|
|
|
|
O CAPITALISMO SEM CONTROLE É PERIGOSO
Para o Nobel de Economia de 2001, o melhor sistema é o da Escandinávia. E o
Brasil deveria se preocupar menos com a inflação e com o tamanho do Estado
JOSÉ FUCS
O economista
americano
Joseph
Stiglitz,
Prêmio Nobel
de Economia
em 2001 e
ex-comandante
do
departamento
econômico do
Banco
Mundial,
ganhou
destaque com
a explosão
da crise
global, em
setembro de
2008. De
figura
marginalizada,
em razão de
suas
críticas ao
"fundamentalismo
do livre
mercado",
ele passou a
ser ouvido
com atenção
até por
financistas
que torciam
o nariz para
suas ideias.
No livro
O mundo em
queda livre,
recém-lançado
no Brasil
(editora
Companhia
das Letras,
R$ 66),
Stiglitz diz
que a crença
na
eficiência
dos mercados
morreu com a
crise.
Segundo ele,
o melhor
sistema
econômico é
o dos países
escandinavos
- a carga
tributária é
elevada, mas
o governo
oferece
"boas
políticas"
de proteção
social. Para
horror dos
economistas
mais
ortodoxos,
Stiglitz
afirma que o
Brasil
deveria se
preocupar
menos com a
inflação e o
tamanho do
Estado. "A
inflação é
importante,
mas é apenas
uma
variável."
ENTREVISTA - JOSEPH STIGLITZ
QUEM
É
Economista americano, de 67 anos, é
professor da Universidade Colúmbia,
EUA. Foi economista-chefe do Banco
Mundial de 1997 a 2000. Ganhou o
Nobel de Economia em 2001
ONDE ESTUDOU
Formou-se em economia no Amherst
College, em 1963. Fez o doutorado no
Massachusetts Institute of
Technology (MIT), em 1967. Também
foi pesquisador na Universidade de
Cambridge, Inglaterra, no fim dos
anos 60
O QUE PUBLICOU
O mundo em queda livre (Ed.
Cia. das Letras, 2010), Livre
mercado para todos (Ed. Campus
Elsevier, 2006) e A globalização
e seus malefícios (Ed. Futura,
2002), entre outros |
ÉPOCA - Em sua visão, passados dois
anos da quebra do Banco Lehman Brothers,
qual foi o impacto da crise global sobre o
capitalismo?
Joseph Stiglitz - Há duas
formas de analisar essa questão. A primeira
é que o desempenho da economia nos países
desenvolvidos tem sido desanimador. Nos
Estados Unidos e na Europa, o baixo
crescimento, o alto desemprego e a
subutilização de capacidade de produção têm
sido terríveis. Mas igualmente importante é
a mudança de percepção sobre o sistema
capitalista. Antes da crise, as pessoas
acreditavam que os mercados eram eficientes,
que a desigualdade de renda poderia ser
indesejável, mas era justificável pelos
incentivos que oferecia ao crescimento
econômico. Agora se percebeu que os
mercados não são eficientes, não são
estáveis, e que os altos bônus recebidos
pelos executivos dos bancos representavam um
prêmio às perdas recordes que aconteceram.
As pessoas podem até entender que alguém
inovador, que cria riqueza, seja premiado.
Mas eles foram premiados por destruir
riqueza - e isso minou a fé no sistema de
mercado.
"Nos países
escandinavos, a carga tributária chega a
quase 50% do PIB, mas eles têm a melhor
qualidade de vida do mundo".
ÉPOCA - De que forma essa percepção
está afetando o sistema hoje?
Stiglitz - Nos EUA, embora
os mercados tenham fracassado, há uma
forte percepção de que o governo também
falhou e deu dinheiro aos bancos que
provocaram o problema. O resultado é que
há uma desilusão com ambos, o mercado e o
governo. Isso explica o fortalecimento do
movimento Tea Party, que pode ser descrito
como um movimento anti-establishment. Até
acho que o governo (do presidente Barack)
Obama ajudou a economia. Fez bem mais que o
governo Bush. Sem os pacotes de estímulo, o
desemprego estaria em 12% ou 13% (da
população ativa), e não nos 9,8% em que está
hoje. Mas, infelizmente, não foi o
bastante. Hoje, um em cada seis
americanos que buscam um emprego formal não
consegue encontrar. As execuções de
hipotecas estão subindo, e não caindo como
se esperava. A percepção é que o governo
gastou muito dinheiro, deu muito dinheiro
aos bancos e não resolveu o problema.
A reação é de revolta e rejeição.
ÉPOCA
- Essa reação também está
acontecendo em outros países?
Stiglitz - Acho que o
efeito na Europa e nos mercados emergentes
foi diferente.
Na Europa, a percepção é que o governo
ajudou a economia, e o modelo de proteção
social europeu ajudou a Europa a responder à
crise. Não há um movimento antigoverno.
Mas eles pensam que os pacotes de salvamento
da economia tiveram um impacto tão forte nas
contas públicas que agora podem ter de
cortar gastos. Isso vai impedir a
retomada e aumentar o risco de um novo
mergulho da economia. Essa reação, de
defesa de uma austeridade inapropriada para
as circunstâncias, é diferente da que houve
nos EUA, mas é quase igualmente irracional.
O interessante é que, na Ásia, eles também
adotaram políticas de estímulo keynesianas -
e funcionou. É a única parte do mundo
que está indo bem. A América Latina
também. Mas parte do sucesso da América
Latina é porque há melhor regulação dos
bancos e políticas sociais melhores. E
parte porque a região é grande exportadora
de commodities e foi beneficiada pela alta
dos preços internacionais, estimulada pelo
forte crescimento da Ásia.
ÉPOCA - O Brasil foi um dos países
menos afetados pela crise. Além da alta das
commodities, o governo cortou impostos e
aumentou os gastos públicos. Mas, agora,
muitos economistas estão preocupados com o
superaquecimento da economia e passaram a
defender uma política fiscal mais austera.
Eles estão certos?
Stiglitz - Primeiro, é
preciso dizer que o Brasil está numa
situação completamente diferente dos EUA e
da Europa porque o crescimento está forte. O
segundo ponto é que o debate não deveria ser
sobre cortar ou não os gastos do governo.
Essa questão inclui a discussão sobre o
tamanho adequado do Estado - e isso não tem
nada a ver com o superaquecimento da
economia. A decisão de cortar ou não os
gastos públicos depende da visão que você
tem sobre o retorno dos gastos e dos
investimentos governamentais. No caso do
Brasil, o país ainda precisa investir muito
em educação e tecnologia. É preciso,
portanto, fazer uma análise mais detalhada
sobre o que vai ser cortado e sobre o custo
de oportunidade dos cortes.
ÉPOCA - A maior preocupação no Brasil
é com o impacto dos gastos públicos na
inflação. Isso não é importante?
Stiglitz - Em minha
opinião, o governo não deve se concentrar
excessivamente na questão da inflação. Dada
a história da inflação na América Latina, é
difícil não se preocupar com a inflação.
Mas, em alguns países, como nos EUA, há
muita discussão sobre o fato de a política
monetária do Banco Central ter como alvo a
inflação. Ao se concentrar na
inflação, eles deixaram de lado coisas mais
importantes, como a estrutura do sistema
financeiro. A lição é que a inflação é
importante, mas é apenas uma variável. Se a
inflação tiver componentes importados, por
causa do aumento global do preço dos
alimentos, a desaceleração da economia não
resolverá o problema porque os preços são
determinados pelo mercado internacional.
ÉPOCA - Os economistas dizem que o
Brasil não pode crescer mais que 4,5% ou 5%
ao ano sem aumento da inflação...
Stiglitz - Acho que esse é
um jeito errado de ver as coisas. Nas
economias mais dinâmicas, em que há espaço
para a inovação, como no caso do Brasil, não
há razão para que não se possa crescer de
forma mais rápida. A China está crescendo
9%, 10%, 11%, 12% ao ano. A Índia está
crescendo 9%. Antes de 1980, o Brasil
crescia 5,7%, em média, por ano. Para mim,
se você aumentar a produtividade, por meio
da educação, da tecnologia, você poderá
crescer mais rapidamente, sem aumentar a
inflação. Na China, durante muitos anos,
houve um debate parecido. Sempre havia
alguém dizendo que o governo tinha de
desacelerar o crescimento. Mas o governo
chinês conseguiu estabilizar o crescimento
em um patamar elevado, e a inflação
não subiu. O pessoal gritou "fogo" muitas
vezes quando não havia fogo nenhum. Se eles
tivessem ouvido quem estava com medo do
superaquecimento, a China teria hoje uma
economia 10% ou 20% menor do que tem.
ÉPOCA - O maior argumento para
defender o corte de gastos é que o governo
contratou milhares de funcionários públicos,
em vez de investir em educação,
infraestrutura...
Stiglitz - Desde o governo
(do presidente Fernando Henrique) Cardoso, o
Brasil se tornou muito respeitado por seus
programas de proteção social. Teve grandes
progressos na educação. Certamente, os
retornos de alguns gastos têm sido muito
positivos. Em nenhuma economia existe a
eficiência absoluta. E nunca nenhum governo
desperdiçou tanto dinheiro quanto o sistema
financeiro americano. Nenhum governo
desperdiça tanto dinheiro como o sistema
privado de saúde americano. Os EUA têm
desperdícios enormes no setor privado de
saúde. Muito mais que no setor
público.
ÉPOCA
- Em geral, acredita-se que o
setor privado é sempre mais eficiente...
Stiglitz - Algumas vezes,
é. Outras, é muito ineficiente. Nos EUA, a
área mais eficiente e mais respeitada da
economia são as universidades - e a maioria
não é voltada para o lucro. As escolas com
fins lucrativos são terríveis. Os casos mais
bem-sucedidos são fundações. Elas não
são públicas. Pertencem ao Terceiro Setor.
Não têm fins lucrativos.
ÉPOCA - O senhor acredita ser
possível aumentar a participação do Estado
na economia sem desestimular os
investimentos privados e travar o
crescimento?
Stiglitz - Se isso não for
feito do jeito certo, você poderá ter um
governo enxuto que atrapalha a economia.
Não é o tamanho que importa, é o que o
governo faz. Se o governo cobra impostos,
mas gasta o dinheiro em educação e
investimentos, torna a economia mais
produtiva e estimula o crescimento.
Nos EUA,
a carga tributária é bem menor que na
Suécia. Mas os americanos gastam 17% do PIB
em saúde porque o sistema privado é muito
ineficiente. Se houvesse um sistema público
de saúde, seria melhor. Outro exemplo: um
dos grandes serviços que o governo oferece
nos EUA é a aposentadoria. Há também
os planos privados de aposentadoria. A
pergunta é: qual é o sistema mais eficiente?
O sistema público de aposentadoria americano
é muito mais eficiente que qualquer programa
privado.
ÉPOCA - No Brasil, a carga tributária
é de quase 40% do PIB. O senhor não acha que
o peso do governo na vida dos indivíduos e
das empresas já é excessivo?
Stiglitz - A questão não é
tanto o nível da carga tributária quanto sua
estrutura. Nas economias mais dinâmicas,
como a da Escandinávia (Dinamarca, Suécia,
Finlândia e Noruega), a carga tributária é
próxima de 50% do PIB - e lá eles têm a
melhor qualidade de vida do mundo. Eles
dizem que isso é possível porque o governo é
forte e oferece boas políticas de proteção
social e uma educação de qualidade.
Então, a resposta depende das circunstâncias
de cada país.
"No Brasil, o
debate não deveria
ser
sobre cortar ou não gastos públicos. Isso
não tem nada a ver com o superaquecimento da
economia"
ÉPOCA - Considerando isso, o senhor acha
que, no futuro, o sistema capitalista será
muito diferente do que antes da crise?
Stiglitz - Sim. Mais uma
vez, gostaria de responder à pergunta sob o
ponto de vista de diferentes países.
Acredito que, nos mercados emergentes, o
debate sobre o Consenso de Washington
(conjunto de medidas liberais para promover
o ajuste de economias em dificuldades)
morreu. Ninguém mais o leva a sério. Daqui
para a frente, os países em desenvolvimento
terão uma visão muito mais balanceada do
papel do governo na economia. Nos EUA e na
Europa, o debate é um pouco diferente. Há
uma percepção de que o capitalismo sem
controle é perigoso e é preciso regular os
bancos. Há muita discussão a respeito da
criação de um imposto sobre transações
financeiras. Antes da crise na Europa, muita
gente pensava que eles deveriam seguir o
exemplo americano, mais dinâmico. Agora,
você não escuta mais isso.
ÉPOCA - Há algum modelo a seguir?
Stiglitz - Hoje, na Índia,
na Europa, em todo lugar, o que mais se fala
é do modelo escandinavo. Há um
reconhecimento de que é um modelo que
funcionou e provoca inveja no resto do
mundo. A questão é: será que ele vai
funcionar para a Índia, o Brasil e outros
países? É claro que terá de ser adaptado,
assumir formas diferentes, mas é provável
que sim.
ÉPOCA - O que chama a atenção é que eles
conseguiram isso com uma economia aberta,
sem restrições à competição de produtos
estrangeiros...
Stiglitz - Eles argumentam
que é porque têm um bom sistema de proteção
social que podem obter o apoio político para
promover a abertura econômica. E é graças
aos altos tributos que eles podem oferecer
uma educação de qualidade e desenvolver uma
tecnologia que lhes permita responder com
confiança à competição estrangeira.
"Em 2011, haverá
uma desaceleração do crescimento global. Os
mercados emergentes vão continuar a crescer,
mas não terão força para puxar a Europa e os
EUA"
ÉPOCA - Qual a sua previsão para o
desempenho da economia global em 2011? Ainda
há muito a temer?
Stiglitz - Sim. É provável
que as medidas de austeridade tomadas na
Europa levem a uma desaceleração da economia
e que as dificuldades financeiras de alguns
países provoquem um aumento na instabilidade
financeira global. A desaceleração européia
terá um efeito negativo nos EUA, que
esperavam aumentar suas exportações para
puxar o crescimento econômico. Os EUA
esperavam que um dólar fraco iria aumentar
suas exportações. Mas, por causa da
instabilidade na Europa, o dólar vai se
fortalecer -- e não cair -- em relação ao
euro. Estou relativamente confiante de que a
Ásia terá condições para continuar a
crescer, mas não terá força para puxar a
retomada da Europa e dos EUA.
ÉPOCA
- Qual deverá ser o impacto das
crises na Grécia, Irlanda e em outros países
europeus na economia global no ano que vem?
Stiglitz - Acredito que
isso é algo que deve trazer alguma
preocupação, mas os EUA provavelmente não
sofrerão tanto, porque a Ásia continuará a
crescer. Os mercados emergentes, como China
e Índia, que têm enormes mercados internos,
também não deverão ser muito afetados. Eles
estão reestruturando suas economias para
estimular o consumo interno e para depender
menos dos países desenvolvidos. O Brasil
também tem um grande mercado interno. Esses
países serão capazes de sustentar o
crescimento de suas economias, apesar da
fraqueza nos EUA e nos EUA. Hoje, vários
países asiáticos que eram voltados para
exportação, principalmente para os EUA,
estão reorientando suas economias em direção
à própria Ásia.
ÉPOCA - Em termos globais, o senhor acredita
que a taxa de crescimento de 2011 será menor
que a de 2010?
Stiglitz - A maioria da
previsões prevê uma desaceleração
significativa do crescimento global em 2011.
Isso deverá acontecer principalmente porque
a Europa e os Estados Unidos não irão bem.
ÉPOCA - O senhor acredita que, hoje,
o dólar está perdendo a sua função de
reserva de valor global?
Stiglitz - Claramente, a
importância do dólar está diminuindo. Eu
defendo a criação de de um sistema global de
reservas. É uma idéia que recebeu apoio da
China, da França, da Rússia. Acho que é algo
que temos de fazer. O que me preocupa é que,
em vez de criarmos um sistema global de
reservas, a gente passe para um sistema que
tenha o dólar, o euro, o iene, o iuan. Isso
será muito instável. Em uma hora o dólar
será forte, em outra será o euro. E, quando
os investidores mudarem seus portfólios,
isso criará muita volatilidade.
ÉPOCA - O que senhor pensa do
crescimento da importância do G-20 (o grupo
que reúne os maiores países desenvolvidos e
emergentes).
Stiglitz - Eu me preocupo
com a falta de representatividade política
do G-20. Acho que isso deveria ser feito no
âmbito da ONU. Eu defendo um conselho global
de economia na esfera da ONU.
ÉPOCA - Qual a sua opinião sobre o aumento
do peso dos países emergentes no Banco
Mundial e no Fundo Monetário Internacional
(FMI)?
Stiglitz - É muito bom que
eles tenham mais voz. Acho que eles deveriam
exercitar suas vozes de forma mais ativa.
ÉPOCA - Qual é sua opinião sobre o
pacote de US$ 600 bilhões do FED (Federal
Reserve, o banco central americano), que
desagradou tantos países?
Stiglitz - Acho que as
reclamações estão certas. É pior do que
isso. Eu tenho sido um crítico pesado do
relaxamento monetário. Para mim, o possível
benefício desse pacote para os EUA é muito
pequeno. As grandes empresas americanas não
precisam de dinheiro. Elas têm uns dois
trilhões de dólares em caixa hoje. E as
pequenas empresas não receberão muito mais
dinheiro, porque o sistema bancário não se
ajustou ainda. Elas estão com falta de
capital, não conseguem ter acesso ao
crédito, mas reduzir as taxas de juro de
longo prazo não vai resolver esse problema.
Nós já reduzimos as taxas de curto prazo
para zero e não aconteceu nada. Em 2001, a
política monetária funcionou para criar a
bolha imobiliária e não para estimular
investimentos reais, que tornam a economia
mais produtiva. Por que imaginar que isso
vai funcionar agora? Se funcionar, isso
acontecerá principalmente por causa da
desvalorização relativa do dólar. O
presidente (Barack) Obama disse que é do
interesse do mundo que os EUA cresçam de
forma mais rápida - e ele está certo. Mas
não é do interesse do mundo que os EUA
cresçam mais rápido à custa de outros
países. Se ele estimulasse a economia
com medidas fiscais, seria uma coisa boa.
Mas estimular a economia com uma política
que prejudica outros países é uma política
ruim. A política de relaxamento monetário
vai continuar a provocar reações adversas em
todo o mundo, no Brasil, na China. E o
resultado é que isso levará a novas medidas
de controle de capital, aumento de impostos,
intervenções governamentais, que é
exatamente o contrário do que os EUA têm
defendido por décadas.
"A nova
legislação bancária aprovada pelo Congresso
dos EUA não é suficiente para evitar a
repetição de uma crise global como a que
vivemos hoje"
ÉPOCA - Em seu último livro, o senhor
critica o "fundamentalismo do livre
mercado". O senhor diz que o sistema
financeiro tem muita influência em
Washington e que os grandes bancos foram
os grandes responsáveis pela crise. Isso
não é uma visão ideológica do problema?
Stiglitz - Essa é uma
descrição empírica. Ninguém discorda de que
os bancos administraram mal os riscos,
aplicaram mal seu capital, fazendo maus
empréstimos, que levaram à bolha
imobiliária. Eles tiveram também um papel
central na crise de crédito que aconteceu
depois do calapso do banco Lehman Brothers e
que levou à retração da economia global e à
redução do fluxo de crédito. Então, os
bancos falharam em fazer o que deveriam
fazer. Não há dúvida sobre isso. Se não
fosse pela operação-salvamento do governo,
os bancos teriam morrido. Agora, há
muita discussão sobre por que os bancos
fracassaram. Acho que parte foi porque eles
já fizeram isso várias vezes -- e foram
salvos repetidamente. O retrospecto
deles é terrível. Por isso, temos de ter
controles, criar regulações, que foram
desenhadas para parar com esse tipo de mau
comportamento. Mas os reguladores falharam -
e isso, sim, foi ideológico. Isso aconteceu
porque a ideologia de que os mercados
poderiam poderiam se auto-regular, contra
todas as evidências, predominou. Foi
essa ideologia que levou à lona a economia
global. A grande lição da crise é
descartar essa ideologia. Os mercados
oferecem serviços importantes, mas eles
falham. Temos de tentar aproveitar os
benefícios, mas também corrigir os erros.
ÉPOCA - O senhor acredita que mesmo
depois da crise os bancos mantiveram sua
influência em Washington?
Stiglitz - Absolutamente. A
lei aprovada pelo Congresso americano
claramente não protege os EUA de outra
crise. Foi uma iniciativa na direção certa,
mas ela é cheia de exceções e exclusões. Os
bancos poderão continuar a fazer certos
tipos de operações de alto risco. Não
sabemos ao certo muitos pontos, porque eles
foram delegadas aos reguladores. Dependendo
das regulamentações que eles definirem e de
como eles vão fiscalizá-las é que vamos
saber como as coisas irão. Algumas pessoas
que idealizaram a lei são as mesmas que
estavam no comando da economia antes da
crise. O (Ben) Bernanke (presidente do Fed,
o banco central americano) ainda está lá. A
pergunta que todo mundo se faz hoje é por
que devemos imaginar que eles farão um
trabalho melhor agora do que fizeram antes.
ÉPOCA - Se o senhor tivesse de dar um
conselho para o Brasil, hoje, qual seria?
Stiglitz -
O Brasil fez
muitas coisas certas. Agora, se quiser
continuar a crescer, terá de baixar os juros
reais (acima da inflação), que estão
entre os mais altos do mundo. Não dá para
ter um setor privado vibrante com juros
reais tão altos. Além disso,
é
preciso ampliar os investimentos em educação.
A política industrial, com o apoio do BNDES,
também é importante, assim como as
políticas de proteção social. Há 20
anos, quando começou a desenvolver suas
políticas sociais, o Brasil tinha altos
índices de desigualdade. Hoje, melhorou
bastante, mas ainda há muito a ser feito.
Não dá para deixar isso para trás.
Esse é um
longo caminho, mas é preciso persistir nele
para alcançar os resultados desejados.
(Época, 20/12/2010, págs. 80-82)
O economista prêmio nobel confirmou que o Brasil estava
no caminho certo e aconselhou a continuar nele.
Todavia, infelizmente, não foi ouvido; e o resultado
está aí.
Ver mais sobre
ECONOMIA E POLÍTICA
|
..
|
. |
|
|