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EFEITO DANOSO DA RELIGIÃO NA
POLÍTICA
Religião na política e seus efeitos danosos para a democracia
Religiosos: discurso moralista
Querem impor seus dogmas
Não são garantia de bondade
Everaldo e Flordelis: exemplos
Thales Guaracy
07.set.2020 (segunda-feira) - 5h50
Dois casos rumorosos, envolvendo pastores evangélicos, vêm mostrando por motivos
diferentes o efeito venenoso da infiltração da religião na política
brasileira.
No Rio de Janeiro, o pastor Everaldo, da Assembleia de
Deus, presidente do
PSC, foi preso no
último dia 28 na mesma operação que afastou do cargo o governador do Rio de
Janeiro, Wilson Witzel.
Segundo delação do ex-secretário de Saúde do Rio de Janeiro, Edmar Santos,
também preso, Everaldo seria o chefe do esquema de corrupção que levou à
compra superfaturada de respiradores na pandemia do
covid-19, que expôs todo o governo eleito sob a égide moralizadora de
Witzel.
Não menos espantoso é o caso da deputada Flordelis
(PSD-RJ), fundadora da sua própria igreja, o Ministério Flordelis, apontada pela
Polícia Civil e o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro como
mandante do assassinato do marido, o pastor Anderson, com 30 tiros, em
junho do ano passado.
Seis dos seus filhos e uma neta estão presos
e ela só se encontra em liberdade porque, como parlamentar, só pode ser presa
depois de afastada do cargo por decisão da Justiça ou da própria Câmara Federal.
São casos diferentes, sem nenhuma relação entre si, mas revelam uma coisa só.
Levam a pensar sobre a crescente participação da religião na política e seus
efeitos danosos para a democracia e o país.
Religiosos entram para a política com base num discurso moralista – não apenas
contra os maus políticos, como o que seriam os maus costumes em geral.
Apresentam-se como restauradores da ordem, infensos à corrupção e aos pecadilhos
humanos. E, a partir do seu próprio exemplo, querem
impor seus dogmas em todos os campos, como salvadores diante do apocalipse.
Aí está a contribuição dos casos de Everaldo e Flordelis. Religiosos na política
não são garantia de bom comportamento, muito menos de solução para a moralidade,
na política ou na vida. Ao contrário. Os políticos que se
apresentam como bastiões da moral podem cair nos mesmos pecados de outros
mortais.
Com o agravante da farsa, escondendo o pé de barro, para
vender-se como santos, caso de Flordelis, que já foi idealizada até mesmo
em filme.
Ninguém pode dizer que os políticos religiosos representam os interesses de sua
comunidade de fé.
Existe no Congresso Nacional a chamada bancada evangélica, um bloco informal,
cujos integrantes supostamente se unem em votações com posições de interesse em
comum. Na maior parte das vezes, porém, esses políticos usam sua identificação
com a comunidade religiosa mais para eleger-se. Uma vez no poder, como ilustra o
caso de Everaldo, defendem mais os interesses próprios.
Ninguém é proibido de participar da política e a religião é livre. Porém,
usar o proselitismo religioso para impulsionar a carreira
política, ou apresentar-se como representante político de uma religião, são
desvirtuamentos da democracia.
A religião na política vai contra os princípios do
Estado laico, conforme está registrado na Constituição de todas as democracias
do mundo, incluindo a brasileira. Não existe bancada religiosa no
Congresso de democracia nenhuma no mundo inteiro, exceto nas falsas, como no Irã
dos aiatolás.
Ao defender interesses de partidários de uma religião
específica, contraria-se o princípio da igualdade, segundo a qual todos os
brasileiros são iguais perante a lei, independentemente de raça, cor
e, diga-se, religião. Não há nenhuma razão para que se tome decisões em favor de
membros desta religião ou daquela,
sendo todos os crentes tratados igualmente, como cidadãos,
com os mesmos direitos e deveres.
O destino dos moralistas é serem desmoralizados. Porém, há algo a melhorar na
democracia brasileira, para que se extingua o voto de natureza religiosa. É
preciso proteger os princípios humanistas da igualdade entre todos os cidadãos,
independente de suas escolhas pessoais, seja de religião, seja dos costumes.
Um dos grandes dilemas da democracia é como tratar pessoas diferentes como
iguais, e ao mesmo tempo como tratar pessoas como iguais, respeitando suas
diferenças. O certo, porém, é que a democracia é o único regime onde isso pode
chegar o mais perto possível do ideal.
Para isso, deve surgir a partir do eleitor uma reação contra a infiltração da
religião no poder, seja no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário – como
quer o presidente Jair Bolsonaro, que colocou Deus no slogan de Estado e
prometeu nomear um ministro “terrivelmente evangélico” na sua próxima indicação
ao Supremo Tribunal Federal.
Com a partidarização da religião, o que se fomenta no
Brasil é apenas a intolerância, e com ela a defesa e tentativa de
imposição de interesses de um grupo sobre o de outros, com a natural
reação em contrário dos prejudicados.
O clima de intolerância só interessa aos ditadores de plantão, que só podem
fazer o que quiserem se passarem por cima do respeito ao pluralismo e da
diversidade. A verdade é que, sem liberdade, não há nenhum progresso real.
Quando as ditaduras dão errado, é por liberdade que se clama, porque deram
errado. Quando elas dão certo, pede-se também por liberdade, para que se possa
desfrutar do progresso.
Só há um caminho, que é o caminho da liberdade, mas para chegar lá é necessário
neutralizar as forças insidiosas que se nutrem da intolerância, promovidas por
pessoas que agem em interesse próprio. No Brasil, esses agentes parecem já ter
se esquecido dos males que as ditaduras fazem a todo mundo. E que somente a
democracia permite a um país fazer sua própria crítica, corrigir erros e
melhorar.
A história, porém, não se esqueceu. E só depende dos defensores da liberdade e
da igualdade não perdê-las, para que possamos chegar mais depressa e
orgulhosamente a um bom lugar.
Thales Guaracy, 55 anos, é jornalista e cientista social, formado pela USP.
Prêmio Esso de Jornalismo Político, é autor de livros como "A Conquista do
Brasil", "A Criação do Brasil" e "O Sonho Brasileiro", entre outros. Pertence ao
board do Projeto Condorcet, plataforma colaborativa global para o
desenvolvimento da democracia na era digital. Escreve semanalmente para o
Poder360, sempre às segundas-feiras.
nota do editor: os textos, fotos, vídeos, tabelas e outros materiais
iconográficos publicados no espaço “opinião” não refletem necessariamente o
pensamento do Poder360, sendo de total responsabilidade do(s) autor(es) as
informações, juízos de valor e conceitos divulgados.
<https://www.poder360.com.br/opiniao/congresso/religiao-na-politica-e-seus-efeitos-danosos-para-a-democracia/>
Os casos aí exemplificados, entre muitos outros, deveriam servir de reflexão,
pois levam à conclusão de que religião não
torna bons os maus, mas, introduzida na política, só promove a imposição de
seus pensamentos retrógrados, que só trazem danos à sociedade.
Ver mais sobre
O RISCO DE UM ESTADO RELIGIOSO
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