No texto Anais, do historiador romano Tácito (56 d.C. – 117 d.C.) no livro XV,
parágrafo 44, escrito em 116 d.C., existe uma passagem
referente a Cristo, Pôncio Pilatos e à execução em massa de cristãos [1].
A passagem descreve o incêndio de Roma que durou seis dias, queimando grande
parte da cidade em Julho de 64 d.C. Muitos romanos culparam o Imperador Nero
pelo incêndio.
Tradução em português
"Para se livrar dos rumores, Nero criou bodes expiatórios e realizou as mais
refinadas torturas em uma classe odiada por suas abominações: os cristãos (como
eles eram popularmente chamados). Cristo, de onde o nome teve origem, sofreu a
penalidade máxima durante o reinado de Tiberius, pelas mãos de um dos nossos
procuradores, Poncio Pilatos. Pouco após, uma perversa superstição voltou à tona
e não somente na Judéia, onde teve origem, como até em Roma, onde as coisas
horrendas e vergonhosas de todas as partes do mundo encontram seu centro e se
tornam populares. Em seguida, foram presos aqueles que se declararam culpados,
então, com as informações deles extraídas, uma imensa multidão foi condenada,
não somente pelo incêndio, mas pelo seu ódio contra a humanidade.
Ridicularizações de todos os tipos foram adicionadas às suas mortes. Os cristãos
eram cobertos com peles de animais, rasgados por cães e deixados a apodrecer;
crucificados; condenados às chamas e queimados para que servissem de iluminação
noturna quando a luz do dia já tivesse se extinguido.[2]
Christianos ou Chrestianos?

Detalhe do Manuscrito Mediciano, mostrando a palavra “christianos”. A
lacuna entre o “i” e o “s” aparece destacada; um “e” é
visível sob luz ultravioleta, mostrando que essa seria a letra
original.
Na antiguidade, tanto no mundo grego quanto no latino, os cristãos (“christiani”)
eram muitas vezes chamados de “Chrestiani”, isso porque confundiam a
palavra “Christus” com “Chrestus” ".[3], que era mais comum. As cópias
remanescentes dos trabalhos de Tácito derivam de dois principais manuscritos,
conhecidos como os “Manuscritos Medicianos”, escritos em latim. Esses se
encontram na Biblioteca Medicea Laurenziana, em Florença. O segundo
Manuscrito Mediciano é a cópia sobrevivente mais antiga que se refere aos
cristãos e é datada do século XI, vinda do Monte Cassino[4]. Nesse
manuscrito, o primeiro “i” da palavra “Christianos” é consideravelmente distinto
do segundo, parecendo um tanto borrado, além de não ter a perna presente no
segundo “i”; além disso, há uma lacuna entre o primeiro “i” e o “s” que
vem logo em seguida. Georg Andresen foi um dos primeiros a comentar sobre a
aparência do primeiro “i” e a lacuna, sugerindo em 1902 que
o texto foi alterado e que havia, originalmente, um “e”
no lugar do “i”.[5]
Em 1950, a pedido de Haral Fuchs, a Drª Teresa Lodi, diretora da
Biblioteca Medicea Laurenziana, examinou as características desse item do
manuscrito; ela concluiu que existem sinais de um “e”
apagado por remoção da parte superior e inferior horizontal e a distorção do
remanescente em um “i”. [6] Em 2008, a Drª Ida Giovanna Rao,
nova diretora do escritório de manuscritos da Biblioteca Medicea Laurenziana,
realizou novamente o estudo da Drª Lodi e concluiu que é provável que o “i” seja
uma correção de um caractere anterior (como um “e”); a mudança, contudo, foi
extremamente sutil. Posteriormente, no mesmo ano, foi descoberto que,
sob luz ultravioleta, um “e”
fica claramente visível na lacuna. Conclui-se, portanto, que
a passagem devia originalmente se referir a
chrestianos, uma palavra grega latinizada que pode ser
interpretada como “o bom”, a partir da palavra grega χρηστός (chrestos) -
termo que, por sinal, significa “bom, útil”. [7] De acordo com o Professor
Robert Renehan, "era natural para um romano confundir as palavras [Christus e
Christianus] com a de som similar χρηστός (Chrestos) "[8]. Alguns escribas
gregos aparentemente tinham o mesmo problema, já que, de acordo com o Códex
Sinaiticus e o Minúsculo 81, a palavra “cristãos” aparece como Χρηστιανούς nos
Atos dos Apóstolos 11:26. [9]
Autenticidade e confiabilidade
São poucos os estudiosos que contestam a autenticidade da passagem.[10] Somente
P. Hochart, em 1885, propôs que era uma fraude pia.[11] Contudo, o editor da
Oxford de 1907, Furneaux, dispensou sua sugestão e trata a passagem como
genuína. [12]
Robert van Voorst escreveu que a passagem não poderia ter sido forjada,
pois os cristãos não promoveriam sua fé como sendo uma “perversa superstição”,
“fonte do mal” ou ainda como sendo “horrenda e vergonhosa”, embora “lá tenha
crescido um sentimento de compaixão” em relação aos cristãos.[13] John P. Meyer
afirma não existir nenhuma evidência arqueológica ou histórica que dê suporte ao
argumento de que algum escriba cristão tenha introduzido a passagem no texto.
[14]
O cargo de Pilatos
O cargo de Pilatos enquanto esse foi governador da província romana da Judéia
aparece em uma inscrição em latim, a qual se refere a ele como prefeito.
[15] A passagem de Tácito, porém, se refere a ele como procurador. Flávio
Josefo utiliza o termo genérico grego ηγεμων, ou governador, para falar
de Pilatos. Van Voorst acredita que o uso de tão diferentes termos é o que se
espera de testemunhos escritos em diferentes línguas, em diferentes períodos da
História. [16] Tácito registra que foi o Imperador Cláudio quem deu aos
procuradores poder de governo. [17][18] Após a morte de Herodes Agrippa em 44
d.C., quando a Judéia voltou para o controle direto de Roma, Cláudio deu aos
procuradores o controle da região.[19][20]
Referências
Robert E. Van Voorst, Jesus Outside the New Testament: An Introduction to the
Ancient Evidence, Wm. B. Eerdmans, 2000, p.39
Tácito, Anais 15.44,traduzido para o português através da tradução em inglês de
Church e Brodribb.
Harald Fuchs, Tacitus über die Christen, Vigiliae Christianae, Vol. 4, No. 2
(Apr., 1950), pp. 65-93. Nas págs. 70-71 : "Die Bezeichnung der Christen als
Chrestiani ist, wie mancherlei Belege erweisen, im Osten und Westen verbreitet
gewesen. Der Christenname, der in seiner richtigen Form den Fernerstehenden
nicht ohne weiteres verständlich war, erinnerte in dieser Fassung an das
griechische Wort χρηστός und bot damit einem jeden die Möglichkeit, ihn entweder
durch das Adjektiv oder auch durch den gleichlautenden Eigennamen zwanglos zu
erklären." – “A designação de cristãos como “chrestiani” era, como muitos
documentos provam, espalhada tanto no Ocidente quanto no Oriente. O nome
“christiani”, que é a forma correta, não era facilmente entendida por muitos, e
acabou sendo relacionada à palavra grega χρηστός, dando, assim, possibilidade de
ser entendida em referencia tanto ao adjetivo quanto ao nome em si.”
Newton, Francis,The Scriptorium and Library at Monte Cassino, 1058–1105,
Cambridge University Press, 1999. "The Date of the Medicean Tacitus (Flor. Laur.
68.2)", p. 96-97.
Georg Andresen em Wochenschrift fur klassische Philologie 19, 1902, p. 780f
Harald Fuchs, Tacitus on the Christians, publicado em Christian Vigil (1950)
volume 4, numero 2, p. 70, nota 6
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=xrhsto%2Fs&la=greek
Robert Renehan, "Christus or Chrestus in Tacitus?", La Parola del Passato 122
(1968), pp. 368-370
Nestle-Aland, Novum Testamentum Graece, Deutsche Bibelgesellschaft, Stuttgart,
26. neu bearbeitete Auflage, 1979
Robert Van Voorst, Jesus Outside the New Testament: An Introduction to the
Ancient Evidence, Wm. B. Eerdmans, 2000. p. 39-53
Henry Furneaux, ed., Cornelii Taciti Annalium ab excessu divi augusti libri. The
annals of Tacitus with introduction and notes, 2nd ed., vol. ii, books xi-xvi.
Clarendon, 1907. Appendix II, p. 416f.: "A passagem foi acusada por um escritor
recente, com fracos argumentos, de ter sido uma falsificação cristã. Isso se
torna, como a oposição vê, um ataque às outras passagens de autores clássicos
desse período" O editor dá como referência "P. Hochart, Etudes au sujet de la
persecution des Chretiens sous Nero, Paris, 1885." e nota que "Hochart trata as
duas cartas de Plínio e Trajano como uma fraude pia similar."
Henry Furneaux, ed., Cornelii Taciti Annalium ab excessu divi augusti libri. The
annals of Tacitus with introduction and notes, 2nd ed., vol. ii, books xi-xvi.
Clarendon, 1907. Appendix II, p.418: "Parece estranho que, qualquer um que tenha
estudado a passagem interpolada em Josefo, ou o correspondente de São Paulo e
Sêneca, suponha que isso é apenas uma similar, porém, mais habilidosa
performance do mesmo tipo, que se apresenta aqui perante a nós. Assumindo que a
passagem seja genuína, podemos acrescentar que os textos Medicianos parecem
estar danificados somente em um ou dois trechos."
Robert E. Van Voorst, Jesus Outside the New Testament: An Introduction to the
Ancient Evidence, Wm. B. Eerdmans, 2000. p 39- 53
Meier, John P., A Marginal Jew: Rethinking the Historical Jesus, Doubleday:
1991. vol 1: p. 168-171.
Vide discussão em livius.org
Robert E. Van Voorst, Jesus Outside the New Testament: An Introduction to the
Ancient Evidence, Wm. B. Eerdmans, 2000. p 39-53
Tácito, Anais 12.60: Cláudio disse que os julgamentos de seus procuradores
tinham a mesma eficácia de seus próprios.
P. A. Brunt, Roman imperial themes, Oxford University Press, 1990, ISBN
0198144768, 9780198144762. p.167.
Tácito, Histórias, 5.9.8.
Geoffrey W. Bromiley, The International Standard Bible Encyclopedia, Wm. B.
Eerdmans Publishing, 1988. ISBN 0802837859, 9780802837851. p.979, col.1.
<https://pt.wikipedia.org/wiki/T%C3%A1cito_e_os_crist%C3%A3os>
Nenhum escritor que viveu na primeira metade do século I conheceu Yeshua
(Jesus) que tenha sido crucificado, nem sequer um grupo que dissesse que seu
líder executado tivesse ressuscitado. Mas, como havia um grupo liderado por um indivíduo
chamado Chrestos, cujos
seguidores eram chamados de "chrestianos", está bem claro que o texto de Tácito
é referência a esse grupo liderado
por Chrestos, não por Cristo.
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