CASTOR CARTELLE DIZ QUE EVOLUÇÃO NÃO É
NEGAÇÃO DE DEUS
Ossos
do ofício
Paleontólogo Castor Cartelle fala sobre os 150 anos da Teoria da Evolução e
afirma que a polêmica de que os estudos de Darwin são a negação de Deus é pura
falta de conhecimento. "Ciência e religião não se opõem" .
Texto: Daniele Hostalácio | Fotos: Pedro Vilela
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Este é um ano de comemorações para a Teoria da Evolução. Em fevereiro,
celebrou-se o bicentenário do nascimento de Charles Darwin e em novembro
registram-se os 150 anos da publicação de A Origem das Espécies, a obra desse
naturalista que marcou para sempre a história da ciência e influenciou o modo
como compreendemos a nossa própria humanidade. Para falar sobre esses
importantes marcos, conversamos com Castor Cartelle, renomado paleontologista de
origem espanhola, naturalizado brasileiro, que é curador da coleção de
Paleontologia do Museu de História Natural da PUC Minas, professor aposentado da
UFMG e presidente da Fundação Biodiversitas. “Na natureza, tudo está conectado,
inclusive o homem”, destaca.
Qual a força, hoje, do pensamento de Darwin, 150 anos depois do surgimento da
Teoria da Evolução?
O livro A Origem das Espécies foi publicado em 1859. Foi aí que surgiu a Teoria
da Evolução e foi uma revolução, pois parecia que ela queria negar Deus. A
teoria foi mergulhando num esquecimento e só depois da última grande guerra ela
foi retomada, com uma denominação nova: teoria sintética da evolução. Pensava-se
que a genética explicava tudo, mas ela pode ser considerada como um processo
dentro da Teoria da Evolução. Hoje, do ponto de vista técnico, científico, para
mim a Teoria da Evolução não existe, porque ela é um fato biológico. Não há que
se falar em teoria, pois a evolução é a evidência, é o óbvio. Há 200 anos, por
exemplo, havia teorias de tudo quanto era jeito para explicar a reprodução. Hoje
ninguém fala na teoria da reprodução humana: ela é um fato. Para mim, a teoria
da evolução hoje está nesse patamar. Mas, provavelmente, metade da humanidade
não acredita nisso, mas na criação.
O que pensa essa metade da humanidade?
A questão da evolução virou, hoje em dia, quase um problema de xiismo religioso.
Muitos ainda pensam que é como se Deus fosse substituído pela natureza. Como se
a Bíblia estivesse em oposição ao livro do Darwin. Muita gente olha por esse
prisma – mais da metade da humanidade –, mas penso que esse é um problema de
cultura. A evolução não é uma questão religiosa; no máximo é um problema de
ignorância ou conhecimento. Mas, na comunidade científica, ela é encarada, hoje,
como o óbvio.
Essa dicotomia entre Teoria da Evolução e religião ainda faz sentido? Quem
crê na teoria de Darwin não pode crer em Deus?
Absolutamente não existe essa dicotomia. Ciência e religião nunca se opõem. Quem
tem medo de que a ciência se oponha a Deus, é sinal de que tem pouca fé. Se a
pessoa acredita em Deus, a ciência é uma consequência do que Deus fez. É
impossível, para quem acredita, que a ciência possa derrubar ou demonstrar Deus.
Deus é uma descoberta pessoal. São coisas diferentes. Algo assim como o afeto e
o carinho materno: a explicação ultrapassa o biológico.
Que descobertas mais importantes, desde 1859, vieram reforçar a teoria de
Darwin? Em que medida, por exemplo, a descoberta de que a Terra tem bilhões de
anos de idade veio ajudar a Teoria da Evolução?
Muitas descobertas foram reforçando a teoria. Nenhuma a desautorizou. Darwin
escreveu que, para a teoria dele ser verdadeira, era preciso muito tempo – tempo
necessário para a evolução acontecer. Naquela época, um físico inglês, que era
lorde, calculou que a Terra teria, no máximo, uns 40 milhões de anos. O lorde
Kelvin era um inglês, muito culto, físico, só que, hoje em dia, uma criança da
sétima série já sabe mais do que ele a esse respeito. Ao descobrirmos que a
Terra tem bilhões de anos, a Teoria da Evolução foi reforçada. Além disso, todo
o estudo biogeográfico feito até hoje, bem como todos os estudos genéticos,
reforçam o pensamento de Darwin. O sequenciamento do genoma humano, por exemplo,
que revelou uma similaridade entre os nossos genomas e os do chimpanzé,
reforçando a tese de que descendemos do mesmo ser.Sim. Nada, depois de Darwin,
conseguiu contrariar a teoria. Inclusive a problemática ambiental de hoje
reflete consequências evolutivas.
Durante a viagem a bordo do navio britânico HMS Beagle, além do fascínio que
as ilhas Galápagos exerceram nele, parece que o achado de jazidas de fósseis, na
Argentina, teriam sido muito importantes também para inspirar nele a ideia da
Teoria da Evolução e da seleção natural. A paleontologia estaria, ao lado do
naturalismo, na origem da Teoria da Evolução? Além de naturalista, ele foi
também um paleontólogo?
Darwin não foi paleontólogo. O pai dele queria que ele estudasse Teologia, mas
esse não era o mundo dele: entrou para o mundo dos insetos. O que ele não
conhecia, como por exemplo a paleontologia, contava com a colaboração de outros,
como Richard Owen, diretor do Museu de História Natural de Londres. Darwin, em
seus estudos e viagens, começou a observar, que à medida que ia descendo para o
sul, afastando-se dos trópicos, espécies eram parecidas, mas se diferenciavam.
Era como se ocorresse uma adaptação a circunstâncias novas. Nas ilhas Galápagos,
observou algo semelhante: alguns animais adaptavam-se de maneira diferente nas
diversas ilhas. Diante dos seus olhos, lá estava uma aula de evolução dada pela
natureza! Ele fez descobertas paleontológicas na Argentina. Especialmente ao
descobrir tatus fósseis percebeu que eram diferentes dos atuais. O que ele via
nas suas observações da fauna atual repetia-se no passado com as peças fósseis!
De acordo com Darwin, o mundo biológico que hoje conhecemos é o resultado de
milhares de milhões de anos de evolução. Mas li um evolucionista dizer que hoje
é possível se observar a evolução se desenrolando em tempo real. A evolução não
é tão lenta, como Darwin imaginava?
É possível se observar a evolução, hoje, por meio de análises genéticas. É que
há genes que até indicam o tempo necessário para que eles se espalhem. A
genética moderna, o estudo das populações, a biogeografia, por exemplo, sem
dúvida têm sido muito importantes e são provas irrefutáveis da evolução.
De que maneira a paleontologia tem contribuído, na atualidade, para
corroborar a teoria de Darwin? É dito que ainda temos grandes lacunas a serem
preenchidas, que há “elos perdidos” a serem encontrados...
Não é bem assim. Falam isso, mas a verdade é que a todo momento encontramos
fósseis intermediários, por isso não há que se falar em elos perdidos. O que
temos são degraus de uma escada. De fato, não temos toda a escada, mas sabemos
que ela existe. Às vezes, diante de novas descobertas, mudamos os degraus de
lugar, a escada de lugar, vamos adequando. Mas, para quem trabalha com
paleontologia, essas lacunas não são o mais importante, porque a evolução é um
processo. Um exemplo: eu descobri uma espécie maravilhosa, a Xenorhinotherium
bahiense. Provavelmente foi a última espécie, pois se extinguiu, de um grupo que
existiu há, pelo menos, 65 milhões de anos. Ao estudar o animal, analisei dentes
de 65 milhões de anos, depois dentes de outro animal, de 50 milhões de anos; e
outros de 30 milhões, 20 milhões, 10 milhões, 5 milhões e 1 milhão de anos.
Todos esses animais eram do mesmo grupo do Xenorhinotherium.Os dentes ficaram
como uma herança, uma informação. Comparando-se os primeiros animais com os
últimos, ninguém diria que eram do mesmo grupo. Mas eram, e os dentes mostravam
claramente modificações e heranças que continuavam no tempo. Esses dentes eram
como um rio, que segue modificando. Ao longo do tempo, observa-se que a partir
de um tipo de peixe, originaram-se os anfíbios; destes, os répteis; dos répteis,
originaram-se as aves e os mamíferos. Nessas transições, achamos vários animais,
intermediários. Estão no meio do caminho, preenchendo essas lacunas, provando a
evolução.
E o que os registros fósseis têm nos revelado sobre o processo evolutivo do
homem na Terra?
Com o homem ocorreu o mesmo: submetido à evolução. Mas o homem é diferente. Para
quem acredita em Deus ele é algo a mais. Mas foi fruto da evolução orgânica.
Intelecto, alma... Está na pintura de Michelangelo na Capela Sixtina: o dedo de
Deus.
O cientista britânico Steve Jones afirma que a evolução acabou: o ser humano
não sofrerá mudanças drásticas, porque viramos um grande continente genético,
muito semelhante, e graças ao nosso estilo de vida. O que pensa disso?
Nós fazemos essas análises com os processos que temos hoje. Entraram novos
elementos. Um deles é, de fato, a ausência de isolamento. Há 50 mil anos, não
podíamos imaginar os índios e os africanos se encontrando. Além disso, não era
esperada uma quantidade tão grande de seres humanos –quase sete bilhões. Temos
também o fato de que o homem, hoje, é a única espécie capaz de influenciar o
meio ambiente – quando ele era primitivo, ele não fazia isso. Não estávamos
preparados, também, para viver cem anos, como acontece hoje. Todas essas
circunstâncias são novas. O que pode advir de todas essas mudanças? As
consequências podem ser duas: o início do nosso fim ou uma evolução que
desconhecemos. Nada está programado.
A ideia de que estamos sempre a caminho da evolução não se choca, de certa
forma, com a descoberta de que há genes modificados, mutações que, ao contrário,
não visam à evolução, mas à destruição do indivíduo, como genes para o
desenvolvimento de doenças?
Não, essas mutações fazem parte do processo evolutivo, estão previstas para
acontecer. Mas acontece que o homem está indo contra a evolução. A medicina atua
contra a lei natural. Quantas parturientes morreriam se não houvesse os
progressos médicos atuais? No meu último ano de colegial lembro-me de que um
terço dos meus colegas eram órfãos de mãe devido a partos mal-sucedidos. Eu
deveria estar morto, mas uma cirurgia de apendicite me salvou. Ou seja, o homem
cada vez mais atua, com a medicina, para romper o processo evolutivo natural.
Esse também é um elemento novo, dentre outros.
Há algum grande equívoco na teoria de Darwin, algo que tenha sido colocado
por terra ao longo do desenvolvimento da ciência, de 1859 para cá?
Há equívocos, sim. Vou dar o exemplo de um deles: Darwin desconhecia
completamente a reprodução. Ele pensava que o homem vinha de um homúnculo, que
era o espermatozoide. Ele pensava que o elemento feminino era apenas uma espécie
de cesto que guardava o embrião, não contribuindo para a geração de outro ser
humano. Mas o importante a dizer é que, quando Darwin apareceu com sua teoria,
ele o fez em um momento bastante propício. No momento em que ele teve a
genialidade de criar a Teoria da Evolução, ela já estava em via de surgir. A
comunidade científica da época estava caminhando para isso. Tanto que o que
apressou a publicação da obra dele foi o fato de um jovem, Wallace, que tinha
viajado pela Indonésia, ter enviado para Darwin uma carta que era um resumo da
teoria evolucionista, na qual esse jovem chegava às mesmas conclusões que
Darwin. Então, ele se apressou a divulgar suas ideias.
Certa vez o senhor disse que o estudo da evolução humana é comparável a uma
fotografia em processo contínuo de revelação. Cada descoberta acentua a cor da
imagem. Já estamos perto de ver toda a foto?
Essa é uma bela imagem. O primeiro fóssil de macaco foi encontrado em
Matozinhos, em Minas Gerais, por Peter Lund, em 1838. Ele foi, também, dos
primeiros a encontrar crânios humanos. Ao longo do tempo, cada vez que se
investe mais em pesquisa, reconhece-se que as origens do ser humano estariam na
África. Infelizmente, em regiões que vivem hoje num grande conflito, como a
Etiópia, o Zimbabwe. Por isso as pesquisas, nessas regiões, estão paradas neste
momento. Mas, o que a paleontologia já conseguiu encontrar nos dá, pelo menos,
uma figura; antes, na fotografia, víamos apenas uma mancha.
O que as imagens nos dizem, em síntese, é que na natureza tudo está de algum
modo conectado a todo o resto?
Sim, tudo está conectado, inclusive o homem. Na natureza tudo funciona como se
fosse uma imensidão de engrenagens. Se alguma estraga, outras serão
prejudicadas. E nada se opõe entre ciência e religião. Pode-se acreditar em Deus
e na evolução. Para o crente, a evolução foi uma ferramenta criada por Deus,
para que ocorresse uma fantástica variedade de formas viventes: convivemos com
trinta milhões de espécies diferentes! É riqueza demais. (Revista Viver
Brasil, 27/03/2009, págs. 88-91)
Você concorda com Castor em que
é possível conciliar a crença em deus com a evolução? Castor entende
muito de biologia e evolução. Mas parece que não leu bem a Bíblia.
Para quem leu cuidadosamente a Bíblia, é impossível conciliar o que dizem ser a
palavra verdadeira do deus bíblico com as informações científicas atuais.
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