Quem estuda História e Direito percebe que religião e direitos humanos não
combinam: a vontade divina deve ser imposta, e direitos humanos na maioria das
vezes são abomináveis à religião. Homens de deus são contra a liberdade.
No dia 29 de setembro de 2002, ao passar pela Praça Sete de Setembro, encontrei
com uma mocinha que me deu dois cartazes de candidatos, de cujo partido nem me
lembro, sugerindo que eu votasse neles porque eles são homens de Deus. Eu peguei
os folhetos, sem lhe dizer nada sobre o conceito que tenho dos homens de Deus, e
os levei até a próxima lixeira. Não queria deixa-la decepcionada. Mas me
preocupa um pouco o grande crescimento do número dos homens de Deus no meio
político.
Direitos humanos tem seus pilares na liberdade do homem de pensar, expressar e
escolher seu meio e modo de vida, desde que não fira os direitos alheios. Não só
a vida, mas a integridade do ser são de primordial importância. A liberdade,
inclusive de praticar a religião que considerar ideal, ou não praticar nenhuma, é um dos direitos
humanos. Por outro lado, a religião, excetuando as que estão distante da
aquisição de poder político, tem aquilo que contraria seus princípios de fé como
algo criminoso perante Deus e que deve ser rechaçado. Aí começa o terror imposto
aos não religiosos e aos religiosos de outras religiões, assim que uma religião adquire o comando do governo.
Em
qualquer tempo e lugar que um governante se julgue executor da vontade divina, a
tortura e a morte fazem parte da sua justiça.
Os reinos influentes da Idade Clássica, Egito, Assíria, Babilônia, por exemplo,
impunham as vontades de seus deuses, que eram expressa nas vontades de seus
reis. Quem não adorasse ao deus eleito pelo rei estaria pondo a cabeça em risco. Não foi diferente com os hebreus.
Iavé era o único Deus. Quem adorasse outros
deuses deveria morrer. Mas não era só isso. Morte às prostitutas, morte aos
homossexuais, morte aos necromantes (a versão espírita da época), morte e saque
contra os povos gentios seus vizinhos era a ordem de Iavé. A vingança das iniquidades dos pais nos filhos pode não ter sido original do deus de Israel,
mas está em seu mandamento nas tábuas do testemunho da Lei de Iavé, ou Lei
Mosaica.
A Roma pagã, o mais poderoso império da Idade Antiga, não foi assim tão cruel à altura de
sua força; foi bem tolerante com as crenças e práticas religiosas dos povos
conquistados. É tradição da igreja que eles perseguiram os cristãos, mas não
existe confirmação disso em nenhuma fonte externa. Jesus Cristo,
segundo dizem os evangelhos, pregou paz e resignação, no entanto, não tardou
muito, seus sucessores foram os que mais semearam a morte enquanto
pregavam a vida.
A Roma pagã foi tolerante, segundo alguns analistas da história, mas
a Roma
Cristã deu vida ao terror contra todos que não abraçassem incondicionalmente sua
doutrina. Qualquer ideia que lançasse dúvida em relação às chamadas verdades
divinas era pecado mortal. Assim um cristianismo sanguinário conquistou o mundo.
E a Reforma Protestante não trouxe a paz. Países cujos monarcas se converteram
ao Cristianismo dos protestantes chegaram a cometer os mesmos crimes da igreja
chamada apóstata. A expressão direitos humanos só veio a existir depois que se
começou a desvincular religião de poder político. Hoje, o que se vê é que em
países cujos cabeças se pautam por preceitos religiosos não há liberdade de
pensamento e o comportamento pessoal é imposto sob rígidas penas. O terrorismo
dos nossos dias é vontade divina. Onde há ordem divina, há ameaça à liberdade
humana.
Eis o perigo que os chamados homens de deus representam para a liberdade humana:
"O aborto, para nós evangélicos, é um ato contra a vida
em todos os casos, não importa se a mulher corre risco ou se foi estuprada" ...
"Essa questão do Estado laico é muito debatida, tem gente que me diz que eu não
devo legislar como cristão, mas é nisso que eu acredito e faço o que Deus manda,
não consigo imaginar separar as duas coisas."
(Deputado Henrique Afonso – PT, Acre, autor do projeto
Bolsa-Estupro)
O risco do predomínio desse tipo nos nossos parlamentos é
a substituição da
constitucional liberdade religiosa pela imposição de um pensamento religioso.
Sob a pretensa proteção à vida, querem colocar sob risco a vida da mulher. Se
conseguirem avançar e ganhar força, futuramente estarão, como o catolicismo da
Idade Média, condenando à morte as pessoas que não adotarem seus pensamentos
primitivos.
Religião, vida e direitos humanos são elementos incapazes de resultar uma
mistura homogênea. A primeira dá pouco valor à segunda e, em regra, abomina
os últimos. Homens de Deus no poder só tendem a levar a ordem pública a esse
estado. Por isso, advertimos: cuidado com os “homens de Deus”!. Homens de
deus fazem coisas dos diabos!