DESCOBRIMENTO DO BRASIL POR PORTUGAL
A armada de Pedro Álvares Cabral
Nau de Pedro Álvares Cabral conforme retratada no Livro das Armadas, atualmente
na Academia das Ciências de Lisboa.
Para selar o sucesso da viagem de Vasco da Gama na descoberta do caminho
marítimo para a Índia — que permitia contornar o Mediterrâneo, então sob domínio
dos mouros e das nações italianas —, o rei D. Manuel I se apressou em mandar
aparelhar uma nova frota para as Índias. Uma vez que a pequena frota de Vasco da
Gama tivera dificuldades em impor-se e comerciar, esta seria a maior até então
constituída pelo Ocidente, sendo composta por treze embarcações e mais de mil
homens. Com exceção dos nomes de duas naus e de uma caravela, não se sabe como
se chamavam os navios comandados por Cabral. Estima-se que a armada levasse
mantimentos para cerca de dezoito meses.
Aquela era a maior esquadra até então enviada para singrar o Atlântico: dez
naus, três caravelas e uma naveta de mantimentos. Embora não se saiba o nome da
nau capitânia, a nau sota-capitânia, capitaneada pelo vice-comandante da armada
Sancho de Tovar, se chamava El Rei. A outra cujo nome permaneceu é a Anunciada,
comandada por Nuno Leitão da Cunha. Esta última pertencia a Dom Álvaro de
Bragança, filho do duque de Bragança, e fora equipada com os recursos de
Bartolomeu Marchionni e Girolamo (ou Jerônimo) Sernige, banqueiros florentinos
que residiam em Lisboa e investiam no comércio de especiarias. As cartas que
eles trocaram com seus sócios e acionistas italianos preservaram o nome do
navio.
Conservou-se ainda o nome da caravela capitaneada por Pero de Ataíde, a São
Pedro. A outra caravela, comandada por Bartolomeu Dias, teve o seu nome perdido.
A armada era completada por uma naveta de mantimentos, comandada por Gaspar de
Lemos. Coube a ela retornar a Portugal com as notícias sobre a descoberta do
Brasil.
Rota seguida por Cabral para a Índia em 1500 (em vermelho) e a rota de retorno
(em azul).
Baseado em documento incompleto que localizou na Torre do Tombo, em Lisboa,
Francisco Adolfo de Varnhagen identificou cinco das dez naus que compunham a
frota cabralina. Seriam elas Santa Cruz, Vitória, Flor de la Mar, Espírito Santo
e Espera. A fonte citada por Varnhagen nunca foi reencontrada, portanto a
maioria dos historiadores prefere não adotar os nomes por ele listados. A
armada, assim, continua quase anônima.
Outros historiadores do século XIX declararam que a nau capitânia de Cabral era
a lendária São Gabriel, a mesma comandada por Vasco da Gama na histórica viagem
em que se descobriu o caminho marítimo para as Índias, três anos antes.
Entretanto, não existem documentos para comprovar a tese.
Pouco antes da partida, el-Rei mandou rezar uma missa, no Mosteiro de Belém,
presidida pelo bispo de Ceuta, D. Diogo de Ortiz, em pessoa, onde benzeu uma
bandeira com as armas do Reino e entregou-a em mãos a Cabral, despedindo-se o
rei do fidalgo e dos restantes capitães.
Vasco da Gama teria tecido considerações e recomendações para a longa viagem que
se chegava: a coordenação entre os navios era crucial para que não se perdessem
uns dos outros. Recomendou então ao capitão-mor disparar os canhões duas vezes e
esperar pela mesma resposta de todos os outros navios antes de mudar o curso ou
velocidade (método de contagem ainda atualmente utilizado em campo de batalha
terrestre), dentre outros códigos de comunicação semelhantes.
A chegada a Vera Cruz
Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel I, comunicando sobre o
descobrimento da Ilha de Vera Cruz (Brasil).
No dia 24 de abril, Cabral, acompanhado de Sancho de Tovar, Simão de Miranda,
Nicolau Coelho, Aires Correia e Pero Vaz de Caminha, recebeu um grupo de índios
no seu navio, e os nativos aparentemente reconheceram o ouro e a prata que se
fazia surgir na embarcação — nomeadamente um fio de ouro de D. Pedro e um
castiçal de prata — o que fez com que os portugueses inicialmente acreditassem
que havia muito ouro naquela terra. Entretanto, Caminha, em sua carta, confessa
que não sabia dizer se os índios diziam mesmo que ali havia ouro, ou se o desejo
dos navegantes pelo metal era tão grande que eles não conseguiram entender
diferentemente. Posteriormente, provou-se que a segunda alternativa era a
verdadeira.[13]
O encontro entre portugueses e índios também está documentado na carta escrita
por Caminha. O choque cultural foi evidente. Os indígenas não reconheceram os
animais que traziam os navegadores, à exceção de um papagaio que o capitão
trazia consigo; ofereceram-lhes comida e vinho, os quais os índios rejeitaram. A
curiosidade tocou-lhes pelos objetos não reconhecidos — como umas contas de
Rosário, e a surpresa dos portugueses pelos objetos reconhecidos — os metais
preciosos. Fez-se curioso e absurdo aos portugueses o fato de Cabral ter
vestido-se com todas as vestimentas e adornos os quais tinha direito um
capitão-mor frente aos índios e estes, por sua vez, terem passado por sua frente
sem diferenciá-lo dos demais tripulantes.
Desembarque de Cabral em Porto Seguro (óleo sobre tela), autor: Oscar Pereira da
Silva, 1904. Acervo do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.
A elevação da Cruz em Porto Seguro.
Os indígenas começaram a tomar conhecimento da fé dos portugueses ao assistirem
a Primeira Missa, rezada por Frei Henrique de Coimbra, em um domingo, 26 de
abril de 1500. Logo depois de realizada a missa, a frota de Cabral rumou para as
Índias, seu objetivo final, mas enviou um dos navios de volta a Portugal com a
carta de Caminha. No entanto, posteriormente, com a chegada de frotas lusitanas
com o objetivo de permanecer no Brasil — e a tentativa de evangelizar os índios
de fato —, os portugueses perceberam que a suposta facilidade na cristianização
dos indígenas na verdade traduziu-se apenas pela curiosidade destes com os
gestos e falas ritualísticos dos europeus, não havendo um real interesse na fé
católica, o que forçou os missionários a repensarem seus métodos de conquista
espiritual.
Os povos nativos
Os povos que habitavam o Brasil na época da chegada de Cabral viviam na Idade da
Pedra, entre a passagem do Paleolítico para o Neolítico, uma vez que praticavam
uma incipiente agricultura (milho e mandioca) e domesticação de animais (porco
do mato e capivara). Contudo, tinham amplo conhecimento da produção de bebidas
alcoólicas fermentadas (mais de 80), utilizando como matéria-prima raízes,
tubérculos, cascas, frutos, entre outros.[14]
Índios tupinambás, gravura do século XVI.
Quando da chegada ao Brasil pelos portugueses, o litoral baiano era ocupado por
duas nações indígenas do grupo linguístico tupi: os tupinambás, que ocupavam a
faixa compreendida entre Camamu e a foz do rio São Francisco; e os tupiniquins,
e que se estendiam de Camamu até o limite com o atual estado brasileiro do
Espírito Santo. Mais para o interior, ocupando a faixa paralela àquela
apropriada pelos tupiniquins, estavam os aimorés.
No início do processo de colonização do Brasil, os tupiniquins apoiaram os
portugueses, enquanto seus rivais, os tupinambás, apoiaram os franceses, que
durante os séculos XVI e XVII realizaram diversas ofensivas contra a América
Portuguesa. A presença dos europeus incendiou mais o ódio entre as duas tribos,
ódio relatado por Hans Staden, viajante alemão, em seu sequestro pelos
tupinambás. Ambas as tribos possuíam cultura antropofágica com relação aos seus
rivais, característica que durante séculos não fora compreendida pelos europeus,
o que resultou na posterior caça àqueles que se recusassem a mudar esse hábito.
Data da descoberta na historiografia luso-brasileira
Em termos historiográficos, a data da descoberta do Brasil variou ao longo dos
séculosː[15]
Até 1817 - 3 de maio (conforme Gaspar Correia);
1817 - 22 de abril (conforme publicação da Carta de Pero Vaz de Caminha pelo
padre Manuel Aires de Casal, que a descobriu entre os documentos trazidos para o
Brasil pela Família Real em 1808);
1823 - José Bonifácio propôs a data de abertura da Assembleia Constituinte — 3
de maio — para coincidir com a data do descobrimento (supostamente desconhecia a
publicação de 1817);
Da segunda metade do século XIX até 1889, o cidadão brasileiro culto sabia que a
data do descobrimento era 22 de abril, embora ela não fizesse parte dos feriados
do Império;
1890 - Um Decreto republicano instituía a data de 3 de maio como feriado alusivo
ao descobrimento. A imprensa à época, entretanto, já considerava 22 de abril
como a data correta;
1930 - Um Decreto de Getúlio Vargas extinguiu o feriado de 3 de maio.
Afirmou-se, a partir de então, o 22 de abril.