INTERVENÇÃO MILITAR E DITADURA

 

Intervenção militar não é o mesmo que ditadura militar.  Mas a ditadura começa com a intervenção militar.  Com o sucesso da intervenção, suprimem os direitos e impõem o terror.

 

Vi alguém dizendo que as pessoas precisam estudar história para entender que intervenção militar não é ditadura. Se ela tivesse estudado bem a história, saberia que a ditadura militar que eliminou tantas vidas por duas décadas aqui começou com uma simples intervenção militar. Depois de expulsar o Presidente, eles se colocaram na Presidência, tiraram o direito do povo de escolher seus representantes, tiraram a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão, etc. e começaram a matar os que denunciassem quaisquer coisas.

 

Ouvi alguém lá do interior dizer que "o Castelo Branco ira gritar a ditadura"; sendo uma criança do meio rural, nem entendia o que isso significava, continuei brincando sem perguntar o que seria isso.  Vivendo onde não existia nenhuma informação, só ouvia pelo rádio propaganda do governo. Parecia que tudo estava bem. Certa vez, em época de eleição para o legislativo (pois o superpoder executivo não tinha eleição), vi alguém mostrar um cartaz de um candidato chamado Camilo Nogueira da Gama (MDB) e dizer: não pode votar nesse aí, pois ele é comunista. Nem se ouvia a palavra ditadura militar; só ouvia minha professora primária dizer que em Cuba havia uma ditadura e não havia liberdade; achava ela e nós que aqui existisse.  Vivendo no meio rural, nem tínhamos idéia do tanto de gente que estava desaparecendo, e outros sendo torturados. Só lá pelo final da década de 70 ou início da década de 80, é que, já morando em Rondônia, comecei a ouvir uns políticos falando algumas coisas da ditadura militar. 

 

Vou deixar aqui as palavras de quem viu a história melhor do que eu, professor Lázaro Curvêlo Chaves:

 

"Nenhum banqueiro, nenhum megaempresário, nenhum tubarão foi sequer chamado para depor numa delegacia, Eram todos homens de bem, pessoas que amavam o próximo... principalmente se o próximo fosse um bom parceiro de negócios.

Os soldados armados de fuzis prendiam milhares de pessoas: dirigentes populares, intelectuais, políticos democratas. A UNE foi proibida e seu prédio, incendiado. A CGT, fechada. Sindicatos invadidos à bala. Nas escolas e universidades, professores e alunos progressistas expulsos. Os jornais foram ocupados por censores e muitos jornalistas postos na cadeia. A ordem era calar a boca de qualquer oposição.

Os políticos que não concordaram com o golpe, geralmente do PTB, tiveram seus mandatos cassados. Ou seja, perderam seus direitos políticos por dez anos. O primeiro cassado, inimigo número um do regime, foi Luís Carlos Prestes. O segundo foi o ex-presidente João Goulart. Depois, veio uma lista de milhares de pessoas que foram demitidas de empregos públicos, presas, perseguidas, arruinadas em sua vida particular. Juscelino e Jânio também perderam seus direitos, para que não tentassem nenhuma aventura engraçadinha na política. Só a UDN não teve punidos: coincidência, não?

Os comunistas, claro, eram perseguidos como ratos. Muitos foram presos e espancados com brutalidade. O pior é que o xingamento de “comunista” servia para qualquer um que não concordasse com o regime. Seria o suficiente para ser instalado numa cela, Fariam a reforma agrária num cubículo 2 X 2 e socializariam a propriedade do buraco no chão que servia de privada.

Para espionar a vida de todos os cidadãos, foi criado em 1964 o SNI (Serviço Nacional de Informações). Havia agentes secretos do SNI em quase todos os cantos: escolas, redações de jornais, sindicatos, universidades, estações de televisão. Microfones, filmes, ouvidos aguçados. Bastava o agente do SNI apontar um suspeito para ele ser preso. Imagine o clima numa sala de aula, por exemplo. Eu mesmo perguntei, certa vez, a um professor de história, “o que ele achava” de algo que os militares haviam decretado. Ele, apavorado, respondeu algo como: “Não acho nada! Eu tinha um amigo que achava muito e hoje ninguém acha ele!” Eram muitos os “desaparecidos” naqueles tempos... O professore correndo o risco de ser detido caso fizesse uma crítica ao governo. Os alunos, falando baixinho, desconfiando de cada pessoa nova, apavorados com os dedos-duros. A ditadura comprometia até as novas amizades! O pior é que o SNI cresceu tanto que quase acabou tendo vida própria, independente do general-presidente, a quem estava ligado. Seu criador, o general Golbery do Couto e Silva, no final da vida, diria amargurado: “Criei um monstro.”

O novo governo passou a governar por decreto, o chamado AI (Ato Institucional) O presidente baixava o AI sem consultar ninguém e todos tinham de obedecer. O AI-1 determinava que a eleição para presidente da República seria indireta. Ou seja, com O Congresso Nacional já sem os deputados e senadores incômodos, devidamente cassados, e um único candidato. Adivinha quem ganhou? Pois é, em 15 de abril de 1964 era anunciado o primeiro general-presidente, que iria nos governar o Brasil segundo interesses do grande capital estrangeiro nos próximos anos: Humberto de Alencar Castello Branco.

Castello tinha sido um dos figurões da Sorbonne, ou seja, dos intelectuais da ESG. A maioria de seus ministros também era oriunda da ESG, a “Escola Superior de Guerra”, réplica nacional do “War College” norte-americano. Tranqüilos com a vitória, os generais nem se importaram com as eleições diretas para governador em 1965. Esperavam que o povo brasileiro em massa votasse nos candidatos do regime. Estavam errados. Na Guanabara e em Minas Gerais venceram políticos ligados ao ex-presidente Juscelino Kubitschek. (Em São Paulo não houve eleições. Seriam depois.) Mostra clara de que alguns meses depois do golpe ainda tinha muita gente que não apoiava o regime. Pois bem, os militares reagiram. Vinte e poucos dias depois das eleições desastrosas, foi baixado o AI-2, que acabava em definitivo com as eleições diretas para presidente da República. Agora, o presidente seria “eleito” indiretamente, ou seja, só votariam os deputados e senadores. Voto nominal e declarado, ou seja, o deputado era chamado lá na frente para dizer, no microfone, se votava ou não no candidato do regime. Quantos teriam coragem de dizer, na cara dos ditadores, que não aprovavam aquela palhaçada? Muito poucos, inclusive porque os mais ousados eram sumariamente cassados.

O AI-2 também acabou com os partidos políticos tradicionais. O PSD, o PTB, a UDN, tudo isso foi proibido de funcionar. Agora, só poderiam existir dois partidos políticos: a Arena e o MDB.

A Arena (Aliança Renovadora Nacional) era o partido do governo. Estavam ali todos os políticos de direita que apoiavam descaradamente a ditadura. De onde vinham? Basicamente, da UDN. Mas também um bando de gente do PSD, do PSP de Adhemar de Barros e, por incrível que pareça, muitos da velha guarda integralista. Apoiavam o regime militar em tudo que ele fazia.

O MDB (Movimento Democrático Brasileiro) era o partido da oposição consentida. A ditadura, querendo uma imagem de democrática, permitia a existência de um partido levemente contrário. Contanto que ninguém fizesse uma oposição muito forte. O MDB era formado pelos que sobraram das cassações, um pessoal do PTB, alguns do PSD. No começo, a oposição era muito tímida. Nos anos 70, porém o MDB conseguia votações cada vez maiores para deputados e senadores. Então seus políticos - muitos eram novos valores surgidos na década - começaram a fazer uma oposição importante ao regime, capitaneados pela figura do deputado paulista Ulisses Guimarães (1916-1992). Naqueles tempos, brincando é que se diz a verdade, comentávamos que o MDB era o “Partido do Sim” e a ARENA era o “Partido do Sim Senhor!”

O AI-3, do começo de 1966, determinava que as eleições para governador também seriam indiretas. Os únicos com direito a voto eram os deputados estaduais, que tinham de ir lá na frente e declarar para todo mundo em quem votavam. Mais intimidação seria impossível, não é mesmo? O circo estava todo armado para que a ARENA governasse todos os setores da vida nacional.

 

A Constituição de 1967

 

No Brasil, os homens da ditadura faziam questão de criar uma imagem de que o país era um regime “democrático”. Alegavam que existia partido de oposição e eleições para deputado e senador. Vá lá, mas acontece que os políticos mais críticos estavam cassados e o MDB, sob vigilância. Além disso, o Congresso Nacional ficou com os poderes muito cerceados. Um deputado podia fazer pouca coisa além de elogiar as praias douradas do Brasil. No fundo, quem mandava mesmo era o general-presidente e pronto. Dentro dessa preocupação de manter a aparência (só a aparência) de “democrático”, o regime promulgou a Constituição de 1967, que vigorou até 1988, quando finalmente foi aprovada a Constituição atual. Promulgar não é bem a palavra. Porque não existiu sequer uma Assembléia Constituinte. Os militares fizeram um rascunho do texto constitucional e enviaram para o Congresso aprovar. Congresso mutilado pelas cessações, nunca devemos esquecer. O trabalho era pouco mais do que aplaudir. Trabalhos regulados por um relógio que tocava corneta. Deputados obedientes como soldados em marcha.

Para começar, eleições indiretas para presidente da República e governadores de Estado, Os prefeitos de capital e cidades consideradas de “segurança nacional” (como Santos, em São Paulo, o maior porto do país, ou Volta Redonda, no Rio de Janeiro, por causa da gigantesca Companhia Siderúrgica Nacional) seriam nomeados pelo governador. Em outras palavras, a Arena governaria o país pela força da lei (e das armas, claro).

A Constituição de 1967 aumentava as atribuições do Executivo e a centralização do poder. É por isso que havia Congresso aberto. Pela Constituição, os deputados e senadores não podiam fazer quase nada, a não ser discursos. Veja bem: a lei não permitia nem mesmo que o Congresso pudesse controlar as despesas do Executivo. No país inteiro, governadores e prefeitos também podiam gastar à vontade no que quisessem - estradas para valorizar latifúndios, estádios de futebol para enriquecer empreiteiras, teatros para a elite se divertir, prédios públicos enormes para os figurões ficarem sem fazer nada no ar condicionado. Os deputados estaduais e vereadores não tinham poderes para impedir esses gastos.

Os governadores perderam a autonomia para gastar. Para qualquer obra importante, tinham de pedir dinheiro ao governo federal, ou seja, ao general-presidente. O mesmo valia para os prefeitos. Por exemplo, vamos imaginar que na cidade X, o Fulano do MDB fosse eleito prefeito. A maior parte do dinheiro dos impostos ficava com o governo federal, em Brasília. O prefeito Fulano quer fazer uma escola municipal para X. Não tem dinheiro. Tem de pedir para o governador, que é da Arena e, certamente, recebe ordens de Brasília para não dar nada. Agora, se o prefeito fosse da Arena, as coisas mudavam de figura. Principalmente porque o prefeito se lembraria de apoiar a eleição de deputados e senadores da Arena. Esqueminha montado e quase sem furos. Dá para entender por que o regime militar não teve medo de manter eleições para o Congresso e permitir a existência do MDB? Era como um jogo de futebol facílimo de ganhar, porque o juiz roubava escancarado para o lado de quem já estava no poder...

O pior de tudo é que o regime iria fechar mais ainda. O último ato do governo de Castello foi a LSN (Lei de Segurança Nacional). Reprimir passava a ser sinônimo de “defender a pátria”.

<Fonte: http://www.culturabrasil.org/ditadura.htm>

 

Como dito acima, faziam-se "estradas para valorizar latifúndios, estádios de futebol para enriquecer empreiteiras, teatros para a elite se divertir, prédios públicos enormes para os figurões ficarem sem fazer nada no ar condicionado". Mas não era possível uma "operação lava-jato"; não tinha ministério público apto a investigar; imprensa era controlada; quem ousasse dizer que suspeitasse de alguma coisa podia desaparecer, abduzido por forças estranhas; etc.  Assim, como dizem alguns 'génios' na atualidade, não se via corrupção na ditadura.

 

Quando vejo hoje gente jovem dizer que quer não é ditadura, mas "intervenção militar, que é diferente", o quando ouço até gente mais velha do que eu dizer que "naquele tempo os políticos não roubavam como hoje", o que me conforta é que esses são em pequeno número.  Pois a intervenção é a porta de entrada para a supressão da liberdade, de direitos e da informação, para que a maioria da população pense que tudo está muito bem, e os poucos que percebem alguma coisa sejam impedidos de abrir a boca.


Ver como DITADURA ENRIQUECEU EMPRESAS PRIVADAS COM DINHEIRO PÚBLICO

 

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