Aos quatorze anos de idade, quando
pensava em formar uma lavoura de café, ouvi a seguinte notícia: “Nóis vomo vendê
esse sítio e mudá pra Mato Grosso, pur que a nossa terra é muito fraca. Lá em
Mato Grosso, tudo que a gente prantá vai dá com múinta fartura. A gente pode tê
um-a vida mió. Lá ocê ganha terra”. Eu pensei: “Esse trem pode até dá certo;
isso pode sê bão”.
Meu pai vendeu o sítio e partimos para o Norte de Mato Grosso. Fomos para um
lugar chamado Salto do Céu, nome derivado de uma bela cachoeira. Fomos morar em
um alto tão espinhoso, que parecia haver mais espinhos do que folha naquelas
vegetações. Era o córrego de “Tucanguira”, nome vindo de uma formiga grande e
preta do local, que tem um veneno mais forte do que o de qualquer marimbondo.
No alto de Tucanguira, nossos vizinhos eram baianos, pernambucanos, cearenses,
alagoanos, paranaenses, paulistas e uma série de outros. Eu, que dizia estar
“capinando” quando lavrava a terra, ouvia meus vizinhos paulistas dizerem estar
carpindo, ou melhor, “carpino”. Ouvi alguém dizer: “ponharo fogo na roçada”.
Alguém se referiu a mim, dizendo “o guri do sô Binidito”. Que palavras estranhas
eu ouvia! “O sór vai isquentá muito hoje”, disse o meu vizinho. Eu pensei: ”Uai,
que gente que fala isquisito”.
Morando um ano em tal lugar, mudamos para outro, chamado “Cachoeirinha”, depois
fomos para uma fazenda entre “Cachoeirinha” e “Araputanga”. Lá, que eu já não
era mais um “guri”, ou um “piá”, como dizem os gaúchos, eu tentava ter uma
linguagem um pouco diferente da dos vizinhos, mas, de vez em quando, alguém
estranhava meu modo de falar. Certo dia, ouvi uma mocinha dizer para a outra:
“Óia, ele fala é dez” (Elas falavam
“déis”). Para mim, que na infância era
bastante gago, passar a falar quase um outro idioma foi bem difícil. Em 1977,
mudamos para Rondônia. Nesse lugar havia poucos rondonenses, mas se via gente de
todas as partes do Brasil, cada um com palavras próprias e um sotaque peculiar,
uma torre de babel!
Em 1981, saí da vida rural, me tornei um fotógrafo, depois também participei de
uma sociedade comercial e, em 1985, vim para a região metropolitana de Belo
Horizonte. Posteriormente, como funcionário público, fiz o supletivo do segundo
grau (já havia feito o primeiro grau também por supletivo) e, por fim, o curso
superior de Direito. Nos anos de serviço público e de faculdade, senti que os
erros ortoépicos e ortográficos são tantos, mesmo entre as pessoas de nível
superior, que comecei a catalogar erros e escrevi o livro PROTEJA SUA LÍNGUA.
Como um caipira a adaptar-se à vida da terceira metrópole brasileira,
rememorando a linguagem, o modo de vida e as superstições com que convivia na
infância, parece-me que vim da Idade Média. Havia
alma penada, lobisomem,
mula-sem-cabeça, um tanto de assombrações, que algumas pessoas não tinham
coragem de andar à noite. Eu, porém, saía à noite e nunca via nada daquilo.
Quando pensava ser uma, ao me aproximar, percebia que era coisa da natureza
mesmo. Desde cedo comecei a compreender que essas personagens só existiam mesmo na
imaginação do povo.
Desacreditar das crenças dos meus conterrâneos e mudar a forma de viver não foi
difícil. O difícil mesmo foi a alteração da língua. Assim, passei a compreender
melhor a lenda da “Torre de Babel”.