência Pública, chegamos ao cálculo estimado de
aproximadamente 600 gravidezes resultantes no estado do RJ.
Pois bem, se oito abortos legais foram
realizados na única instituição autorizada do Rio de Janeiro, é de se perguntar:
o que aconteceu as demais meninas e mulheres?
Não é difícil imaginar que uma
parcela, muito provavelmente a sem recursos, está tendo filhos de estupradores
mesmo que não seja esta a sua escolha, ou recorrendo a métodos inseguros de
aborto, por simples e pura dificuldade em serem atendidas pelo serviço público.
As mulheres com recursos provavelmente estão fazendo uso de clínicas
relativamente seguras, e seguindo com suas vidas tanto quanto possível após uma
agressão deste nível.
Essa situação coloca especialmente
crianças e adolescentes em uma situação deplorável de descaso. Aquelas crianças
estão, de acordo com a realidade da aplicação das leis, sendo obrigadas a gerar
outras crianças. Tais mulheres, que têm direito à aplicação do Artigo 128 do
Código Penal (que prevê os casos de aborto legal), estão sendo obrigadas a gerar
filhos decorrentes de violência ou a procurar um meio muitas vezes clandestino
para levar a lei a cabo, arriscando a própria vida em clínicas ou procedimentos
inseguros.
A criação da portaria nº 415/2014
pretende cumprir a aplicação das leis como cabe ao Estado, que, omisso, mantém
as vítimas perdidas em uma lacuna do sistema. As mulheres que engravidam do
estupro não são consideradas problema de ninguém e permanecem esquecidas, tanto
as ricas quanto as pobres. Não há segurança que as proteja de crimes sexuais e
não há Estado que as acolha se engravidarem. Nós temos ao
menos 5.000 vidas ignoradas pelo poder público por ano. No mesmo período, temos
2.500 crianças grávidas de estupro que foram negligenciadas. Precisamos de uma
lei que mude essa realidade.