Data mundial criada na Inglaterra, o dia 31 de julho tem o objetivo
de manter acesa a discussão sobre a libido e as disfunções sexuais
que afetam pessoas em todo o mundo
Carmita Abdo
Parece estranha a idéia de um dia dedicado ao orgasmo. Por que a
sociedade precisaria de uma data para lembrar tal estado de
excitação? Alguns podem achar que sentimentos mundanos estão
dominando discussões nacionais, ou que a mídia se rendeu ao
marketing escrachado, incentivado por aqueles que querem lucrar com
o problema alheio. Puro preconceito. O Dia do Orgasmo, em 31 de
julho, é mais do que isso. É tempo para refletir: as pessoas estão
fazendo sexo com menos qualidade e boa parte da população
não consegue sequer ter desejo sexual. Satisfação
sexual é sinal de qualidade de vida, respaldado pela Organização
Mundial de Saúde.
O Dia Mundial do Orgasmo foi criado há quatro anos, na Inglaterra,
por redes de sex shops. Pesquisas feitas por essas lojas revelaram
que 80% das mulheres inglesas não atingem o clímax em suas relações.
Em termos de insatisfação sexual, os brasileiros não ficam longe. A
presença ostensiva de sexo na tevê sugere um povo versado e
realizado sobre o assunto, fantasia esta, porém, que não condiz com
a realidade. Estudo conduzido pelo Projeto de Sexualidade da USP (ProSex)
detectou que 50% das brasileiras têm problemas com a ausência de
desejo, falta de orgasmo, dificuldade de excitação ou dor durante a
penetração – algumas delas têm mais de uma queixa. Um paradoxo num
país com sexo tão presente no cotidiano. Os homens brasileiros
também têm problemas. Cerca de 12 milhões deles sofrem de alguma
disfunção sexual e é certo que a insatisfação nesta área sinaliza
algum problema de saúde e contribui para conflitos do casal.
As pesquisas são respaldadas por investimentos da indústria. O mercado que promete melhorar a vida sexual da população é
imenso e se divide em setores que vão desde a mais antiga profissão
do mundo às sex shops, psicoterapias e redes de motéis até a
tecnologia dos laboratórios farmacêuticos. Hoje, brasileiros já
contam com opções da medicina para o tratamento oral da disfunção
erétil. Além do sildenafil, pioneiro no mercado, novos produtos,
entre os quais o vardenafil e o
tadalafil, prometem outras
vantagens, tais como ação mais rápida e duradoura. Para as mulheres,
o orgasmo pode ser resgatado graças aos bons resultados com a
bupropiona, antidepressivo que não inibe a libido e favorece o
interesse sexual.
Esses medicamentos ajudam a minimizar os distúrbios, e transformam
temas tabus, como impotência ou falta de
libido, em oportunidades para se tratar de temas de saúde.
O que não se deve, entretanto, é deixar para a indústria e seus
eventuais lançamentos a responsabilidade da discussão. É preciso
ecoar a mensagem de que a sexualidade de um povo reflete a sua
saúde. Uma relação sexual malsucedida pode representar problemas
como depressão, ansiedade, estresse, hipertensão, diabetes, doenças
cardíacas, neurológicas ou endocrinológicas.
As pessoas têm o direito de fumar e não praticar exercícios, mas
precisam saber que o fumo e o sedentarismo, da mesma forma que
outros hábitos de vida não saudáveis, podem conduzir à disfunção
sexual. No caso das mulheres, a falta de libido muitas vezes mascara
problemas mais sérios, como a depressão. Mais de 50% dos casos de
disfunção sexual feminina está associada ao quadro depressivo ou é
conseqüência de efeito colateral de medicamentos.
A proposta do Dia do Orgasmo não tem como finalidade decretar mais
um feriado, mas debater o assunto nas diversas esferas sociais. Isso
inclui a instituição de educação sexual de qualidade nas escolas,
mais consciência quanto ao uso de preservativos e mais
esclarecimento sobre as causas da falta de desejo sexual e da
disfunção erétil. Não há justificativa para a perpetuação de
problemas que podem e devem ser resolvidos. E o principal remédio
ainda é a discussão franca e isenta de preconceitos.
Carmita Abdo é psiquiatra, professora da Universidade de
São Paulo e coordenadora do Projeto de Sexualidade do
Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (HC-SP).