"Briga de titãs
Discussão entre adeptos da teoria da evolução de Darwin e defensores de um criador divino abala até estudantes e professores da área de ciências biológicas
Tatiana Sabadini
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De um lado, a
ciência. Do outro, a religião. Duas formas de responder a
uma única pergunta: qual é a origem da Terra e da vida? Há 150
anos, Charles Darwin revelava ao mundo que o homem veio do
macaco, que os seres vivos fazem parte de um longo processo de
evolução natural. O anúncio causou polêmica. Até então, Deus era
considerado o responsável pela criação do homem e do universo.
Um século e meio depois, o debate entre evolucionismo e
criacionismo ainda está presente nos corredores das escolas e
universidades de ciências. Uma pesquisa realizada pela
Universidade Estadual de Londrina (UEL) mostra que a
credibilidade da teoria evolução biológica entre os estudantes
universitários ainda é baixa.
EVOLUCIONISMO
CRIACIONISMO
A vida é um longo processo de evolução para
o cientista Charles Darwin. Depois de anos de pesquisa, ele
conclui que todo o ser vivo compartilha de um ancestral comum. A
diversidade de espécies na Terra é consequência de um processo
de milhões e milhões de anos.
A diferença foi essencial para a evolução. Se todos os membros
de um grupo tivessem nascido exatamente iguais a sobrevivência
dependeria de simples acaso. A luta pela existência, e a
adaptação ao ambiente fez com que os seres evoluísse e se
transformassem.
Para Darwin, a vida começou na água. Um organismo se formou e se
desenvolveu lentamente até chegar em terra firme. Quando o
cientista lançou o livro A Origem das Espécies em 1859 foi uma
verdadeira revolução. Uma questão em particular causou polêmica:
o homem era descendente do macaco. A Igreja e a sociedade
criticaram Darwin por “degradar” o homem à condição de animal.
“No princípio criou Deus os céus e a Terra.”
A passagem de Gênesis da Bíblia traduz o pensamento dos criacionistas. O movimento acredita que Deus criou o universo, o
nosso planeta e todas as formas de vida. Eles reconhecem que as
espécies se desenvolveram e se modificaram mas de uma forma
limitada.
A origem da Terra está descrita na Bíblia. Em seis dias, Deus
criou a terra, o céu, as plantas, o sol, o universo, os animais
e o homem. As obras se manifestaram rapidamente para interagirem
no novo ambiente. Adão e Eva foram criados para formarem a
humanidade.
Tempos depois da criação, a Terra foi dramaticamente alterada
por causa de uma catástrofe, conhecida como o dilúvio do
Gênesis. Com isso, algumas espécies de animais e plantas foram
extintas, enquanto outras sofreram mutações.
Quase mil alunos de ciências biológicas, filosofia, física,
geografia, história e química participaram da enquete. Mais da
metade (57,3%) ficou em cima do muro. Eles aceitam a evolução
biológica, mas acreditam que isso não descarta a existência de
um Deus criador, enquanto 8,9% dos entrevistados rejeitaram
totalmente a teoria de Darwin e creem apenas na versão da Bíblia
para a criação. “Existe uma relação óbvia entre a religião dos
estudantes e a aceitação do tema. Também descobrimos que,
quanto menor o índice de escolaridade dos pais, maior a chance
dos seus filhos rejeitarem a evolução biológica”, explica
Rogério de Souza, um dos responsáveis pela pesquisa e professor
de biologia da UEL.
A concepção de que o homem e o Universo foram criados por Deus é
a base do criacionismo. Apesar de aceitar algumas conclusões de
Darwin, os criacionistas usam a Bíblia como fonte de indícios
para a evolução e tentam ligar o sobrenatural e a ciência.
“Nossa linha de pensamento é baseada na aceitação da existência
de planejamento, projeto, desígnio e propósito na natureza”,
afirma Ruy Carlos de Camargo Vieira, presidente da Sociedade
Brasileira Criacionista, com sede em Brasília.
Torcidas
Para a professora de biologia da Universidade de Brasília Rosana
Tidon, que nesta terça-feira ministra uma palestra na
instituição sobre o tema, não é possível conciliar criacionismo
com evolucionismo. “É como torcer contra e a favor do Flamengo
ao mesmo tempo. Os criacionistas acreditam que a criação ocorreu
6 mil anos atrás e que não houve desenvolvimento profundo entre
as espécies. Os evolucionistas não aceitam a teoria da criação,
porque sabem que os seres vivos têm ancestrais comuns.”
Ela acredita que alunos e até professores de ciências
religiosos, em algum momentos, enfrentam um conflito na
profissão. O fato de acreditar em Deus, no entanto, não faz do
cientista um criacionista. “É possível conciliar ciência com
religião, desde que uma parte não prejudique a outra. Se tem
um Deus ou não por trás de tudo isso, a ciência não tem como
comprovar. Ao mesmo tempo, um biólogo não pode negar a
teoria de Darwin”, explica.
Conciliação
Criacionista, jornalista e autor do blog Criacionismo.com.br,
Michelson Borges garante que o criacionismo não está baseado
apenas na religião, mas também na ciência experimental.
“Reconhecemos a Bíblia como fonte de princípios morais e de
respostas satisfatórias para as perguntas fundamentais da
humanidade, mas também temos estudos de biólogos criacionistas
que pesquisam com outro ponto de vista”, diz. O relato bíblico é
considerado fonte para essas pesquisas científicas. Segundo ele,
ao contrário da concepção criacionista, o evolucionismo está
baseado no fato de que a vida é resultado de causas puramente
naturais. “Defendemos a ideia de propósito e planejamento,
explicar a vida como resultado da ação criadora de um Deus que
ainda hoje se relaciona com o ápice de sua criação: o ser
humano.”
Afinal, o mundo surgiu do acaso ou do planejamento? O debate é
complexo e está longe do fim. Segundo os professores de
biologia, para conciliar melhor a questão da fé e da ciência é
preciso investir na educação. “Falta formação nas
universidades, e os jovens só começam a aprender sobre evolução
biológica no final do ensino médio e de forma sucinta”,
afirma Rosana Tidon.
Para Rogério de Souza, as aulas de ciência não oferecem
respostas às dúvidas existenciais dos alunos, nem dá suporte
suficiente para a teoria evolucionista. “Muitos acreditam que,
ao aceitar a evolução biológica, terão que abdicar que uma
crença divina e não é assim. Temos que nos cercar dos dados
científicos da evolução biológica, chamando a atenção para os
problemas que ainda precisam ser compreendidos. Ou seja, devemos
dar aos nossos estudantes a chance de tirarem as suas próprias
conclusões”, sugere o professor.
(Fonte: Estado de Minas, 28/06/2009, Caderno Ciência, pág. 24).