Mendes e a anatomia da suspeição de
Moro.
Ou: Para sair da terra dos mortos
Lula no dia da ilegal e vergonhosa
condução coercitiva decretada por Sergio Moro. Era um projeto de poder - Fábio
Braga/Folhapress Lula no dia da ilegal e vergonhosa condução coercitiva
decretada por Sergio Moro. Era um projeto de poder Imagem: Fábio Braga/Folhapress
Reinaldo Azevedo Colunista do UOL 10/03/2021 07h13
Num voto de 102 páginas, o ministro
Gilmar Mendes cumpriu rigorosamente o dever técnico de apontar os
elementos
objetivos que caracterizam a suspeição de Sergio Moro no julgamento do
ex-presidente Lula. Se Moro não conseguiu, em sua sentença condenatória, apontar
por que Lula era culpado, Mendes esmerou-se em demonstrar por que o então juiz
era suspeito.
Dou destaque, neste texto, aos
elementos objetivos de suspeição, observando que o ministro evidenciou como os
atos impróprios, que se estenderam à sentença condenatória, compunham o
instrumental do que ele chamou "projeto populista de poder".
Não há a menor dúvida:
estávamos — em
certa medida, ainda estamos — diante de um método que a democracia e o estado de
direito não podem hesitar em chamar de loucura.
Escreve Mendes: "Há alguns anos
compartilho e aprofundo críticas sobre os excessos e os riscos impostos ao
Estado de Direito por um modelo de atuação judicial oficiosa que invoca para si
um projeto de moralização política. A história recente do Poder Judiciário
brasileiro ficará marcada pelo experimento de um projeto populista de poder
político, cuja tônica assentava-se na instrumentalização do processo penal, na
deturpação dos valores da Justiça e na elevação mítica de um Juiz subserviente a
um ideal feroz de violência às garantias constitucionais do contraditório, da
ampla da presunção de inocência e, principalmente, da dignidade da pessoa
humana"
Vamos à anatomia de uma suspeição. Os
trechos que aparecerão em negrito são extraídos do voto de Mendes. A integra
está
aqui.
Afirma o ministro:
"Não se cuida de discutir aqui se o
Juiz, na sua dimensão subjetiva, nutria afeição ou desapreço pelo acusado. O que
se deve perguntar de forma simples e direta é: diante de todo o conjunto de atos
jurisdicionais praticados por Sérgio Moro, ainda é possível manter a percepção
de que o julgamento do paciente deste HC foi realizado por um juiz despido de
todo e qualquer preconceito acerca da culpabilidade do acusado? É ainda possível
afirmar que a decisão condenatória assinada pelo magistrado serviria unicamente
à realização do interesse da Justiça independente dos desígnios pessoais do
magistrado? As respostas a essas duas questões, infelizmente, parecem ser
negativas."
O ministro fez, então, o elenco dos
atos que caracterizam a suspeição:
1: Ilegal condução coercitiva de
Luiz Inácio Lula da Silva
"O primeiro fato indicador da parcialidade do
magistrado consiste em decisão datada de 04.03.2016 que ordenou a realização de
uma espetaculosa condução coercitiva do então investigado, sem que fosse
oportunizada previamente a sua intimação pessoal para comparecimento em juízo,
na forma do exigido pelo art. 260 do Código de Processo Penal".
2: Arbitrária quebra do sigilo
telefônico do paciente, de familiares e até de advogados
Escreve:
O ex-juiz realizou a quebra de sigilos
telefônicos do paciente, de seus familiares e até mesmo de seus advogados, tudo
com o intuito de monitorar e antecipar as suas estratégias defensivas. Em
19.02.2016, a autoridade judicial, atendendo a pedido do Ministério Público
Federal, determinou a interceptação telefônica de diversas pessoas relacionadas
ao paciente, inclusive de conversas entre o réu e seus advogados. A
interceptação também atingiu o ramal-tronco do escritório de advocacia
"Teixeira, Martins & Advogados", de modo que todos os 25 (vinte e cinco)
advogados do escritório e seus respectivos clientes foram grampeados. Essas
interceptações foram prorrogadas por sucessivos atos confirmatórios e
ampliativos nas datas de 20.02.2016; 26.02.2016; 29.02.2016; 03.03.2016;
04.03.2016 e 07.03.2016. (...) A conduta do magistrado de interceptar os
advogados do paciente para ter acesso antecipado aos seus movimentos processuais
- por si só - seria causa suficiente para reconhecer a violação da independência
judicial e a contaminação de todo os atos praticados pelo juiz. (...) Não há,
portanto, nenhuma dúvida de que os passos do paciente e suas discussões de
estratégias processuais eram friamente monitorados pelo magistrado, o que
subverte totalmente a sua posição de isenção quanto às teses defensivas.
3: Divulgação ilegal de áudios
O terceiro fato indicativo da
parcialidade do juiz traduz-se na tão controvertida divulgação de conversas
obtidas em interceptações telefônicas do paciente com familiares e terceiros.
Esses vazamentos se deram no dia 16 de março de 2016, em momento de enorme
tensão na sociedade brasileira, quando Lula foi nomeado Ministro da Casa Civil
da Presidência da República. E, a partir disso, houve intensa discussão sobre
tal ato e ampla efervescência social em crítica ao cenário político brasileiro.
Mesmo sabedor de que a competência sobre tais atos não era mais sua, tendo em
vista a menção de autoridade com prerrogativa de foro, no caso, a ex-presidente
Dilma Rousseff, o ex-juiz, em decisão bastante singular e desconectada de
qualquer precedente conhecido, levantou o sigilo dos autos com o intuito - hoje
relevado inconteste - de expor publicamente o ex-presidente Lula, corroborando
uma narrativa de incriminação.
4: A atuação para impedir a soltura de Lula
O quarto fato indicativo da quebra de
imparcialidade do magistrado aconteceu em 2018, quando a estratégia do ex-Juiz
de impedir o paciente de participar do processo eleitoral foi ameaçada por uma
decisão do TRF-4 que ordenava a imediata soltura do excipiente.
Em 8.7.2018, o Desembargador Federal Rogério Favreto concedeu ordem de habeas
corpus para determinar a liberdade do ex-Presidente Lula (HC
5025614-40.2018.4.04.0000 - Doc. 30), de modo a possibilitar a sua participação
no "processo democrático das eleições nacionais, seja nos atos internos
partidários, seja nas ações de pré-campanha".
Mesmo sem jurisdição sobre o caso e em período de férias, o ex-juiz Sergio Moro
atuou intensamente para evitar o cumprimento da ordem, a ponto de telefonar ao
então Diretor-Geral da Polícia Federal Maurício Valeixo e sustentar o
descumprimento da liminar, agindo como se membro do Ministério Público fosse,
com o objetivo de manter a prisão de réu em caso que já havia se manifestado
como julgador. Estamos diante do absurdo de um juiz de primeiro grau fazer as
vezes da acusação e, sorrateira e clandestinamente, "recorrer" da decisão
proferida pelo Tribunal.
Já tive a oportunidade de me pronunciar acerca de situações em que se vislumbra
resistência ou inconformismo do magistrado, quando contrariado por uma decisão
de instância superior. Em atuação de inequívoco desserviço e desrespeito ao
sistema jurisdicional e ao Estado de Direito, o juiz irroga-se de autoridade
ímpar, absolutista, acima da própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre
arbítrio, bradando sua independência funcional. É inaceitável, sob qualquer
perspectiva, esse tipo de comportamento.
5: Elementos presentes na própria sentença condenatória
Nesse item, o ministro Gilmar Mendes
lembra que o próprio Moro faz questão de caracterizar na sentença a defesa de
Lula como agressiva, dizendo que "o Juízo ainda foi ofendido pelos defensores,
como se verifica em alguns trechos desses lamentáveis episódios" e que "nesse
contexto de comportamento processual inadequado por parte da Defesa de Luiz
Inácio Lula da Silva, é bastante peculiar a reclamação dela de que este julgador
teria agido com animosidade contra os defensores em questão".
Moro agia nesse caso, e isto digo eu, como o zagueiro que avança no calcanhar do
adversário, ergue a mão e grita "falta!". Escreve o ministro: Não se trata de
discutir a atuação da defesa, mas focar na percepção do julgador sobre o cenário
amplo do processo, pois o próprio juiz expressou a sua percepção no sentido de
ter sido agredido e provocado, o que finda por inviabilizar a sua atuação
imparcial."
Ainda nesse item, destaca o ministro:
- negativa sem justificativa técnica de
produção de provas complementares;
- a não delimitação precisa de um ato de
ofício que justifique a condenação;
- cooperação espúria entre juiz e Ministério
Público Federal.
6: Divulgação de trecho da delação
de Antônio Palocci
Escreve o ministro:
O sexto fato indicador da violação do dever de independência da autoridade
judiciário consiste na decisão tomada pelo magistrado em 01.10.2018 de ordenar o
levantamento do sigilo e o translado de parte dos depoimentos prestados por
Antônio Palocci Filho em acordo de colaboração premiada para os autos da Ação
penal nº 5063130- 17.2016.4.04.7000 (instituto Lula) Nesse caso, chama a atenção
as circunstâncias em que ocorreu a juntada aos autos do Acordo de Colaboração
Premiada de Antônio Palocci. Em primeiro lugar, verifica-se que, quando referido
acordo foi juntado aos autos da referida ação penal, a fase de instrução
processual já havia sido encerrada, o que sugere que os termos do referido
acordo sequer estariam aptos a fundamentar a prolação da sentença. Em segundo
lugar, verifica-se que o acordo foi juntado aos autos do processo penal cerca de
3 (três) meses após a decisão judicial que o homologou. Essa demora parece ter
sido cuidadosamente planejada pelo magistrado para gerar um verdadeiro fato
político, na semana que antecedia o primeiro turno das eleições presidenciais de
2018.
Ressalta-se que, ato contínuo à juntada dos termos do acordo, foi determinado o
imediato levantamento do seu sigilo, com a clara finalidade de que fosse dada
publicidade às imputações dirigidas ao réu. Repise-se que as circunstâncias
narradas no acordo não eram a princípio relevantes para o processo penal em
andamento já que, como dito, a fase de instrução processual havia se encerrado.
Em terceiro lugar, destaca-se ainda que tanto a juntada do acordo aos autos
quanto o levantamento do seu sigilo ocorreram por iniciativa do próprio juiz,
isto é, sem qualquer provocação do órgão acusatório. 7: Assumir o cargo de
ministro da Justiça.
Por fim, o último fato indicativo da perda de imparcialidade do magistrado
consiste na sua aceitação ao cargo de Ministro da Justiça após a eleição do
atual Presidente da República Jair Bolsonaro que há muito despontava como
principal adversário político do paciente.
A rigor, a pretensão política do ex-juiz Sergio Moro se evidenciou logo com a
eleição do partido de oposição àquele de Luiz Inácio Lula da Silva. Após o
resultado final das eleições de 2018, Sergio Moro emitiu nota pública de
congratulações ao Presidente eleito, com o seguinte teor: "Encerradas as
eleições, cabe congratular o Presidente eleito e desejar que faça um bom
Governo. São importantes, com diálogo e tolerância, reformas para recuperar a
economia e a integridade da Administração Pública, assim resgatando a confiança
da população na classe política."
Lembra Mendes em seu voto: Por imposição da presunção de inocência, o julgador
deve adotar uma posição de desconfiança em relação à acusação. Somente se houver
comprovação além de qualquer dúvida razoável é que se autoriza o sancionamento.
Ademais, há íntima relação entre a imparcialidade e o contraditório. A
imparcialidade é essencial para que a tese defensiva seja considerada, pois, em
uma situação de aderência anterior do julgador à acusação, não há qualquer
possibilidade de defesa efetiva.
O país tem só um caminho virtuoso nesse particular: o estado de direito. Se ele
passa a ser alvo do ataque industriado de justiceiros de plantão, não morrem
apenas as garantias individuais. Morrem também os indivíduos. Aos milhares. Aos
muitos milhares. Chegamos à terra dos mortos. Precisamos sair dela.
<https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2021/03/10/mendes-e-a-anatomia-da-suspeicao-de-moro-ou-para-sair-da-terra-dos-mortos.htm?cmpid=copiaecola>
Que alguns jornalistas defendam Sérgio
Moro como insuspeito até se entende. Todavia, o que admira é ainda
existirem ministros negando a suspeição do ex-juiz.
1: Ilegal condução coercitiva de Luiz
Inácio Lula da Silva;
2: Arbitrária quebra do sigilo telefônico do paciente, de familiares e até de
advogados;
3: Divulgação ilegal de áudios;
4: A atuação para impedir a soltura de Lula;
5: Elementos presentes na própria sentença condenatória:
- negativa sem justificativa técnica de produção de provas complementares;
- a não delimitação precisa de um ato de ofício que justifique a condenação;
- cooperação espúria entre juiz e Ministério Público Federal;
6: Divulgação de trecho da delação de Antônio Palocci;
nada disso lhes parecer
suspeito!!!
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