MENOS DO QUE PARECE
Manifestantes comemoram a condenação dos Nardonis. Eles têm
direito à progressão
Pelo assassinato da filha Isabella, Alexandre Nardoni foi condenado
a 31 anos, um mês e dez dias de prisão em regime fechado. Por ter
ocultado provas, recebeu mais oito meses de detenção em regime
semiaberto. Sua mulher, Anna Carolina Jatobá, foi condenada a 26
anos e oito meses pela morte da menina e mais oito meses por fraude
processual. Mas nenhum deles ficará todo esse tempo preso.
A lei brasileira garante que, depois de cumprir dois quintos da pena
(pouco mais de 12 anos no caso de Alexandre e de dez para Anna),
eles poderão sair do regime fechado para o semiaberto e passar a
cumprir pena numa colônia penal agrícola ou industrial.
Depois disso, basta cumprir mais um sexto do resto da pena para
poder passar o dia trabalhando e voltar à cadeia só para dormir
(regime aberto). O nome técnico dado à mudança de regime de prisão é
progressão de pena.
Qual é a lógica desse aparente absurdo? Por que oferecer tantos
benefícios a assassinos condenados por crimes bárbaros? Não se trata
de um privilégio para criminosos? A redução de pena surgiu na
Inglaterra do século XVIII, com o objetivo de incentivar o bom
comportamento na prisão e existe hoje na maioria dos países
democráticos.
“Em crimes bárbaros, como o assassinato de Isabella, a sociedade
quer ver os réus presos”, diz Roberto Delmanto Junior, criminalista
e coautor do livro Código Penal comentado. “Mas o preso precisa de
estímulo para se comportar bem. Sem a recompensa, fica insustentável
administrar uma penitenciária.”
Outro argumento dos defensores da redução na pena é a necessidade –
num país sem prisão perpétua como o Brasil – de reinserir os
criminosos recém-libertados na sociedade. A lei brasileira lhes
garante até moradia e alimentação por quatro meses depois de soltos.
E mesmo os reincidentes por crimes hediondos têm o direito de
cumprir uma pena reduzida.
O direito à redução está na Constituição, no Código Penal e na Lei
de Execuções Penais. Antes de 2007, os condenados por crimes
hediondos tinham direito ao regime semiaberto depois de cumprir um
sexto da pena. Com a nova lei, a exigência passou a dois quintos. Na
Europa, o prazo varia de 30% a 40% da pena. “O Brasil, que exige
40%, está entre os mais rigorosos”, diz o jurista Luiz Flávio Gomes.
Noutros países, porém, a lei não é tão branda para os crimes mais
graves. Na Espanha, os presos por terrorismo são obrigados a cumprir
a pena até o final. Nos Estados Unidos, há penas duras como prisão
perpétua ou até pena de morte. Mesmo no caso de liberdade
condicional (probation), o agente da lei estabelece limites claros
para que o detento usufrua o benefício. Um condenado por molestar
crianças pode ser impedido de chegar a menos de 300 metros de
escolas ou parques infantis.
O maior risco da redução na pena é devolver à sociedade criminosos
irreversíveis, que se comportam bem na cadeia, mas reincidem assim
que estão livres. “É preciso avaliar cada caso”, diz o coronel José
Vicente da Silva Filho, ex-secretário Nacional de Segurança Pública.
“Não se pode usar como critério apenas o tempo de pena já cumprido.”
(Época, 05/04/2010, pág. 26).