A MORTE DA
EDUCAÇÃO
A Morte da Educação. Décio Vieira Salomon. A
vigorar a recente deliberação do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS)
da Organização Mundial do Comércio (OMC), a educação de um modo geral,
notadamente a superior, passará a ser considerada serviço, sob a regulamentação
daquelas entidades.
Em assim sendo, será decretada a morte da educação como bem público e como dever
prioritário do Estado, inerente à sua própria soberania. Universidades,
faculdades e escolas particulares passarão a gozar não mais do direito delegado
de educar e ensinar, mas do próprio direito prioritário de transformar a
educação e o ensino em mercadoria. E esta deixará de ser regida pela
Constituição, para o ser pelas leis do comércio e pelas regras do mercado. Em
lugar da missão de formar o cidadão, caberá à Escola apenas o objetivo do lucro.
Apesar de a maioria dos reitores das Uni-versidades Públicas Brasileiras
denunciar o fato e conclamar as forças vivas da Nação para se opo-rem ao mais
ignominioso atentado dos últimos tempos, temo que vão será seu esforço, porque
tudo leva a crer que o atual governo, por sua a-desão ao neoliberalismo e em
defesa de sua a-genda, por coerência nada fará para se contrapor ao GATS e a
OMC. Antes, pelo contrário.
Enquanto se esboça o movimento de resistência liderado pelas Universidades
Públicas, o Ministro da Educação participa do movimento capitaneado pelos EUA,
Austrália e Nova Zelândia, com a anuência da OCDE, o Banco Mundial e outras
entidades significativas, no sentido de que haja “liberalização sem limites dos
mercados provedores dos serviços educativos”.
Estranhamente os chamados “donos” da rede privada de ensino há muito já
alimentavam a expectativa de tal fato ocorrer.
Grande parte de seu regozijo lamentavelmente há de se debitar ao tempo da
ditadura militar, quando os vários ministros da educação da época,
principalmente o Cel. Jarbas Passarinho, fizeram questão de esvaziar e
desqualificar o ensino público e incentivar o ensino particular. Os celebrados
acordos MEC-USAID e o Plano Atcon não me deixam mentir. Desde então a Escola
Pública começou a perder em qualidade para a Escola Privada. Um dos motivos, sem
dúvida, foi o atendimento à ideologia e a “doutrina da segurança nacional”
trazida dos EUA. Por generalização simplista, mas calculada e perversa, as
escolas públicas do segundo e do terceiro grau foram tidas como “centros de
doutrinação marxista”.
Quem se der ao trabalho de comparar o sistema de educação pública e o sistema de
ensi-no privado anterior e posterior à década de ses-senta em diante constatará
que a qualidade de ensino, antes apanágio da Escola Pública começa celeremente a
perder terreno para a Escola Pri-vada.
Curiosamente o ensino privado que se conformava em existir ocupando na sociedade
o espaço da ação permitida pelo direito delegado (ou como se dizia - e nunca
mais se ouviu essa expressão! - pelo direito supletivo), a partir de então
começam a arrogar-se o mesmo lugar ao sol constitucional e jurídico, reservado
ao sistema público de educação e ensino.
Independente do aspecto ideológico, há um detalhe na proposição da OMC que não
pode ser descuidado. É que, como bem lembrou o Documento da 3a. Reunião dos
Reitores de Universi-dades Públicas Ibero-americanas, ocorrida em Porto Alegre,
em junho/2002, “qualquer Estado que descumprir os compromissos firmados dentro
da OMC no setor de educação superior poderá ser condenado a pagar indenizações
aos empresários ou industriais da educação que se considerarem prejudicados e
estará sujeito a represálias dos paises provedores do ensino, em particular do
ensino por internet”.
Sob a capa do neoliberalismo, pretensos sábios e espertos grupos, com a volúpia
de domi-nar o mundo, já decretaram o “fim da história” (Francis Fukuyama), o
“fim da arte” (Arthur C. Danto), “o fim da sinfonia e da ópera” (Pierre Boulez)
“a morte da Literatura” (Alvin Kerman). Só faltava a OMC decretar a morte da
educação como bem público, ao considerá-la como mero bem privado, a ser gerido,
exclusivamente, com fins lucrativos. Pouco a pouco os neoliberais vão rasgando a
Declaração Universal dos Direitos Humanos e sepultando os mais altos valores sob
o altar do deus Mercado.
Se já tentaram enterrar a dialética, que serviu de suporte a todo movimento de
transformação da sociedade e a toda revolução com objetivo de resgate da
liberdade, da igualdade e da fraternidade universal, e se já conseguiram matar a
utopia que inspirou a modernidade, agora com a decretação da morte à educação
como bem público, só nos restaria dizer, com Peter Eisenman, saturado de tantos
decretos mortíferos: “está decretado o fim do fim”.
Eis a que ponto se chega quando se adota como referencial ideológico o
neoliberalismo e como paradigma supremo da modernidade a transformação dos
valores humanistas em mercadoria.
Entretanto, alimento a esperança que não morre de esperar. E sinto que como eu
muitos não tolerarão ser observadores externos de um cortejo fúnebre indesejado
e revoltante e nossas tentativas não passarão a ser meras repetições e
mimetismos diante de uma ordem de mercado, imposta, mas nefasta, pois, diante da
catástrofe, ainda nos resta gritar com Leon Krier: “Para frente camaradas,
precisamos recuar”. O aparente recuo de hoje será o salto qualitativo do amanhã
que nos aguarda para tudo mudar.
PS - Este artigo foi escrito quando era ministro da Educação o sr. Paulo Renato.
Seu teor soou como tom profético. Mal largou o ministério o ex-ministro montou
empresa de consultoria, cujo objetivo principal é justamente " vender" projetos
que atendam aos interesses do GATS aqui denunciados.