Capítulo
demonstrativo:
A
ALTERAÇÃO DA LÍNGUA
É
possível um mundo inteiro falar uma única língua? Ou mesmo uma única
nação falar a mesma língua durante séculos? Se hoje não, seria
viável milênios atrás? Havia condições iguais, melhores ou
menos favoráveis à uniformidade da língua?
"Ora,
em toda a terra havia apenas uma linguagem e uma só maneira de
falar" (Gên. 11: 1).
Não
é necessário ser um poliglota para responder às perguntas do parágrafo
inicial. Entretanto, há quatro ou cinco milênios, mesmo os indivíduos
mais inteligentes tinham razões para desconhecer o fenômeno da
multiplicação das línguas. A intervenção divina era a explicação
(Gênesis 11: 1 a 9). Hoje é diferente.
Pense
no nosso mundo atual, cheio de dicionários, gramáticas, meios de
telecomunicação, a grande maioria da população podendo deixar
suas palavras gravadas de várias formas para os que estão
distantes e para os que ainda não existem mas irão vê-las e
ouvi-las no futuro. Imagine o fato de não podermos, de posse de
todos esses meios, sequer controlar a nossa própria língua por um
século, período tão curto. Passam algumas décadas, os doutores
da língua fazem reforma ortográfica, os dicionários passam a
registrar novas variantes de palavras existentes, algumas antigas vão
caindo em desuso, considerando-se arcaicas, e, assim, só nos restam
os registros de como nossos ancestrais falavam; nós temos sempre
uma nova língua.
Considere
agora o mundo anterior à escrita, sem os meios telecomunicativos de
que dispomos. Duas famílias separadas por algumas dezenas de quilômetros
jamais se comunicavam, não tinham qualquer noção do que se
passava fora do meio em que viviam. Impossível era saber alguém
como falaram seus ancestrais. Cada um aprendia o que ouvia e ia se
esquecendo do passado, uma vez que não havia registros para se
consultarem. Não obstante o número de palavras de uma língua
fosse muito menor do que hoje, a mudança era muito mais célere do
que hodiernamente. Se, após a invenção da escrita, desde a mais
rudimentar até os alfabetos atualmente existentes, vemos variações
das línguas, não se pode conceber a hipótese de uma uniformidade
idiomática antes, coisa completamente ilógica.
Dados
arqueológicos comprovam a ocorrência da grande inundação que
atingiu o parte do Oriente. Diversos povos possuem lendas sobre a
inundação da qual se salvaram uma, duas, três ou oito pessoas
(Informações de Henry H. Halley, em Manual Bíblico, pág. 75).
Partindo
dos dados arqueológicos e as lendas existentes, sem pensar no resto
do mundo, sem considerar que o dilúvio que originou a lenda da
Torre de Babel não passou de uma inundação local, nunca havendo
uma inundação que atingisse a humanidade inteira, imaginando que
os habitantes da terra se concentrassem todos naquela região, poderíamos
concluir que, ou se teriam salvo vários grupos de pessoas em
lugares bem separados, ou teriam sobrevivido apenas uma única família.
Na primeira hipótese, cada grupo poderia ter uma língua diferente;
na segunda, a terra estaria sendo repovoada por uma única família,
conseqüentemente havendo sobre a terra "uma só maneira de
falar" (Gên. 11: 1). A diversidade de formas e números de
pessoas sobreviventes poderia ser decorrente das falhas da tradição:
"Una tradición puede ser totalmente falsa, o ser real, pero
con omissiones o adiciones, intencionadas o no" (A. Malet, em
Historia del Oriente, pág. 7). O texto bíblico fala do rei de
Babel, como "Ninrode" (Gên. 10: 9, 10), filho de "Cuxe"
(vers. 8), filho de "Cão" (vers. 6), filho de "Noé"
(vers. l). Uma família, na quarta geração, ainda estaria falando
a mesma língua, o que inevitavelmente não poderia perdurar à
medida que, multiplicando-se sobre a terra, a humanidade fosse se
dispersando, tornando impossível as novas famílias se conhecerem,
uma vez que não havia os meios de transporte que facilitassem os
passeios a longa distância. Duas famílias separadas por alguns séculos
passariam a falar duas línguas diferentes, uma vez que, sem meios
de telecomunicação, as diferenças se acentuariam mais
rapidamente. Esta conseqüência natural daria, sem margem a dúvidas,
origem às centenas de línguas hoje existentes.
Um
exemplo bem recente da multiplicação das línguas é a Península
Ibérica e povos próximos. Povos vizinhos, nem tão separados como
nos tempos pré-históricos, converteram o latim em várias línguas,
cujas diferenças se acentuam à medida que passa o tempo.
O
verbo latim ponere, entre os portucalenses (atualmente portugueses),
passou por poner, ponher, poer, chegando a nós como pôr. Entre os
espanhóis, a mudança foi mais lenta, ainda hoje dizendo eles poner.
O
adjetivo alemão blank, adaptado às línguas neolatinas, é
atualmente blanco em espanhol, bianco em italiano e branco em
português.
O
substantivo latino pater hoje é padre em castelhano e pai em
português; assim como mater, madre e mãe.
O
nosso numeral onze, vindo do latim undeci = um mais dez, passou por
undice, undce, unce, once, chegando a ser onze entre nós.
Civitate,
do latim, chegou a nós hoje como cidade.
O
nosso pronome de tratamento você é uma redução de vossa mercê.
Atualmente, muitas vezes ouve-se ocê, o que mostra a nossa tendência
de eliminar partes das palavras.
Na
nossa língua atual, podemos observar mudanças que se vão operando
entre nós: bom, em linguagem rústica é bão; futuramente será
palavra oficial, assim como non passou a ser não, tornando-se
arcaica a forma antiga. obligação, do latim obligatio, já não é
mais forma correta, prevalecendo atualmente obrigação. A nossa
tendência é trocar o l por r e o on por ão.
"Vis
maior est cui humana infirmitas resistire non potest." São
palavras de Gaio, no Digesto Romano. Traduzida, a frase é a
seguinte: Força maior é aquela a que a fraqueza humana não pode
resistir. A palavra força é uma versão do latim fortia, uma vez
que vis, seu sinônimo, se perdeu no tempo. Maior chegou a nós como
a antiga palavra latina. Est passou por és, chegando a nós como é
(o castelhano ainda diz es). O pronome cui estava no dativo,
equivalente ao nosso objeto indireto, significando a que, ou ao
qual, aquilo a que. Humana não sofreu alteração para nós.
Infirmitas = falta de firmeza ou fraqueza, é do que deve ter
originado a nossa palavra enfermidade, que é atualmente sinônimo
de doença. A variação de significado ocorre com o passar do
tempo, até dando origem a uma significação totalmente diferente
da original, embora com muito menor intensidade do que a variação
ortográfica.
VARIAÇÃO
SEMÂNTICA
Analisemos
os adjetivos latinos externus, internus, supernus e infernus.
Externus
(de fora), externu, externo. Internus (de dentro) internu, interno.
Essas palavras tiveram mudança ortográfica, mas mantêm hoje o
mesmo significado que tinham há dois mil anos. Supernus (de cima)
é uma palavra quase inexistente na nossa língua atual,
significando superior, como antigamente. Infernus (de baixo) não
teve apenas alteração ortográfica. Perdeu sua função adjetiva
após ser substantivada para designar sepultura, que realmente é um
lugar inferior. Como a sepultura é lugar dos mortos, e os povos
primitivos acreditavam que ao morrer o homem, após sepultado, vai
sofrer um suplício pelos seus pecados ou vai ter o gozo merecido
por sua justiça, o Cristianismo Romano passou a considerar inferno
como lugar de tormento eterno das almas.
Quando
Jacó disse: "Meu filho não descerá convosco; seu irmão é
morto, e ele ficou só; se lhe sucede algum desastre no caminho por
onde fordes, fareis descer minhas cãs com tristeza à
sepultura" (Gênesis, 42: 38 AA), ele usou a palavra hebraica
sheol, traduzida para o grego hades, e para o latim infernus. Veja
Salmos l6:l0, "Porque não deixarás a minha alma no inferno (sheol),
nem permitirás que teu Santo veja corrupção" (Sal. 15: 10
PAPF), A versão Almeida atualizadas traduz sheol por morte. As versões
antigas traduziam sempre por inferno. Em atos 2: 27, Pedro citou o
texto como referente à ressurreição de Cristo, traduzindo sheol
para hades, que na Tradução do Padre A. P. de Figueiredo consta
inferno. A mesma palavra usou Jó ao desejar que Deus o encobrisse
no inferno (sheol) (Jó, 14: 13). Um antigo catecismo católico, que
eu lia na infância, dizia que Cristo "desceu ao inferno e ao
terceiro dia ressurgiu dentre os mortos". Ainda em minha infância,
conheci a nova versão, que dizia "desceu à mansão dos
mortos", dando-me uma idéia mais nítida de que inferno era a
sepultura.
Certa
vez uma colega minha me disse que "Jesus quando morreu ficou três
dias no inferno lutando contra o Diabo em favor do homem". Ela
apenas havia lido a frase "não deixarás minha alma no
inferno, nem permitirás que teu santo veja corrupção", que
significa não me deixarás na sepultura, nem permitirá que teu
santo se desfaça, ou apodreça. Pedro citou o texto em Atos 2, para
afirmar que Cristo foi sepultado e ao terceiro dia foi ressuscitado.
A
PRONÚNCIA DAS LÍNGUAS ANTIGAS
O
que resta das línguas antigas são registros manuscritos. A gravação
de som não existia. Assim não se conhece com exatidão a pronúncia
das palavras. Acredita-se que a desinência latina tia se
pronunciasse cia, baseando-se na sua evolução para a forma atual
gratia (latim), gracia (castelhano) e graça (português). Justitia,
justicia e justiça; mas não há unanimidade quanto a essa fonética:
há os que acreditam que o t tivesse nessa desinência o seu som
atual do Português e do Castelhano. Por outro lado, o Francês, que
também é língua neolatina, traz o t com som de c na terminação
tion, um apoio à corrente latinista mais antiga.
A
dúvida é muito maior quando se refere a uma língua escrita em
caracteres diferentes dos nossos.
Os
hebreus designavam o Deus criador de todas as coisa, o único Deus,
por quatro letras: iôde, ê, vau, ê. Jeová é a forma falada
atualmente em português. Algumas versões dizem Javé. Poderia ser
Iavé ou até mesmo Ievê. Ninguém pode afirmar com certeza qual
era a pronúncia correta. Como a palavra aleluia significa louvai a
Jeová, conforme tradução das Testemunhas de Jeová, o mais provável
seria Iavé, ou até mesmo Ievê, uma vez que as duas sílabas contêm
o ê equivalente ao nosso e.
Está
escrito que sobre a cabeça de Cristo crucificado "estava esta
epígrafe (em letras gregas, romanas e hebraicas) ESTE É O REI DOS
JUDEUS." (Lucas 23: 38). João registrou "JESUS NAZARENO O
REI DOS JUDEUS". O texto grego do Novum Testamentum Graece
registra "IHSOUS O NAZWRAIOS O BASILEUS TWN IOUDAIWN"[não
foi possível registrar os caracteres gregos constantes do livro
aqui](IESUS O NAZORAIOS O BASILEUS TON IUDAION (João, 19:19). A
versão latina conhecida é Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum. Não
existia o J em nenhuma das duas línguas. Ele veio a existir
posteriormente no latim. Mas há os que afirmam que antes de vogal o
i em latim tinha som de j. Veja Dicionário de Latim Forense, de
Amilcare Carlete, pág. XXXIX. É o que se deduz através da fonética
de línguas neolatinas como o Português e o Francês, mas com pouca
segurança, uma vez que o Italiano tem o J com som de i, ao passo
que o Castelhano pronuncia o j como o r da nossa Língua. Do
exposto, se vê que o efeito atribuído à Torre de Babel é contínuo,
inevitável mesmo nos nossos dias, com todos os meios gráficos e de
telecomunicação.
A
evolução das línguas, que é, na verdade, o resultado dos erros
de aprendizado, está visível a todo momento, quando alguém diz bão,
ocê, tá, em lugar de bom, você, está, etc.; e
quando vemos pessoas de nível superior, até mesmo professores,
dizerem adapita, impuguina e outras aberrações gramaticais.
CONSIDERÁVEIS
MUDANÇAS EM POUCO TEMPO
"Um
facto grave, Sr. presidente, que se prende á administração
publica do paiz ...
Em
primeiro logar, antes de passar adiante, pedirei ao honrado ministro
da fazenda, visto que não está presente o seu collega da
agricultura, que nos explique a razão desta divergencia na execução
do regulamento.
Repetil-a-hei:
na côrte, a parte compra o sello, o empregado entrega-lh’o e ella
sella a carta. Creio que até é vedado ao empregado o sellal-a. No
Pará, porém, e disto dou testemunho, porque o facto passou-se
muitas vezes commigo, a parte entrega ao empregado a carta e a
importancia do sello em moeda, o empregado deixa que a parte se
retire e dentro da repartição, a sós, sella elle a carta para
deital-a na mala. Pergunto eu ao governo: o que póde justificar
essa differença na execução do regulamento, que tanto deve reger
para a Côrte como para todo o Imperio? É este o primeiro ponto de
minha duvida. Prosigamos.
Há
tempos, como já disse, communicou-me um dos dignos deputados por
aquella provincia que se presumia que, na respectiva administração
do correio, se dava o abuso apontado e que elle proprio poderia
talvez dar testemunho do facto, porque as cartas, que recebia do Pará,
vinham com sellos de tal maneira borrados que, prima facie,
reconhecia-se que tinham sido usados e já inutilisados. Adduzio então
aquelle digno representante pela provincia do Pará que deste facto
lhe constava estar já inteirada a administração central do
correio da Côrte, o que tambem me pareceu certo, porque nas instruções,
que o honrado ministro da fazenda deu á comissão, que mandou ao
Pará, li um aparte relativo ao correio. Creio eu que o honrado
ministro incumbio a comissão de examinar tambem o que quer fosse no
correio do Pará. Este facto, unido á revelação, que me havia
feito o digno representante da provincia do Pará, fez-me crer,
fez-me ter quasi como certa a existencia do abuso ou do crime a que
alludi. Descansei, porém, Sr. presidente, no zelo, nos esforços da
administração central do correio para o descobrimento do crime, e
nada quiz revelar, mesmo, senhores, para poupar á minha infeliz
provincia mais este grande desgosto! Entretanto, fui hontem
sorprendido por um facto que se não induzisse á triste cogitação,
seria realmente comico." (Anaes do Senado, 02/04/1877).
Esse
texto, escrito há pouco mais de um século, nos mostra o quanto a língua
se altera rapidamente.
As
palavras proparoxítonas não eram acentuadas (administração
publica), nem as paroxítonas terminadas em ditongo (provincia).
Pelas
palavras sorprendido e logar, notamos que aos poucos vamos
substituindo o o pelo u. No entando, cartulina, culégio e outras
pronúncias que ouvimos ainda são cacoépias que não devemos
seguir.
Na
palavra hontem podemos notar que o uso do h na nossa língua
não tem um fundamento bem consistente. Basta considerar que muitas
palavras de origem grega iniciam-se com h, e o alfabeto grego
não contém letra equivalente.
Vocábulos
como paiz, quiz e inutilisados mostram o quanto
são frágeis as razões da nossa ortografia.