Tudo começou
com microorganismos, mas a maravilhosa evolução biológica aperfeiçoou tanto os
seres vivos, até chegar à complexidade do ser humano, que criou o mais complexo
mundo imaginário, complicando sobremodo o mundo real.
As primeiras
almas viventes, unicelulares, não pararam em sua simplicidade. Progressivamente,
pluricelulares vinha à existência, como derivados daquelas vidas primitivas. Em
milhões de anos, uns se tornaram grandes e fortes; outros ficaram extremamente
ágeis, para se livrarem daqueles; outros sintetizaram venenos poderosos para
fazer face aos ataques dos inimigos; muitos criaram asas para se desprenderem do
solo e ficarem longe do alcance de seus predadores; espécies e mais espécies
desenvolveram seus mais variados meios de sobrevivência.
Um dos
animais, posto não privilegiado com o desenvolvimento de força e tamanho, nem
asas, nem veneno, sobreviveu a todas as ameaças e destacou-se entre todos os
outros pelo aperfeiçoamento da comunicação. Da onomatopéia (formação de palavras
por imitação dos sons das coisas), chegou ao mais aprimorado código sonoro (a
fala) e daí,
ao gráfico, o que permitiu a transmissão de experiências e o avanço científico
que nos rodeia e se desenvolve cada vez mais vertiginosamente.
Artificialmente, graças à capacidade de inventar e de acumular experiência, o
homem superou em muito os olhos da águia, enxergando a anos-luz; conseguiu
substituto eficiente para as asas das aves; criou armas muito superiores aos
dentes dos felinos, aos chifres dos bovinos e ao veneno das serpentes.
A enorme
criatividade humana, em um mundo tão misterioso, cheio de fenômenos
incompreensíveis, buscando explicações para tudo isso, produziu um universo
imaginário riquíssimo em personagens sobrenaturais. Em sua imaginação, o animal
inteligente povoou a Terra e os céus de deuses, anjos, demônios, duendes, almas
imateriais (fruto do sonho), com um sem-número de invisíveis entidades
sobre-humanas, dominadoras dos destinos dos homens. Assim surgiram as
milhares de religiões que infestam o mundo inteiro até hoje.
O homem do
passado (e mesmo alguns de hoje) ouviu as vozes dos deuses no trovão e nos ecos
de seus próprios gritos; sentiu o poder maléfico dos demônios nas pessoas
acometidas de distúrbios mentais; agradeceu as bênçãos divinas, expressas na
chuva, no crescimento das plantas e outros frutos da natureza, com sacrifícios
de animais e - que barbaridade!!! - até de seus semelhantes. Em todos os tempos,
tudo para que o homem não encontra uma explicação plausível tende a ser
atribuído a entidades sobrenaturais.
A
inteligência, para possibilitar a convivência, exigiu a criação de normas para
conter os nossos impulsos egoístas. Religião, Moral, Direito, Etiqueta, tudo foi
criado para limitar a completa realização da nossa vontade e até impedir que
sejamos verdadeiramente nós mesmos; mas com razão: sem nenhuma dessas regras de
conduta, o mundo certamente estaria pior do que se acha hoje. A liberdade sem
limites não funciona.
Para ironia
do homem, a religião, que deve ter sido o primeiro código de conduta humana, é
hoje a maior causa de guerras, como deve ter sido no passado também. A maioria
das mortíferas batalhas dos nossos dias são entre muçulmanos e cristãos; porém
não é só: cristãos contra cristãos se envolvem vorazmente, desta forma tão
anticristã (Jesus pregava a paz e a tolerância, segundo autores dos livros que
vieram a compor o chamado Novo Testamento). Haja vista o duradouro embate
catolicismo-protestantismo na Irlanda do Norte. Os mais tenebrosos, mais
caóticos, mais injustos, mais hediondos períodos da nossa história foram
dominados por poderes político-religiosos.
Como nossas
democracias, além de poderes legislativo, executivo, judiciário, até outros,
têm ministro da guerra, ministro da saúde, ministro da agricultura, ministro da
cultura, ministro dos esportes, ministro dos transportes, ministros e mais
ministros, de se perder a conta, a teocracia do homem primitivo criou uma
infinidade de deuses: deus da guerra, deus da chuva, deus do fogo, deus do mar,
deus dos rios, deus da
fertilidade, deusa do amor, deuses benignos e deuses malignos, havendo divindades para
todos os fenômenos da natureza. O próprio homem, como uma alternativa contra a
morte, passou a contar com ressurreição (céu para os bons e inferno para os
maus) e reencarnação (novas vidas para aperfeiçoamento espiritual, etc.) Como
qualquer outro ramo intelectual, os mandamentos divinos se diversificaram como
as línguas dos homens. Enquanto no antigo Egito relações sexuais compunham ritos
sagrados, o sexo para os hebreus estava ligado a uma série de pecados, que
podiam conduzir à pena de morte. E a abominação ao sexo se arraigou de tal modo
também no Cristianismo, que chegou ao celibato de ministros religiosos. Não se
aboliu por completo o ato sexual, por ser o único meio de perpetuação da
espécie. Nem só por isso, entretanto: a humanidade não se submeteria jamais a
tal grau de santificação, abstendo-se daquilo que é a coisa mais desejável na
vida de quase todos.
A eterna luta
entre o bem e o mal, dois valores não tão distinto (algo que é bom para uns pode
ser ruim para outros), tem-se apropriado igualitariamente de todos os
desenvolvimentos científicos ao longo dos séculos e milênios, sendo assim
possível utilizar-se de tudo que se inventa para o bem ou para o mal.
O vasto
politeísmo criado pela sociedade primeva evoluiu para a redução a apenas duas
divindades entre os antigos persas: Masda, o deus do bem, e Arimã, o deus do
mal. Todavia, a centralização divina não parou por aí. Para os hebreus, já não
ficou lugar para dois deuses: Jeová, ou Yavé, é o único Deus, criador de todas as coisas,
e os outros são frutos da criação humana. Para agente do mal, só ficou o cargo
de anjo caído, ocupado por Satan, o popular Diabo, anjo que se rebelou contra o céu, levando
consigo uma legião de outros anjos, os demônios, que dominavam as pessoas
sofredoras de doenças mentais graves, os loucos, que eram chamados de
endemoninhados.
E, como o
homem duvida e testa tudo que vê ou ouve, surgiu ainda o ateísmo, ideologia que
exclui a existência de qualquer divindade.
Hoje, embora
predomine o ateísmo no mundo científico, ainda há cientistas que creem na existência
de um criador de todas as coisas, sem, no entanto, se poder provar
cientificamente a existência ou a inexistência de qualquer deus. O fator a reforçar o
ateísmo atualmente são as provas científicas dos enganos contidos em muitas
afirmações tidas como de procedência divina. Mas a religião, resultado das
tentativas de explicar do inexplicável, não se extingue facilmente, e o animal imaginário
que o homem transformou no criador de todas as coisas ainda
continua ameaçando o mundo.