SUICÍDIO - CAUSAS
E BUSCA DE FORMAS DE PREVENÇÃO
(19/03/2009)
Morte voluntária
Analisar as causas do suicídio e achar formas de prevenção é
um enigma, mas possível, segundo especialistas
Por Lílian Cardoso
Depressão é um dos fatores que pode
desencadear o desejo suicida, tal como Transtorno Afetivo Bipolar
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Mahnaz tinha 6 anos quando sua mãe jogou gasolina nela, nos dois irmãos e em
si própria. Queria todos mortos. Estava cansada das traições do marido, mais
ainda de apanhar quando reclamava. Seria uma maneira de puni-lo e de mostrar
que, assim como ele, era capaz de atitudes extremas. Até hoje, Mahnaz não se
recorda do que aconteceu naquele dia, só que em momento algum teve medo, apenas
pena da mãe, que chorava muito e acabou indo embora para a casa de seus pais,
deixando-os sozinhos e encharcados de combustível".
O apelo nestas primeiras linhas não é literário. A história - uma mostra da
realidade que atormenta muitos lares - é verídica. A Organização Mundial da
Saúde calcula que, diariamente, cerca de 60 mil pessoas tentam se matar.
Aproximadamente 3 mil conseguem. O número de suicídios cresceu em 60% nos
últimos 45 anos. Mas mesmo considerado como um grave problema de saúde pública
mundial, o tema ainda é tratado como tabu.
O mistério que envolve o ato faz filósofos, psiquiatras e psicólogos se
debruçarem na angustiante busca de porquês. É um caminho árduo de respostas e
considerações. Analisar de fato o termo "suicídio" e não encará-lo de forma
preconceituosa ou romanceada - como foi feito em Os sofrimentos do jovem
Wherter, de Johann Wolfgang von Goethe - é tarefa dificílima.
A jornalista pernambucana Paula Fontenelle é um dos raros exemplos, no
Brasil, de quem encarou essa missão, enfrentou o tema e não excluiu qualquer
detalhe da própria dor. Foram três anos de pesquisa até concluir Suicídio - O
futuro interrompido, obra que foi lançada em outubro de 2008 pela editora
Geração Editorial, de São Paulo.
Assim como Mahnaz - que por sorte escapou da morte - Paula, que narra esta
história nas primeiras páginas do livro, sentiu na própria pele a herança do
suicídio. Em 2005 o pai se matou com um tiro na cabeça. Chocada com a tragédia
familiar e inconformada, a jornalista iniciou uma pesquisa. "Num momento deste,
a gente quer respostas, quer entender o que leva alguém a tirar a própria vida.
Fica um buraco e uma busca insaciável por informação", descreve.
Paula recorreu às obras de Durkheim, Freud, Aristóteles, além da leitura de
várias e recentes publicações estrangeiras. A jornalista também resgatou a
história do pai em um dos capítulos da sua obra - certamente o mais difícil,
pois analisa o problema a partir do próprio drama. "A idéia inicial era ajudar
as pessoas que vivem o que passei, mas depois que estudei bastante o assunto
pude enxergar outra possibilidade: a de evitar o suicídio. Como? Identificando
os sinais e se aproximando, de forma direta, da pessoa em risco. O que nos falta
é informação e é essa lacuna que quero preencher", revela Paula que entrevistou
inclusive o psicólogo norte-americano Edwin Schneidman, conhecido como o pai da
suicidologia moderna e responsável pela abertura, na década de 1960, do primeiro
centro de prevenção ao suicídio nos Estados Unidos.
Vida em Morte
Cerca de 1 milhão de pessoas morrem por ano em
decorrência do suicídio. Ou seja, perde- se mais vida
com suicídio anualmente do que em todas as guerras e
homicídios no mundo. Ainda segundo a OMS, se a prevenção
não passar a ser encarada seriamente, esta fatalidade
pode chegar a 1,5 milhão em 2020 e de 10 a 20 vezes mais
em termos de tentativas.
Taxas de
suicídio no Brasil por idade e faixa etária
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A previsão significa uma morte a cada 20 segundos e
uma tentativa a cada um ou dois segundos. Este índice
representa um crescimento de 74% em relação às 877 mil
mortes voluntárias registradas em 2002. Nos relatórios
mundiais, o suicídio está entre as três maiores causas
de morte na faixa etária de 15-44 anos. A cada ano,
aproximadamente 100 mil adolescentes se suicidam no
mundo.
As taxas mais altas estão no Leste Europeu,
particularmente os que faziam parte da União Soviética.
As mais baixas estão na América Latina, nos países
islâmicos e em alguns países asiáticos. Mas os números
servem apenas como referência, porque não se sabe até
que ponto a subnotificação - inclusive no Brasil -
impacta os índices mundiais. Em relação aos países
africanos não há um registro específico sobre a
incidência de suicídio, são poucas as informações e
pesquisas divulgadas nesse continente.
Fatores de Risco
A Organização Mundial da Saúde
estima que 60 mil pessoas tentam se matar, e
que 3 mil têm êxito |
Quando sabemos que alguém se suicidou, a primeira
pergunta que vem à nossa mente é 'por quê'? E a
resposta, normalmente, é vazia. Vazia no sentido em que
não diminui nossa indignação, nossa dificuldade em
compreender que alguém desistiu da vida. Na verdade,
muito já foi pesquisado sobre o assunto e a principal
conclusão desses estudos é que em mais de 90% dos casos
de suicídio, existe um transtorno mental associado.
Em 2002, a Organização Mundial da Saúde realizou um
levantamento em diferentes regiões do mundo. Em quase 16
mil suicídios, em apenas 3% não foi possível fazer um
diagnóstico psiquiátrico. No topo da lista vem a
depressão. Normalmente a doença ou não foi diagnosticada
ou o tratamento não foi seguido (ou prescrito)
adequadamente. Mas é preciso deixar claro que a doença
não é uma sentença de morte, ao contrário, apenas uma
média de 15% daqueles que apresentam depressão grave se
suicidam.
Embora a depressão esteja no topo da lista, algumas
doenças psíquicas também podem aumentar o risco de
suicídio. É o caso do Transtorno Afetivo Bipolar,
caracterizado por alternâncias entre fases de mania
(hiperatividade) e depressão. O TAB afeta cerca de 1,5%
das pessoas. Entre 20% a 50% dos doentes tentam
suicídio. Portanto, se essas doenças forem
diagnosticadas e tratadas com seriedade, o suicídio pode
ser prevenido.
" Perde-se
mais vida com suicídio anualmente do que em
todas as guerras e homicídios no mundo "
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Um tema silencioso
No Brasil, onde prevenção de suicídios ainda não é
tratada como prioridade, o tema é pouco discutido. O
motivo talvez seja a prioridade que é dada à violência
urbana. Enquanto de 3 a 4 mil pessoas morrem anualmente
por suicídio, o País registra cerca de 45 mil
assassinatos no mesmo período.
Mas isto é apenas parte do problema. O medo e o
desconhecimento também estimulam o silêncio, seja das
autoridades responsáveis pelos registros de óbito, seja
a própria sociedade que ainda se cala diante da morte
voluntária. Em alguns casos a própria família pede que a
real causa mortis seja camuflada por eufemismos
como "acidente com arma de fogo", entre outros.
No que diz respeito aos números, o Brasil segue os
padrões mundiais, três mortes de homens para cada mulher
e elevação nos índices de morte voluntária nos jovens
entre 15 e 24 anos. Nessa faixa etária, as taxas entre
1980 e 2000 foram multiplicadas por dez, passando de 0,4
para 4.
Na opinião de Paula Fontenelle, a sociedade ainda não
está pronta para este debate, e isso inclui o poder
público, mas é preciso que alguém dê o pontapé inicial.
"No Brasil, a violência urbana é o grande vilão das
mortes, mesmo assim pouco é feito para solucionar o
problema. Por trás desta atitude está o medo de encarar
o suicídio como um fato, assim como vemos hoje tratarem
a depressão que antes era igualmente tabu".
Um dos capítulos do livro trata da postura da mídia
em relação ao suicídio, uma postura também distanciada e
superficial. O motivo é o receio de que a publicação de
reportagens estimule o que os especialistas chamam de
'contágio'. "É verdade que isso pode ocorrer, mas o
silêncio não ajuda. O que nós jornalistas precisamos é
abordar a morte voluntária de forma responsável e não
sensacionalista. Temos uma imensa responsabilidade em
tratar o assunto adequadamente para ajudar na
prevenção", defende.
Mortes por
suicídio no Brasil: Homens
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Fonte: DATASUS/ Ministério da Saúde
(1996-2002)
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Mitos sobre suicídio
Durante três anos de pesquisa, a autora identificou alguns mitos que norteiam
o tema e, nas entrevistas, procurou esclarecimento para cada um deles. Em
capítulo específico, Paula listou as dez principais inverdades e analisou uma a
uma baseada em considerações de especialistas. "Quem vive ameaçando se suicidar
nunca o faz". Segunda a autora, este é o mito mais difundido.
De fato, as pesquisas mundiais indicam que mais de 90% daqueles que tiram a
própria vida dão sinais de que irão fazê-lo, entre eles, a verbalização de que
não querem mais viver. O comportamento autodestrutivo, as palavras de
desesperança sempre se apresentam como pedidos de ajuda. "Mas é preciso que
exista alguém do outro lado que identifique os sinais, enxergue o sofrimento do
outro e parta para a ação", explica.
A crença de que quem diz não faz é ainda mais recorrente quando vem de um
jovem, porque é visto como algo característico de adolescentes, seja na forma de
exagero nas emoções ou ainda uma maneira para chamar a atenção. A simples
verbalização de querer morrer, normalmente já é um sinal de que há algo a ser
investigado.
Outro mito em destaque é acreditar que ao perguntar a alguém se ele ou ela
está pensando em se matar você pode estimular essa pessoa a fazê-lo. Ao
contrário. O que dizem os especialistas é que se você estiver desconfiando da
intenção de alguém, deve abordá-lo da forma mais direta possível perguntando se
ele já pensou nisso e se já chegou a planejar o ato. É desta forma que você irá
saber a gravidade da situação.
No caminho da prevenção
A grande questão por trás do suicídio é o que fazer - ou mesmo, se há o que
fazer - quando uma pessoa chega ao ponto de desistir da vida. Há quem procurar?
Depressão, angústia, medo, desamparo, apatia. Estes são os sentimentos que
corroem um ser humano até que tudo deixa de fazer sentido. É nesse momento que o
suicídio surge como única saída. É o que os especialistas chamam de
"afunilamento" das percepções, muito comum em níveis avançados de depressão.
Como ajudar nesses casos? Se aproximando da pessoa, conversando abertamente e
a encaminhando a um tratamento adequado. De início, o indicado é
tentar entender
onde dói, o que o incomoda, o porquê do indivíduo não enxergar outras saídas. Em
seguida, procure ampliar sua percepção apontando para opções que ele não
consegue ver.
Mortes por suicídio no Brasil: Homens
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Fonte: DATASUS/ Ministério da Saúde (1996-2002)
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No caso do suicídio, o termo "prevenção" adquire um significado diferente,
porque não se trata de um processo preventivo qualquer. A trajetória inclui a
identificação de sinais verbais e não-verbais sutis que já indicam certa
gravidade no quadro de quem os expressa e é preciso agir rapidamente. Ou seja,
não se trata de evitar uma "doença" antes que ela apareça, e sim de estancar um
processo já em evolução.
No Brasil, o trabalho do Centro de Valorização da Vida, CVV, merece todos os
méritos pela boa iniciativa voluntária de salvar vidas. Trata-se de uma equipe
de voluntários que atende de forma sigilosa pessoas que geralmente não têm quem
os ouça ou não se sentem à vontade para conversar com os amigos e familiares. A
entidade está espalhada por todo Brasil. No ano passado, o CVV recebeu 1.120.226
ligações em todo o território nacional.
http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/38/adeus-precoce-o-individuo-nao-e-uma-maquina-de-128070-1.asp
(Revista Psique Ciência&Vida, Ano IV - número 38, março/2009)
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