A INCONSISTÊNCIA DOS CHAMADOS CASTIGOS DIVINOS

 

O homem primitivo viu nas forças da natureza, raios, terremotos, vulcões, vendavais, etc., a manifestação da ira divina contra o mundo. Esse pensamento primevo transpôs a Pré-História, a Idade Clássica, a Idade Média, a Moderna e a Contemporânea. E, por incrível que pareça, essa visão pré-histórica se mantém viva nas mentes de muita gente após dois milênios de cristianismo. Quando se questiona sobre os destinatários desses castigos, os fiéis respondem com frases pouco racionais, como, “não entendemos os desígnios divinos”; "Deus escreve certo por linhas tortas”; etc. Todavia, uma visão bem racional dos fatos só vislumbra escritas mais tortas do que as linhas.

 

“No século 18, a invenção do pára-raios, por Benjamin Franklin, foi condenada pela Igreja como invenção do diabo. Sendo o raio expressão da cólera do Senhor, só podia ser tentação do demo impedir que o castigo divino caísse sobre o mundo. Na França, a "excomunhão" foi levada a sério: em Saint-Omer, Vissery de Bois foi processado por heresia, por instalar um pára-raios em sua casa”. (AlmanaqueZAZ)

 

Em 1912, milhares de pessoas expiraram nas gélidas águas do Atlântico Norte, com o naufrágio do Titanic. Afirmam cristãos que foi um castigo contra quem dissera: nem Deus afunda o Titanic. Um deus bom, justo, perfeito... levaria tanta gente inocente como vingança contra um indivíduo blasfemo? Ou seriam bons aqueles que se salvaram do acidente, e ruins os que se afogaram? A mim não parece ter havido nenhuma justiça divina no fato.

 

Em 1755, no sacratíssimo “dia de todos os santos”, o monstruoso Terremoto de Lisboa fez um tremendo estrago. Para Ellen Gould White (O Grande Conflito), foi a reprovação divina àqueles idólatras. Seria isso obra de um deus sábio e justo? Se o catolicismo era a besta do Apocalipse, como consta das obras de E. G. White, Uriah Smith e outros, não seria mais adequado que Deus sepultasse em um terremoto o papa, o cabeça da Igreja? Não! Na realidade, o ser imaginário nada faz, e a natureza não escolhe entre pecadores e inocentes!

 

Quase todos anos, as nossas rádios e TVs anunciam graves acidentes com ônibus de romeiros. Só no ano de 1999, uma batida envolveu, entre outros carros, dois ônibus de romeiros, resultando veículos incendiados e muitas vítimas. Sabemos que são pessoas devotas, que estão executando um ato de fé. Para os cristãos anticatólicos, isso tem externado o desagrado divino pela adoração “da criatura em vez do criador”. Que nada! Se fosse um deus onipotente, sábio, bom e justo a castigar a idolatria, ele enviaria um raio que partisse a Basílica de Aparecida do Norte, como prova de que detesta esses ritos abomináveis, sem fazer perecer os pobres que não sabem o que fazem.

 

No ano anterior, o desabamento do teto de um dos templos da Igreja Universal do Reino de Deus, em Osasco, matou 23 pessoas e feriu 560. Cerca de 1.500 fiéis estavam em vigília de orações no momento do acidente. Não faltou quem visse aí o furor divino contra a igreja de um aproveitador da boa-fé do povo. Que incoerência!!! Fosse ação divina, o teto teria desabado sobre a cabeça do fundador da igreja, não sobre os humildes fiéis, que acreditavam estar ao lado da verdade.

 

Por que Deus não trouxe um daqueles terremotos sobre Santiago quando Augusto Pinochet assassinava cruelmente tantos dissidentes? Por que não despejou um saraivada sobre a China quando Mao-Tse-Tung cometia atrocidades contra seu povo? E o Socialismo ateu da União Soviética? Por que lá não ocorreu nenhum desastroso fenômeno natural enviado pelo Senhor dos céus? Ah, esses castigos divinos não me convencem!

 

Pensando por esse lado religioso, nós, os brasileiros, somos o seleto povo de Deus nos últimos séculos. Deixando de lado a marginalidade, as corrupções, as imoralidades políticas de que somos vítimas, tudo obra do Diabo, nós não precisamos nos preocupar com terremotos; não se tem conhecimento histórico de quando ocorreu um vulcão em nosso solo; nosso clima é bom; não temos uma guerra há mais de século; enquanto aqui ao lado nossos vizinhos chilenos têm sido alvo da ira divina através de terremotos; os colombianos, aí bem próximo, tem sofrido a fúria infernal das lavas vulcânicas; os norte-americanos, de vez em quando, em um canto ou outro, são aterrorizados com as chamas do inferno, sacudidos por fortes terremotos e violentos furacões; os filipinos, os japoneses e outros povos do Oriente - pobres rejeitados de Deus! -, sobre eles tem pesado a mão divina por meio desses catastróficos e incontroláveis fenômenos; os israelenses, que se diz terem-se apartado de Jeová, florescem economicamente; todavia, de quando em quando, estão às voltas com o terror impingido pelos servos de Alá. A Irlanda do Norte, como sofre com uma longa guerra intracristã! Não é à toa que alguns dizem que “Deus é brasileiro”. Estamos mesmo divinamente privilegiados.

 

Pensando em tudo isso, eu questiono: Seriam os habitantes das zonas geográficas do “Círculo do Fogo” povos ímpios, merecedores da repreensão do todo-poderoso? Os indonésios, que cometeram tantas barbaridades contra crianças timorenses, não mereciam receber a justa medida do cálice transbordante da ira do Rei dos Reis? Como poderia eu crer que agentes divinos fossem os autores de afirmações capazes de provocar a horripilante morte de Giordano Bruno, a proibição do livro científico de Copérnico e a retratação de Galileu Galilei, que não quis ter o mesmo fim de seu antecessor Bruno? Sei que o nosso planeta pode sofrer a colisão de algum corpo espacial; mas as estrelas do céu caírem “pela terra como a figueira, quando abalada por vento forte, lança seus figos verdes”, isso não tenho como entender. Uma pequena estrela tem milhares de vezes o tamanho da Terra. Como se poderiam lançar todos os elefantes africanos e todas as baleias dos oceanos sobre um mosquito? Ah, assim só posso continuar ateu, graças a Deus!

 

Que pai, por mau que fosse, no momento de ira, atiraria uma bomba entre todos os seus filhos só por que alguns deles o desonraram? Um pai sábio castigaria os filhos inocentes, esquecendo-se dos maus enquanto estivessem executando suas maldades? Não venham com essa de escrever certo por linhas tortas! Pois mais tortas estão as escritas! Não há como entender mesmo desígnios divinos tão aleatórios! Não tem qualquer lógica a crença em castigos divinos.

 

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