A reportagem é de
Hélio Schwartsman e publicada pelo jornal Folha de
S. Paulo, 27-09-2010.
Correlação, vale lembrar,
é um conceito traiçoeiro. Quando duas variáveis estão
correlacionadas, tanto é possível que qualquer uma delas seja a
causa da outra como também que ambas sejam efeitos de outros
fatores.
Desde o século XIX, a
sociologia tem preferido apostar na tese de que a pobreza facilita a
expansão da religião. "Em geral, as religiões ajudam seus adeptos a
lidar com a pobreza, explicam e justificam sua posição social,
oferecem esperança, satisfação emocional e soluções mágicas para
enfrentar problemas imediatos do cotidiano", diz Ricardo
Mariano, da PUC-RS.
"As religiões de salvação
prometem ainda compensações para os sofrimentos e insuficiências
desta vida no outro mundo", acrescenta.
O sociólogo, porém, lembra
que há outros fatores: "A restrição à liberdade religiosa,
ideologias secularistas e o ateísmo estatal dos países socialistas
contribuíram para a baixa importância que sua população atribui à
religião, como ocorre na Estônia, campeã nesta matéria, e na própria
Rússia".
Já na Europa Ocidental,
diz Mariano, "modernização, laicização do Estado e
relativismo cultural erodiram bastante a religiosidade".
A grande exceção à regra
são os EUA. Com uma das maiores rendas "per capita" do planeta, 65%
dos norte-americanos atribuem importância à religião em sua vida
diária. Tal índice é bem superior à média dos países mais ricos, que
é de 47%.
Sem descartar um papel
para as explicações sociológicas mais tradicionais, que chama de
"fator ópio do povo", Daniel Sottomaior, presidente
da Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos) aventa algumas
hipóteses na direção contrária, isto é, de que a religião é causa da
pobreza. "Ela promove o fatalismo e o deus-dará", diz.
Em certos lugares,
notadamente alguns países islâmicos, ela desestimula a educação e
impede a adoção do pensamento científico.
Além disso, afirma
Sottomaior, "a religião não apenas não gera valor como
sequestra bens, dinheiro e mentes que deixam de ser empregados em
atividades econômicas e de desenvolvimento".
Para religiosos ouvidos
pela Folha, é a riqueza que pode reduzir o pendor das pessoas à
religiosidade.
Segundo o padre jesuíta
Eduardo Henriques, "a abertura a Deus é
inversamente proporcional à segurança oferecida pela estabilidade
econômico-financeira, com exceções, é claro. Espiritualmente
falando, os pobres tornam-se sinais mais eloquentes de que ninguém,
pobre ou rico, basta a si mesmo. Por isso Jesus chamou os pobres de
bem-aventurados".
Já para o pastor batista
Adriano Trajano, a pesquisa mostra que quanto maior
for o estado de pobreza e pouco desenvolvimento econômico no país,
"maior será a busca por subterfúgios sobrenaturais, pois
a religião
tem esse poder de transportar o necessitado a um mundo de cordas
divinas". "Que a religião desempenha um papel importante nas
sociedades, não há dúvida, resta saber até que ponto esse papel
favorece a vida?", pergunta.
O teólogo adventista
Marcos Noleto é mais radical: "Há uma
incompatibilidade da fé prática com a riqueza. Assim como dois
corpos não podem ocupar um mesmo lugar no espaço, na mente do homem
não há lugar para duas afeições totais. Veja que
Deus escolheu um
carpinteiro e não um banqueiro para ser o pai de Jesus".