|
|
|
|
ATAQUE RELIGIOSO À LIBERDADE DE
PENSAMENTO
Nova agressão fundamentalista ao Estado
Laico e às minorias: PEC 99/11
novembro 19th, 2011 10:52 AM
Por Karla Joyce
Como se não bastasse a realização de cultos em dependências de órgãos públicos
como a Presidência da República e Senado Federal, Parque Gospel no Acre,
obrigatoriedade de bíblias em bibliotecas públicas, ameaças ao Conselho Curador
da Empresa Brasil de Comunicação para que esta voltasse a transmitir programas
religiosos na TV pública, e a concessão de passaportes diplomáticos a pastores
evangélicos (Edir Macedo e R. R. Soares), a Bancada Teocrata lança uma
nova
ameaça ao nosso (frágil) Estado Laico.
Em outubro deste ano, o deputado federal João Campos (PSDB – GO) apresentou à
Câmara dos Deputados uma Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) que visa acrescentar associações religiosas com capacidade
pra propor ações de constitucionalidade e inconstitucionalidade no STF.
É uma ação aparentemente simples, porém esconde uma verdadeira agressão ao
Estado Laico e aos direitos civis de minorias.
Que projeto é este e do que estamos falando?
Falamos da PEC 99/2011 que “dispõe sobre a capacidade postulatória das
Associações Religiosas para propor ação de inconstitucionalidade e ação
declaratória de constitucionalidade de leis ou atos normativos, perante a
Constituição Federal”.
Para entender melhor a questão, devemos ir à Constituição Federal e consultar
quem são as instituições capacitadas a questionar junto ao STF a
(in)constitucionalidade de algum dispositivo. Estas estão listadas no artigo 103
de nossa Carta Magna, que diz:
“Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação
declaratória de constitucionalidade:
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito
Federal;
V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI – o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”
Fonte: Planalto
Este conjunto de legitimados acima é quem, dentro do Estado brasileiro, estão
aptos para o controle de constitucionalidade de normas jurídicas junto ao STF,
propondo ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) e ADECON (Ação Declaratória
de Constitucionalidade). Esse status é conferido a este grupo restrito por sua
posição de importância dentro do Estado Brasileiro. Nesse conjunto está
caracterizado que alguns tipos de entidades representativas podem usar deste
instrumento, como a Confederação Sindical e a Entidade de Classe. Porém, não é
tão simples como aparenta ser.
Para a existência de uma Confederação Sindical, é necessária a união de três
federações sindicais, que, por sua vez, consistem na união de cinco sindicatos.
Já a Entidade de Classe deve ter base social e estar representada em nove
Unidades da Federação. As duas entidades só poderão propor quando demonstrarem
ligação entre seus interesses e o conteúdo da norma questionada. Estas
restrições demonstram o tamanho da responsabilidade para a proposição de uma
ADIN ou ADECON para que estas não fiquem banalizadas.
A PEC 99 traz outro tipo de entidade representativa. A Associação Religiosa é
quando uma denominação ou grupo religioso tem reconhecimento perante a lei com
caráter representativo e seus respectivos estatuto e ata de fundação registrados
em cartório. O Novo Código Civil confere personalidade jurídica às organizações
religiosas (entre elas a Associação) e estabelece, no §4º do artigo 44, que “são
livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das
organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento
ou registro dos atos constitutivos necessários ao seu funcionamento” (LEI No
10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.). Logo, a associação religiosa possui um
privilégio de se organizar sem que o Estado possa nega-lhe o reconhecimento de
sua criação por qualquer motivo que seja, graças ao lobby evangélico em 2003
(A Reação dos Evangélicos ao Novo Código Civil).
Por aqui vemos que há a facilidade irrestrita destes
grupos se organizarem, muito diferente dos requisitos estabelecidos para as
Confederações Sindicais e Entidades de Classe. Além do perigo de inúmeras
associações religiosas surgirem com este propósito (algo que por si só já
caracteriza um privilégio e um descompasso com a Constituição), há a oculta
pretensão deste projeto: os ataques aos direitos
das minorias.
Acima do Bem e do Mal
Essa PEC surgiu quando as tentativas de João Campos e outros teocratas de
questionar a decisão do STF a respeito da união homoafetiva não resultaram em
nada. A via que utilizavam era por meio de projetos de decretos legislativos (PDL)
e a Mesa da Câmara dos Deputados, por meio do Presidente da Casa, decidiu que a
decisão do STF não poderia ser revista por PDL por não se tratar de competência
do Legislativo.
O grande e grave problema é que Religião, aqui
no Brasil, é vista como algo acima do bem e do mal, livre de eventuais “falhas
ou defeitos”, composta somente de “anjos, iluminados” ou “homens idôneos”.
Se depender de algumas lideranças evangélicas, isto está bem longe de ser
verdade, como já comentei aqui (Digo
Não ao “Kit Gay” Parte 2).
Poucos se lembram de que Religiões são construídas por seres humanos, sejam suas
regras, templos, textos. E estes possuem diversas motivações: seja a inspiração
divina (a qual não nego a existência) ou o controle de pessoas tendo em busca o
poder. Neste último caso, a história da humanidade mostra os males que este fim
pode provocar e como a Bancada Teocrática vem fazendo o uso disto para esconder
sua hipocrisia e arregimentar mais eleitores. E menos se lembra de que a
Religião integra a sociedade, não esta fora dessa, uma vez que influencia e é
influenciada pelas pessoas. Esta é uma conversa para outra hora.
Para exemplificar o tamanho do problema, imaginemos uma situação onde o
casamento homoafetivo é aprovado pela PEC do deputado Jean Wyllys (PSOL – RJ) e
a PEC 99/2011 seja aprovada. Imaginemos também um universo (já existente) onde
inúmeras associações religiosas existem. Qualquer uma ou várias destas poderá (ão)
propor uma ação no STF considerando o casamento homoafetivo inconstitucional. Ou
se o aborto for descriminalizado ou legalizado no país. Ou
para depreciação de religiões que “não são da maioria”. Ou se normais
venham a regular o ensino religioso nas escolas públicas. Ou para o uso de
símbolos religiosos. Ou impedir o debate sobre legalização de determinadas
drogas como a maconha. Ou até mesmo impedir que o Governo
preste assistência e informação sobre educação sexual e DST/AIDS São
ações que poderão ser propostas em reação a todas estas medidas que já estão em
vigor ou que venham a vigorar. Silas Malafaia, Marco Feliciano, Ronaldo Fonseca
poderão, por meio de suas “associações”, entrar com ações de controle de
constitucionalidade. Portanto, não é uma medida que apenas LGBT’s, atinge a luta
feminista, a luta pelo Estado Laico, das religiões minoritárias, etc.
Gostaria de frisar que essa incapacidade (quase que cuspir, jogar pedra e
dançar/cantar Like a Prayer da Madonna sob Cristo crucificado) que se tem e está
presente em vários(as) deputados(as) federais de questionar a parte mundana da
Religião podem garantir a aprovação desta PEC. Não se está percebendo que é,
novamente, a tentativa de influência da Religião no Estado, e não o inverso
(respeitado os limites) como deveria ser! Essa incapacidade fez com que 186
deputados e deputadas assinassem a PEC, permitindo assim que ela pudesse
tramitar na Câmara.
E quem assinou?
Neste link vocês poderão conferir quem foram os(as) que concordaram com esta
proposição. Como a lista é grande, a distribuição por partidos é da seguinte
forma:
Partidos
Assinaram
DEM,
8
PC do B,
3
PDT,
10
PHS,
2
PMDB,
29
PMN,
2
PP,
13
PPS,
3
PR,
20
PRB,
7
PRTB,
1
PSB,
15
PSC,
14
PSDB,
25
PSL,
2
PT,
14
PTB,
11
PTC,
1
PT do B,
1
PV,
5
Total,
186
O gráfico abaixo mostra a proporção da participação dos partidos nessa PEC:
Participação dos Partidos Na Assinatura da PEC 99/11
Participação dos Partidos Na Assinatura da PEC 99/11
Outro ponto a ser destacado é que as bancadas teocráticas (PSC, PRB, PR)
participaram em massa na assinatura de autorização desta proposição. O gráfico a
seguir faz uma comparação entre a quantidade de assinaturas de um partido para a
PEC 99 e sua bancada na Câmara:
A alta adesão da bancada teocrática e a diversificação das assinaturas em
partidos como o Bloco PSB/PTB/PC do B, PMDB, PSDB, PDT e PT mostram que a PEC 99
conseguiu grande adesão. O alerta vermelho deve ser aceso, pois, além dessa
grande adesão, muitos (as) parlamentares podem, propositalmente ou não, estar se
atentando ao perverso detalhe da interferência da Religião no Estado. Não está
se enxergando que o “que mal tem uma associação religiosa ter controle de
constitucionalidade” pode gerar males e criar raízes mais profundas para a
instauração da teocracia brasileira.
A luta tem que começar:
Os teocratas costumam jogar que “feministas, comunistas e gays querem impor suas
crenças aos cristãos”. Mas o que eles promovem é que nos acusam:
querem impor um
único modelo de religião cristã, que é diversa também,
aos que não compartilham
de suas filosofias e ideologias. Vemos que o Governo pouco tem feito para
proteger as minorias. Nada o impede que não o faça no futuro, mas o que mostra é
que, quando precisam atuar neste campo, precisam da bênção dos caciques
políticos evangélicos para se protegerem da “maldição do eleitorado religioso”.
Não podemos mais ficar calados e caladas diante dessa nova e mais nefasta ameaça
à democracia, com a imposição de uma vontade de uma “maioria” que se julga
legítima e se julga até mesmo ser maioria. As pressões nas redes sociais levaram
o questionamento do tão falado Parque Gospel, podemos conseguir mostrar esta
agressão ao Estado Laico que se desenha.
http://www.eleicoeshoje.com.br/estado-laico-pec-99-11/
ANÁLISE DE UM PROFISSIONAL DO MUNDO JURÍDICO
|
..
|
. |
|
|