REGULAMENTAR A
PROSTITUIÇÃO É O CAMINHO
Projeto que regulamenta atividade
de profissionais do sexo está parado na Câmara
26/03/2016 14h03
Brasília
Marieta Cazarré - Repórter da Agência Brasil
O Projeto de Lei 4.211/12 que regulamenta a atividade dos profissionais do
sexo, de autoria do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), está parado na
Câmara dos Deputados, aguardando a composição de uma comissão temporária
para analisá-lo.
O projeto foi batizado de Lei Gabriela Leite em homenagem à escritora,
presidente da organização não governamental (ONG) Davida e ex-aluna de
sociologia da Universidade de São Paulo (USP), que decidiu virar prostituta
aos 22 anos. Gabriela foi muito ativa na luta pelos direitos das prostitutas
e morreu em 2013.
O tema do projeto de lei é polêmico e não há consenso entre defensores e
opositores. O autor, Jean Wyllys, defende que a marginalização das pessoas
que lidam com comércio do sexo leva à exploração sexual.
“Aquela prostituta de classe média alta, que divide um apartamento no Rio ou
nos Jardins, em São Paulo, talvez seja menos vulnerável que o proletariado
da prostituição, que depende das casas e de exploradores sexuais. Eu quero
proteger os direitos delas, garantir a dignidade e combater a exploração
sexual de crianças e adolescentes. Digo, 'elas', porque a maioria das
pessoas que realizam trabalho sexual são do gênero feminino, mas o projeto
também beneficia os garotos de programa”, afirmou o deputado.
Há quem discorde dessa posição. Tânia Navarro Swain, feminista e
historiadora da Universidade de Brasília se considera “abolicionista”. Ela é
contra a legalização da prostituição por acreditar que isso significaria a
institucionalização do proxenetismo. Os proxenetas, que são vulgarmente
conhecidos como “cafetões”, segundo Tânia, seriam transformados em
empresários.
“A prostituição é a maior violência social contra as mulheres.
A legalização
da prostituição incentiva o tráfico ignóbil, imundo e nojento, que força as
mulheres a se prostituírem. É um ato que só favorece os homens e o
patriarcado. Mulheres não são mercadorias, são pessoas”, disse a
historiadora.
Jean Wyllys, no entanto, afirma que sua intenção não é incentivar a
prostituição. “As prostitutas existem, e elas estão prestando esse serviço.
E se há um serviço, há demanda. A sociedade que estigmatiza e marginaliza a
prostituta é a mesma sociedade que recorre a ela. Na narrativa mais antiga
produzida pela humanidade, a prostituição já é citada. Não é à toa que dizem
que é a profissão mais antiga do mundo”.
Marcela Azevedo, representante do movimento Mulheres em Luta, diz que o
projeto, caso aprovado, vai regulamentar a mercantilização do corpo
feminino. “Nós entendemos que a prostituição é colocada para as mulheres
como parte do processo de opressão. A perspectiva de melhoras, como direitos
trabalhistas e combate à violência, deve ser garantida pelo Estado
independentemente da regulamentação da profissão. Qualquer mulher na rua, de
dia ou de noite, com qualquer roupa, deve se sentir segura para transitar, e
o Estado deve garantir isso”.
Cida Vieira, presidente da Associação de Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig),
defende a legalização da profissão e afirma que, como qualquer outro
profissional, a prostituta deve ter o direito de se aposentar e receber
benefícios.
Desde 2002, a prostituição está no rol das ocupações brasileiras.
Reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, a atividade dos
profissionais do sexo é restrita aos maiores de 18 anos.
De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), no exercício de
algumas das atividades, os profissionais do sexo podem estar expostos a
intempéries e discriminação social, além do risco de contágio de doenças
sexualmente transmissíveis (DST), maus-tratos, violência de rua e morte. O
Projeto de Lei Gabriela Leite prevê a necessidade do direito à aposentadoria
especial, por se tratar de trabalho em condições especiais - que prejudicam
a saúde ou a integridade física.
Cida diz que, com a legalização, as prostitutas vão se empoderar. “Quando
elas têm informação, dão a cara a tapa, brigam por seus direitos e a
violência acaba não acontecendo. Hoje, elas
ficam a mercê da fiscalização, nas ruas, podendo ser violentadas. Todo mundo
quer se aproveitar da pessoa que está na rua, vulnerável”.
De acordo com o texto do projeto, a exploração sexual ocorre quando há
apropriação total ou maior que 50% do rendimento da atividade sexual por
terceiros; quando não há pagamento do serviço sexual; ou quando alguém é
forçado a se prostituir mediante grave ameaça ou violência.
“O projeto busca fazer uma clara distinção entre o que é trabalho sexual
voluntário - praticado por pessoas adultas – e a exploração sexual de
adultos. O profissional do sexo poderá prestar serviços como trabalhador
autônomo ou em cooperativas, e as "casas de prostituição" são permitidas
desde que não ocorra exploração sexual”, disse Jean Wyllys.
Para o deputado, a legalização da casa de prostituição
é fundamental para tirar o seu funcionamento da clandestinidade, “ou
seja, passar de um funcionamento manejado pela corrupção dos órgãos de
fiscalização, para uma regulamentação objetiva e com mecanismos de controle
que possam ser acionados. A ilegalidade permite os abusos dos cafetões e
cafetinas, os abusos da polícia, a propina, a repressão, a violência.”
Marcela Azevedo afirma que o movimento Mulheres em Luta não trata do tema do
ponto de vista da moralidade. “Nós nos solidarizamos com as lutas dessas
mulheres contra violência, exploração, por direito a se aposentar. Mas
a gente acha que o caminho não é regulamentar, pelo
contrário, é superar a prostituição. A alternativa é garantir as
condições para que as mulheres que estão em situação de prostituição, não
por opção mas por necessidade, que possam construir a sua vida em outra
condição”.
Quem foi Gabriela Leite
Gabriela Leite foi uma ativista brasileira que lutou pelos direitos das
prostitutas. Nascida em 1951, em São Paulo, Gabriela trocou o curso de
sociologia na USP pela prostituição, nos anos 1970.
Na década de 1980, participou da organização do 1º Encontro Nacional de
Prostitutas e começou a militar em defesa da regulamentação da profissão. Em
1992, fundou a ONG Davida com objetivo de fortalecer a cidadania das
prostitutas por meio da mobilização e organização da categoria.
Em 2002, presenciou a inclusão da ocupação “trabalhador do sexo” na
Classificação Brasileira das Ocupações (CBO), o que permitiu que as
prostitutas pudessem se registrar no Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS) como autônomas e ter garantia de aposentadoria.
Em 2005, idealizou a grife Daspu, desenvolvida por prostitutas, e cujo nome
era uma provocação à Daslu, loja de artigos de luxo à época. As coleções
eram desenvolvidas em parceria com profissionais da moda e atraíram atenção
da mídia nacional e internacional.
Em 2010, foi candidata à deputada federal pelo Partido Verde, mas não se
elegeu. Suas bandeiras eram o fortalecimento do Sistema Único de Saúde
(SUS), a união civil homossexual, o direito ao aborto e a regulamentação da
prostituição. Gabriela morreu no Rio de Janeiro, aos 62 anos, vítima de
câncer.
Edição: Aécio Amado
http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2016-03/projeto-que-regulamenta-atividade-de-profissionais-do-sexo-esta